
Isto é, trata-se de uma cidade sagrada para onde rumam anualmente milhões de peregrinos.
Simplesmente o politeísmo hindu torna esta cidade, banhada pelo rio Ganges (também ele sagrado), em algo único de se vivenciar, por ser indissociável da forma como o povo hindu vive a religião.
Mas não só.

Por isso mesmo, embora os budistas sejam uma minoria em toda a Índia, esta religião ocupa um espaço bastante considerável nesta cidade, pelos motivos atrás referidos, ainda que também neste caso as invasões mongóis tenham "ajudado" a destruir boa parte dos vestígios que actualmente correspondem ao sítio arqueológico de Sarnath onde se ergue a imponente Stupa de Dhamekh do século V d.c.

Mais difícil será ainda descrever essa mesma devoção na cidade de Varanasi.
A casa esquina a a cada rua existe um ponto de adoração a um dos deuses. Todas as pessoas parecem viver muito mais preocupadas (note-se "preocupação" em sentido totalmente figurado) com o cumprimento das suas orações diárias na certeza que a presença na Terra é apenas uma passagem (aqui sim literal) para um estado necessariamente melhor, através da reencarnação.
E, de facto, assim se perceberá melhor que não obstante a mais do que evidente pobreza de grande parte da população tal não pareça constituir qualquer motivo para um questionar da fé, como tantas vezes sucede.

O folclore que rodeia alguns dos santuários é surreal: pequenos espaços com diversas estátuas representativas de deuses ao som de música ensurdecedora saída de várias colunas, em nada coincidente com a imagem idílica do som das citaras ou das flautas tradicionais da Índia.
O centro nevrálgico de peregrinação em Varanasi são as margens do rio Ganges, com as suas famosas escadarias (gaht) que "desaguam" no rio e o que se segue é ainda mais difícil de transmitir por escrito.

Antes de abordar a parte da cremação importa deixar cair um preconceito que atravessa quase todas as pessoas quando se referem ao rio Ganges, incluindo eu próprio.
Não, o rio Ganges não cheira mal. Não, o rio Ganges não está cheio de corpos a flutuar. Não, o rio Ganges não está cheio de mosquitos.

Não, o rio Ganges não é um rio limpo. Nele são descarregadas as cinzas e os restos mortais dos cadáveres incinerados e afundados (literalmente) os corpos de todos aqueles que não podem passar pelo ritual da cremação: crianças, mulheres grávidas, leprosos e pessoas que tenham sido mordidas por cobras (e morrido em consequência disso).
Simplesmente nada disso é perceptível à vista ou ao nariz.

Há, reconheço, uma incoerência em tudo isto, mas a realidade é esta é não aquela que preenche demasiadas vezes o nosso imaginário sobre a Índia.
Voltando à cremação trata-se, obviamente, de um momento que para um ocidental se torna potencialmente chocante, não porque se trate de um espectáculo macabro, mas porque tudo se passa em frente aos nossos olhos, desde a chegada do corpo, embrulhado num pano ou num saree (se for uma mulher), que poderá ficar a "aguardar vez" nas escadarias (por dia são celebrados entre 100 a 200 cerimónias de cremação que duram várias horas).

O melhor estava reservado para o final do dia com a possibilidade de presenciar o lindíssimo festival de Ganga (religioso, claro está) nas margens da principal escadaria do Rio Ganges, no qual 7 sacerdotes ensaiam um conjunto de rituais de purificação e devoção ao rio sagrado que têm em fronte de si.
O regresso ao hotel (tal como a ida para o festival) fez-se num riquexó, puxado por uma bicicleta conduzida por uma rapaz que não teria mais de 20 anos e que a determinada altura nos confidencia ser muçulmano. "Sou muçulmano. Os hindus têm demasiados deuses. Eu só adoro um Deus.".
É tudo uma questão numérica, portanto.
O dia de amanhã levar-nos-à a um outro território: o Nepal.
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