domingo, 27 de fevereiro de 2011

Paraíso artificial

Passou recentemente um ano após a catástrofe natural que assolou a Madeira, trazendo morte e destruição a parte significativa daquela Região Autónoma. A reconstrução terá custado qualquer coisa como mil milhões de euros (a facilidade com que se fala actualmente de numeros desta ordem é quase comovente) ao Estado.

Um ano depois estará quase tudo na ordem e a reconstrução é uma realidade.

A questão interessante que se coloca relativamente a este processo de reconstrução é o de sinalizar uma mais do que evidente dependência do Arquipelago relativamente ao Estado Central e ao Governo na Nação (independentemente da respectiva côr politica).

A dependência foi nessa ocasião tão manifesta que "permitiu" inclusivé que o Dr. Alberto João Jardim fizesse as pazes com o actual Primeiro-Ministro. O problema é que esta depedência sempre existiu ao longo dos mais de 30 anos que já leva o "reinado" do líder madeirense. 

No entanto, qual filho mal agradecido, o Dr. Alberto João Jardim sempre fez questão de olhar para o Continente (ou o "rectângulo" como, entre outras coisas, ele lhe chama) como se de um invasor colonialista se tratasse. Alguém de apenas quer o mal da ilha e que nada contribuiu para o desenvolvimento da mesma.

A "obra feita" de que tanto se orgulha e que muitos reclamam em seu nome terá sido o resultado de uma gestão de génio em que apesar da aparente guerra "norte-sul" aplicada à sua região, foi possivel edificar uma ilha pujante, com niveis de desenvolvimento superiores a boa parte do Continente, já para não falar em relação à sua "irmã" não muito distante, os Açores.

O questão é que a "obra feita" é o resultado de décadas de remessas de verbas provenientes do Orçamento de Estado, sem qualquer controlo sobre a sua aplicação, como se de um saco sem fundo se tratasse e a quem ninguém pareceu ligar muito durante largos anos.

No fundo, sem que ninguém pretenda admiti-lo o que sempre importou foi sempre manter o Dr. Alberto João Jardim tranquilo, ou melhor dizendo, calado. Aliás tal como normalmente calados ficam os lideres políticos no Continente perante os dislates verbais sucessivos do Dr. Alberto João Jardim, a quem aparentemente tudo é permitido, refugiando-se normalmente no chavão do seu "estilo próprio", como quem diz que no fundo não é para se levar a sério.

Uma grande ajuda para a dita "obra feita" foi a existência de uma "zona franca" que funciona para a Madeira como as Ilhas Caimão e outras ilhas do pacífico para a circulação de dinheiro sem pagamento de impostos, algo que parece vir a ter os "dias contados" porque entretanto chegou uma "coisa" chamada crise e isto de alguns não contribuirem para o esforço comum começa a ser visto de outra maneira.

Em resumo, a "obra feita" foi conseguida fundamentalmente à custa do dinheiro dos outros e não fruto de qualquer capacidade exemplar de gestão de uma ilha, com recursos naturais naturalmente limitados.

Junte-se a este facto a "construção" de um modelo de governação em que tudo e todos de alguma forma dependem do Governo Regional e torna-se muito mais fácil perceber porque é que o Dr. Alberto João Jardim é, na prática, um lider sucessivamente reeleito com uma aura de "insubstituivel".

A pouco e pouco o Dr. Alberto João Jardim tem vindo a semear a semente da independência da Madeira. Esta semente não irá - julgo - florescer durante algum dos seus mandatos, mas será colhida no futuro por um dos seus muitos acólitos.

Da minha parte apenas digo que se sobrevier da indepedência da Madeira deixarmos de suportar os constantes insultos do Dr. Alberto João Jardim e de termos contribuir todos para a sua "obra feita", então que assim seja. Assim vão as cousas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

"Mercados financeiros"

O Prof. Cavaco disse durante a campanha eleitoral que se houvesse uma segunda volta os "mercados financeiros" iriam reagir negativamente. Os portugueses elegeram-no à primeira e, no entanto, aí estão os ditos "mercados" em grande.

Ficam provados dois factos: o primeiro da falácia dos argumentos do Prof. Cavaco. O segundo de que os "mercados" são incontroláveis independentemente do que se diga ou do que se faça, porque no essencial regem-se por principios tão especulativos como aqueles que foram proferidos pelo então candidato a Presidente.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Pontos de vista

Recentemente, logo pela manhã, ouvia uma noticia na rádio sobre uma idosa de 94 anos descoberta morta em casa após 9 anos, período durante o qual ninguém se terá preocupado em saber do seu paradeiro.

À hora de almoço, na televisão, a senhora afinal "tinha" 87 anos (eram de facto 94 anos) e parece que sempre tinha havido gente que, ao longo dos ditos 9 anos, tinha de facto tentado entrar em casa da senhora mas infelizmente, já todos o sabemos, sem sucesso. Comprova-se que para entrar em casa de alguém sem autorização não há melhor do que a nossa máquina fiscal.

Não querendo nesta dissertação abordar em concreto a infeliz história desta senhora, retenho sobretudo a forma como a opinião das pessoas é condicionada pela forma mais ou menos criteriosa com que as notícias são transmitidas.

No exemplo que ocupa o inicio deste texto somos confrontados com uma sensação de raiva pela desumana familia da falecida para, mais tarde e depois de melhor conhecidos os factos, virarmos a nossa atenção para as falhas do sistema. E porquê? Porque a nossa capacidade de julgar está directamente ligada à forma como nos colocam no papel de receptor das notícias.

Temos assistido a outras situações de natureza semelhante. Lembro-me por exemplo do casal McCann. De país extremosos a pais desnaturados, bastou uma viragem da bússola noticiosa.

Damos por nós a tomar posição de desagravo ou o seu contrário em processos dos quais nada conhecemos ou sobre pessoas das quais nunca ouviramos falar, como se fossemos os seus confidentes de longa data.

O poder da notícia é este: o de dirigir as massas num sentido ou no outro. Mas este é também o seu maior desafio, pois este poder é potencialmente demasiado esmagador para ser controlado.

A vulgarização dos canais noticiosos (na rádio, televisão, etc) alargou o espectro unívoco da forma como a informação nos era anteriormente transmitida. Mas esta "democracia" tem os seus perígos, sendo o maior deles o de vulgarizar a propría notícia.

Atente-se, por exemplo, no que sucede no tratamento que é dado à informação que passa diáriamente em oráculo nas televisões, normalmente repleta de erros ortográficos grosseiros e propositadamente simplificada para proporcionar uma leitura imediata ao espectador.

Só o rigor e o profissionalismo poderão contrariar estes modelos noticiosos feitos à medida para uma sociedade que cada vez mais vive e pensa ao ritmo e estilo de um sms. É necessário obrigar as pessoas a reconhecerem a necessidade própria de tomarem consciência da natureza das posições que assumem.

Não representa nenhum estágio de evolução passar de uma sociedade de ignorantes para uma sociedade de néscios. É que bem vistas as coisas pelo menos a primeira das duas tem desculpa. Assim vão as cousas.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Job wanted

Porque é que há uma taxa de desemprego tão elevada em Portugal? Certamente que a resposta mais evidente será aquela que relaciona este preocupante facto à crise internacional e às pouco prolificas politicas governamentais em resposta a essa mesma crise.

Mas a resposta não será assim evidente, nem simplesmente justificável à luz do turbilhão em que vive a Europa (e os EUA) desde o ano 2009.

Portugal era, até ao 25 de Abril de 1974, um país que vivia essencialmente da agricultura, fundalmentamente numa perspectiva de consumo próprio, isto é, sem ambições de expansão. O abandono dos campos e a consequente fuga para as grandes cidades, aliado ao fim dos grandes grupos económicos ligados às familias dominantes anteriores à revolução, levou ao exodo de muitos portugueses para paragens mais distantes, à procura de uma melhor sorte.

O país perdeu nesse altura muita da sua mão-de-obra, embora grande parte dela não pudesse de forma alguma ser caracterizada como especializada. O regresso de muitos portugueses provenientes das ex-colónias apenas permitiu amenizar a carestia de mão-de-obra capaz para trabalhar em sectores emergentes num país até então estagnado. 

A mudança para outros sectores em franco e acentuado crescimento, nomeadamente da construção civil e serviços, possibilitou a manutenção durante vários anos de uma economia de pleno emprego.

O "boom" da construção dos anos 80 levou à necessidade da alteração de um certo paradigma, ou seja, Portugal passou de um país de onde se emigrava para um país acolhedor de emigração, nomeadamente proveniente da Europa de Leste e do Brasil.

É aqui que entendo se começa a desenhar parte dos problemas que hoje vivemos. Essencialmente o português, apesar do seu nivel médio de formação se situar abaixo dos seus novos parceiros europeus, aumentou significativamente o seu nivel de exigência, abandonando as principais fontes de emprego existentes, as quais ficaram precisamente vagas para as novas vagas de emigrantes recém-chegadas ao nosso país.

Contudo, o referido aumento de expectativas não foi acompanhado por um aumento das competências próprias nem tão pouco da capacidade de inovar, criando dessa forma um fosso de competitividade entre as nossas empresas e das principais economias europeias.

O problema é que em momentos de crise esta divergência acentua-se, sendo particularmente gravosa para as economias menos competitivas, como é infelizmente o nosso caso. Assim, não é de estranhar que muitas empresas tenham sucumbido ou se tenham procurado adaptar à nova realidade começando por adaptar as respectivas estruturas de recursos humanos, isto é, despedindo.

Mas é também por aqui que se avalia a nossa maior ou menor capacidade de resistência. Despedir será a mais "fácil" das medidas, o problema é que tudo o resto fica por fazer, ou seja, a modernização das empresas, a formação de quadros qualificados e a rotura com uma certa cultura de subsidio-dependência do Estado, também ele cada vez mais incapaz de responder às suas responsabilidades mais essenciais.

É portanto mais do que certo afirmar que muitas empresas portuguesas estarão hoje nos "cuidados intensivos", e que boa parte delas não aguentará uma segunda "vaga" desta crise. Resta-nos esperar que as demais, o Estado mas sobretudo os portugueses tenham dela sabido retirar as necessárias ilações. Assim vão as cousas.





sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"Moção de censura" (2)

Francisco Louçã anunciou uma moção de censura para daqui a um mês. Trata-se de uma manobra que pretende antes de mais marcar o terreno que supostamente separa o BE do PCP, mesmo que para tal seja necessário um esforço que não está certamente ao alcance de todos.

Entre uns que defendem o regime de kim jong-il e outros o de ahmadinejad, fica o país à mercê do mais abjecto tacitismo de pacotilha de quem não tem nem nunca terá responsabilidades governativas.

Por alguma razão Pedro Santana Lopes e Pacheco Pereira defenderam de imediato que o PSD se deve demarcar inequivocamente desta moção.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Moção de censura" (1)

O PCP está a analisar, ou "não exclui" de acordo com a sempre rica prosápia politica, a possibilidade de apresentar no Parlamento uma moção de censura ao Governo.

Tal moção pode ter consequências distintas: a moção é aprovada e o PSD ganha as futuras eleições com ou sem coligação com o CDS, ou a moção é rejeitada o PS ganha nova legitimidade para manter a linha de governação reduzindo o espaço de manobra ao próprio PSD.

Os ganhos de qualquer dos cenários são bastante evidentes para cada uma das partes. Só não se percebe bem é o que é que o próprio PCP tem a ganhar com a possível apresentação desta moção.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O escrutínio

Tal como eu tive ocasião de antecipar os temas que "animaram" a primeira semana da campanha eleitoral para a presidência da República, desaparecem quase com a mesma rapidez com que haviam nela aparecido, e com a mesma justificação, ou seja, nenhuma.

E porque é que tal acontece? Porque este tipo de escrutínio aos candidatos não está na nossa génese democrática.

Nos EUA, com as devidas diferenças, qualquer candidato é sujeito de forma prévia à sua (possivel) eleição a uma análise dos respectivos comportamentos privados, não valendo necessáriamente o principio do primado da reserva da vida privada.

Ou seja, aquilo que se é na esfera intima há-de ser aquilo que se será na actuação pública e este princípio é, a meu ver, profundamente correcto.

Em Portugal, bem pelo contrário, há um grande pudor por parte da classe jornalistica, em fazer aquilo que vulgarmente se chama de "jornalismo de investigação". Este tipo de jornalismo, quando conduzido com profissionalismo e isenção, teria um papel potencialmente decisivo na própria credibilização da classe política.

Por outro lado, não existe um cultura de exigência da população que de forma clara procure conhecer bem os candidatos que no futuro imediato irão conduzir os seus próprios destinos. Não é certamente de esperar que seja a classe politica a dar esse primeiro passo, na medida em que dele poderão ser os principais prejudicados.

O que sucede então em Portugal? Exactamente o oposto. Elegemos os nossos representantes e, quando começamos a ficar "fartos" deles, abrimos o baú e vasculhamos o seu passado, a maior parte das vezes sem critério (ou com critérios menos claros) e sem o necessário rigor jornalistico.

É muito mais dificil demover um politico depois de eleito do que antes dessa eleição e este princípio é válido em Portugal (onde existem politicos que não renunciam aos cargos mesmo depois de condenados) ou nos EUA. Atente-se no "escândalo" Clinton...

Analisando os casos mais recentes, qual foi o resultado prático de trazer para o dominio público as suspeitas sobre o curso do Eng. Sócrates, da ligação ao BPN e da compra da vivenda Algarvia do Prof. Cavaco ou da publicidade ao BPP do Dr. Alegre? Nenhuma, pois claro.

Bastou aos próprios dizerem que não era verdade ou remeterem-se ao silêncio para o que os assuntos morressem por eles próprios. Porquê? Porque se tratavam de processos que deveriam ter sido analisados e mesmo investigados na altura própria e não posteriormente, por mero oportunismo politico de circunstância. Perdeu-se, em suma, o sentido de oportunidade.

Enquanto não existir uma consciência geral de exigência ou da manifestação prática de que à mulher de César não basta parecer séria sem ter que o ser, continuaremos a "navegar" neste mare tranquillitatis em que se tornou o nosso País. Assim vão as cousas.