As
relações em Sociedade estão, como é sabido, repletas de factores que propiciam
de forma bem mais acentuada as suas divisões do que a perspectiva oposta, isto
é, de confluência de vontades ou, dito de outra forma, de união.
Nesse
pressuposto não é de estranhar que ao longo de um período suficientemente longo
para se perceber exactamente quando terá tido o seu início, a relação entre
rendeiro e arrendatário se tenha quase sempre pautado por caminhos paralelos
mas de sentido contrário.
A
razão - bem ao contrário da solução para o problema – é bastante fácil de
explicar pois reside unicamente no facto de não obstante a relação contratual
entre ambos assentar num interesse inicial comum, ou seja, alguém que pretende
obter um bem que outro detém e se dispõem a dar de usufruto, rapidamente se
transforma num interesse conflituante.
E é
precisamente essa mesma razão que adiante se desenvolverá que implica que toda
e qualquer nova legislação sobre a matéria do arrendamento urbano seja insusceptivel
de ser aceite por reservas por ambas as partes ou mesmo rejeitada
integralmente, num raro momento de consenso.
O
motivo principal para tal desencontro poderia resumir-se na permanente
manifestação por uma das partes em receber mais pelo bem que disponibiliza e
pela outra de pagar o menos possível por esse mesmo bem.
A
questão é que a relação em ambas não é paritária, ou seja, não existem na mesma
medida direitos e deveres para rendeiro e arrendatário, pois se ao segundo o
direito que lhe assiste de usufruir de um bem que não é seu resulta do
cumprimento do dever de pagar a renda acordada e zelar pela integridade do bem
que lhe está confiado, sobre o primeiro recai, entre outros, o ónus de prover
as condições de habitabilidade geral do imóvel.
Ora
este ónus não sai, conforme é usual dizer-se, barato, sendo que raramente o
valor recebido a titulo de renda é suficiente para fazer face a tal encargo.
Percebe-se
desta forma o imbróglio que daqui resulta, isto é, o dilema de quem não recebe
o suficiente para cumprir integralmente com as suas obrigações legais e a
posição de quem não pode ser obrigado a pagar mais precisamente pelo facto de
se encontrarem cumpridas essas mesmas obrigações.
O
resultado é, e nem poderia deixar de ser, uma contínua e progressiva degradação
do património imobiliário das cidades, fruto exclusivamente da estagnação que
emerge da linha que separa aquilo que um quer mas não pode fazer e que o outro
deseja mas sem que daí resulte qualquer oneração do seu “esforço” mensal.
A
“solução” para este “novelo” repleto de nós tem sido o de vencer pelo cansaço,
não o cansaço físico, mas o cansado das estruturas dos prédios que embora mais
resistentes ao passar dos anos do que o ser humano, não lhe são ainda assim
indiferentes ou sequer imunes.
Daqui
resulta que mais tarde ou mais cedo essas mesmas estruturas hão-de ceder e
desabar sobre si mesmos quando não mesmo sobre os próprios inquilinos,
resolvendo-se de uma só assentada um “problema” aparentemente irresolúvel.
Ora,
certamente para angustia de alguns proprietários, a matéria de que são feitas
algumas estruturas assemelha-se a alguns humanos que apesar da idade parecem
quer “recusar-se” a morrer, contrariando a lei natural das coisas ou mesmo o
principio de matriz religiosa de que se do pó viemos ao pó retornaremos mais
tarde.
Nessa
altura, só uma espécie de justiça divina ditada pelos homens parece poder
“acelerar” este processo, dela resultando mais ou menos frequentes exemplos de
cataclismos de natureza idêntica àquela que traçou o destino das cidades de
Sodoma e Gomorra, ainda que os “pecados” neste caso sejam substancialmente
distintos.
Tudo
isto se passa ao longo de gerações de legisladores que seja por incapacidade de
gerir equitativamente esta matéria no plano legal quer seja pela tendência
recorrente de querer agradar a “gregos e a troianos”, arrastou sempre para data
incerta a resolução do problema, mesmo que inicialmente – como quase sempre
acontece – se façam “juras” nesse sentido, porventura mais eivadas de um misto
de boa vontade e demagogia do que de uma plena convicção.
Desconheço
em qual das duas categorias a nova lei das rendas se integra, sendo certo que
(aparentemente) uns - os rendeiros - terão ficado mais agradados com o seu
conteúdo do que outros - os arrendatários - facto que me permite concluir que,
sem prejuízo da avaliação dos resultados práticos da referida nova lei, não
será certamente esta a última vez que ouviremos falar deste assunto. Assim vão
as cousas.