domingo, 28 de novembro de 2010

O impecilho

Quando rebentou a crise de 2009 os Estados, nomeadamente os integrantes da UE, norteavam as suas politicas numa lógica de consolidação orçamental e controlo da despesa pública (ainda que alguns de forma meramente aparente) em linha com as disposições dos tratados que regem as relações entre os diversos estados-membros.

Quer isto dizer que se seguia uma politica comum de redução do défice das contas pública, controlo da inflacção e manutenção de elevados niveis de emprego.

Para que tal tenha sido possivel os diversos Estados empreenderam medidas de rigor e, não raras vezes, com sacrificio das respectivas populações, na medida em que houve necessidade de recorrer ao agravamento da politica fiscal, isto é, com recurso a aumento de impostos. 

A grande verdade é que se as regras dos tratados são iguais para todos, nem todos os Estados são iguais, ou como se costuma dizer "andam à mesma velocidade".

Se alguns países crescem fortemente à custa das suas exportações e da produtividade do seu aparelho económico, com pouca ou nenhuma intervenção estatal, outros há que por não disporem de quaisquer dessas ferramentas (ou por fraca expressão das mesmas) necessitam de uma dose de esforço muito mais acentuado para poderem acompanhar o "passo" dos seus parceiros europeus.

Nos EUA esta questão nem se colocava, uma vez que a figura do Estado central se encontra desde sempre, confinada ao papel de espectador mais ou menos atento, sendo qualquer intervenção na economia desaconselhada e mesmo vista com reprovação.

A grande recessão de 2009 - se me é permitido apelidá-la dessa forma - veio, de forma abrupta, inverter esta lógica.

O Estado, essa entidade supostamente reguladora e vista como má gestora das suas empresas, foi obrigado (literalmente) a intervir de forma séria na economia, mandando às "urtigas" todo o esforço acumulado durante anos, o que em linguagem económica não quer dizer mais do que começar a gastar o que não se tem.

Ficámos a saber que os Estados também podem falir, mesmo os mais ricos, como foi o caso de um dos mais insuspeitos países do mundo, a gélida e vulcânica Islândia.

O sinal evidente de que provavelmente as coisas não poderiam ter sido feitas de outra forma surge, aliás, de onde menos se esperava, isto é, dos EUA.

A Administração Obama para evitar o colapso economico do país foi obrigada a nacionalizar empresas-chave da economia americana para obstar, por exemplo, a que os americanos ficassem sem as suas reformas de um dia para o outro.

Não adianta aprofundar o que se seguiu: defices nunca antes vistos, desemprego galopante, desinvestimento geral, ou seja, instalou-se a desconfiança global.

Mas esta coisa das crises é como os nossos dias, ou seja, tem altos e baixos e tal como depois de uma descida vem necessáriamente uma subida, o ano de 2010 veio desanuviar o ambiente geral.

O problema é que se "acordou" nesta altura para a situação em que alguns países (nomeadamente os europeus) ficaram depois da tempestade, tendo-se desde logo apontado o dedo aos "mau da fita" ou seja aos poderes centrais de cada país, nomeadamente as medidas anteriormente tomadas no combate à crise.

Os diversos Estados foram então confrontados com a obrigação, uma vez mais ao abrigo dos tratados, a retomar o ciclo de crescimento económico, reduzido o défice, etc, etc, tudo já antes visto.

Mas lá voltamos ao mesmo: é que para alguns países será relativamente simples retomar os eixos por via da sua própria actividade económica, para outros, como Portugal, tal dificilmente (ou jamais) será conseguido.

E não o é simplesmente porque nunca assim foi, porque nos habituámos a viver com uma máquina estatal excessivamente "pesada" e com baixos indices de produtividade, o que se reflecte no facto de exportarmos menos do que aquilo que compramos lá fora.

Entendo, contudo, que há duas questões que deveriam (e temo que não o venham a ser) colocadas:

  • Poderiam os Estados ter actuado de maneira diferente em reacção a uma crise cuja amplitude remetia para o ano de 1929?

  • Poderão os Estados da UE continuar a procurar convergir numa lógica de "todos diferentes, todos iguais"?
A resposta é, a meu ver, necessáriamente negativa em ambos os casos.

A questão é que uma vez aqui chegados o discurso contra o papel dos Estados na economia se radicalizou, o que só pode significar memória curta ou oportunismo politico. A verdade é que a expressão "neo-liberalismo" passou a constar da ementa de politicos, economistas e daqueles que diáriamente analisam uns e outros.

Em Portugal a figura do dito "neo-liberalismo" aparenta ser o Dr. Pedro Passos Coelho, e para quem tem dúvidas sobre o que representa de facto esta palavra bastará tentar perceber o que resulta da proposta de revisão constitucional que o seu partido publicamente anunciou e o "à vontade" com que aparentemente se dispõe a governar se e quando o FMI nos fizer uma "visita".

Pode ser que me engane, mas este país ainda vai ter saudades das "politicas de direita" do Eng. José Socrates. Assim vão as cousas.


Roteiros (10)

Cádiz - Espanha (Agosto de 2003)

Melomania (10)

Gustav Mahler "Symphony No. 2 - Ending"

Feira do Livro (10)

"Kafka à beira-mar" de Haruki Murakami

Cinefilia (10)

O Tempo dos Ciganos (1989)

domingo, 21 de novembro de 2010

Officium defunctorum

É fácil qualquer um de nós, nos dias que vão correndo, constatar o sentimento quase generalizado de descrença e desânimo que se abateu sobre os Portugueses.

O motivo é conhecido de todos, ou seja, os efeitos para cada um de nós da "Crise Internacional", nomeadamente os seus reflexos em Portugal.

Parece-me, contudo, que sendo os dias de hoje porventura os mais gravosos para o cidadão comum, não correspondem necessáriamente a uma situação de excepção circunstancial.

Só a manifesta distração ou a nossa secular falta de memória pode levar a essa conclusão.

Portugal é, na sua génese, um país de gente resignada à sua sorte e fundamentalmente de uma passividade por vezes confrangedora perante a adversidade.

Que outro povo na Europa civilizada teria permitido uma ditadura durante 50 longos anos e que mesmo assim só terminou por via da intervenção de um conjunto de militares?

Quem se orgulha de possuír uma palavra - SAUDADE - que aparentemente não terá tradução literal em qualquer outra ortografia?

O que é o FADO senão a expressão cultural de um sentimento de melancolia e tristeza?

Tudo isto nos define enquanto portugueses e tudo isto nos posiciona perante a adversidade, como a que resulta de sobremaneira da actual conjuntura.

Estes são os tempos em que a demagogia e o populismo reinam. E fazem-no porque sabem precisamente que os seus potenciais destinatários se encontram fragilizados e prontos a aceitar todos e quem lhes prometa um "mundo melhor".

A nossa incapacidade de questionar e de adoptar uma atitude construtiva e, sobretudo, positiva, leva-nos a acreditar sempre que aqueles que nos defraudaram antes serão agora os nossos salvadores futuros e, a avaliar pelo sentimento mais ou menos generalizado de insatisfação contra o actual governo, iremos voltar a faze-lo, como se não existisse um antes mas apenas um depois.

E porque não me resigno a este sentimento de inevitabilidade, deixo-me levar pelo inconformismo da escrita de José Régio e digo "Não sei por onde vou, Não sei para onde vou - Sei que não vou por aí!". Assim vão as cousas.

Roteiros (9)

Ilha de Lanzarote (Setembro de 2003)

Feira do Livro (9)

"O Papado - 2000 Anos de História" de Mendonça Ferreira

Cinefilia (9)

Cinema Paraíso (1988)

Melomania (9)

Sergei Prokofiev "Piano Concerto No. 3 - Mov 1"

domingo, 14 de novembro de 2010

Facto consumado

O ano de 2010 ficará marcado na história legislativa em Portugal pela consagração de pelo alguns diplomas que até este ano assumiam um tom marcadamente marginal, para não dizer mesmo, de um verdadeiro tabú.

Falo em concreto da legislação sobre os casamentos entre pessoas do mesmo sexo bem como da lei das uniões de facto e do divórcio.

É minha convicção que quaisquer destes temas se colocou sempre fora da órbita legislativa portuguesa fruto de uma "envergonhada" deriva de uma certa ética de cariz religioso, nomeadamente à luz dos ideiais da igreja católica-romana.

No fundo, o Estado nunca assumiu estes temas porque os mesmos configuram os denominados temas "fracturantes" da sociedade.

Admito que assim o seja, mas a verdade é que a nossa por vezes tão maltratada Constituição refere-se demasiadas vezes aos principios naturais de igualdade entre os cidadãos para que se possa simplesmente ignorar tal facto.

Por outro lado, o Estado é por natureza laico, e também por isso, não deve definir as suas orientações em função da religião dominante (ou outra) da Nação.

Entendo dever ainda acrescentar um outro argumento: o da relatividade destes temas.

Qualquer destes assuntos foi, ao longo dos anos, objecto de aproximações mais ou menos incisivas, todas elas sucessivamente condenadas ao fracasso por falta do consenso minimo, mas igualmente pela convicção de que da aprovação das mesmas, resultariam eventuais prejuizos eleitoriais futuros.

Ora este é certamente o motivo que menos poderá justificar os sucessivos adiamentos para uma decisão sobre estas matérias. Aos politicos impõem-se tornar claro a sua visão sobre a sociedade cujos destinos eles próprios pretendem dirigir.

Nessa base o que é relevante é que os cidadãos quando se aprestam para votar tenham conhecimento das propostas que cada um dos partidos tem sobre estes temas para que, com o seu voto os possam legitimar.

O que não faz sentido é o esbanjamento de recursos a discutir em anos sucessivos determinados temas sem que dessa discussão resulte um qualquer resultado mas, bem ao contrário, um novo adiamento.

De forma consciente opto por não fazer qualquer referência à minha própria convicção sobre estas matérias, mas aquilo sobre o qual não hesito em dar o meu apoio é que o Estado se tenha despido das suas amarras e que tenha, de uma vez por todas, tomado uma decisão.

Tal como anteriormente na Lei do Aborto ou da Lei da Reprodução Médicamente Assistida, a Sociedade encarregar-se-á de absorver uma consciência que a fará discernir sobre a real importância e implicações que qualquer uma destas iniciativas legislativas veio efectivamente a ter.

O que não é certamente possível é continuar a fechar os olhos e fazer de conta que nada se passa à nossa volta. Assim vão as cousas.





Roteiros (8)

Salzburgo (Abril 2006)

Melomania (8)

Richard Wagner "Götterdämmerung - Siegfried's Funeral March"

Feira do Livro (8)

"1791 - O último Ano de Mozart" de H. C. Robbins Landon

Cinefilia (8)

O Baile (1983)

domingo, 7 de novembro de 2010

A corporação

O Artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa versa sobre a "Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública". No número 1 deste mesmo Artigo consagra-se que "Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade."

Tenho o hábito de pensar, porventura ingénuamente, que estas palavras sobretudo porque consagradas no documento fundamental devem ter algum significado prático e não apenas um conteúdo de natureza programática.

E se naturalmente casos há em que alguém não pode usufruir deste direito por falta de oportunidades ou pelo denominado "interesse colectivo", existem alguns cidadãos que não o podem simplesmente porque aqueles que têm a mesma profissão não o permitem.

Hesitei, de forma premeditada, em abordar este tema por ser porventura daqueles que me é mais caro e de certa forma dificil de abordar por, em boa medida, ter sido no passado "vitima" da circunstância que atrás referi.

Não pretendendo que eventuais sentimentos de opostos de raiva ou melancolia me toldem a lucidez, procurarei apenas dar a minha opinião sobre uma corporação chamada "Ordem dos Advogados".

Durante muitos anos a oferta de novos Advogados resultava da escolha natural daqueles que tinham a possibilidade de entrar para a Universidade. Num país com um indice de analfabetismo e de abandono escolar precoce não é dificil perceber que o ratio do numero de advogados (como noutras classes) por cidadão era diminuto.

Após a Revolução de Abril o acesso ao ensino e à Universidade "democratizou-se" tendo aberto as portas a um conjunto significativamente mais vasto de causidicos.

Desde muito cedo que estes, tal como os seus antecessores, se encontravam agrupados numa Ordem Profissional, à qual acediam todos aqueles que concluissem os respectivos cursos.

Os últimos 20 anos viram proliferar o numero de candidatos a advogados bem como uma outra realidade até aí praticamente inexistente, ou seja, as Universidades Privadas.

Bem ao contrário de outros países, a nossa Sociedade sempre "olhou" com desconfiança para estas Universidades não obstante os respectivos programas de ensino mas sobretudo o seu corpo docente ser precisamente o mesmo que leccionava nas universidades públicas.

Decorreu, a meu ver, desta realidade que a Ordem dos Advogados ter começado a "fechar-se" aos novos licenciados, criando novas dificuldades no acesso ao exercicio da profissão, situação que tem vindo progressivamente a agravar-se fruto de algumas alterações introduzidas pelo actual Bastonário, o Dr. Marinho e Pinto.

No fundo o que se tem vindo a passar é que os Advogados passaram a ser eles próprios a seleccionar quem é que pode aceder à profissão, isto é, passaram a definir as regras da concorrência.

Tal não é, no meu entendimento, compaginável com o artigo introdutório desta dissertação. Não está sequer em causa o direito ao emprego, está em causa o livre acesso a uma profissão dita liberal.

Não tenho conhecimento que até hoje alguém tenha junto das "instâncias próprias" invocado este principio de forma a procurar reverter este espírito corporativo repetidamente renovado, nem antevejo que o futuro Bastonário esteja desperto para esta realidade.

A nossa Sociedade está hoje condicionada por interesses particulares, lobbys e corporativos. Da diminuição de cada uma destas condicionantes resultará, em boa parte, a solução para alguns dos principais problemas sistémicos do nosso País.

O problema é que a mediocridade e a ganância não se resolvem por decreto. Assim vão as cousas.




Melomania (7)

Arvo Pärt "Für Alina"

Roteiros (7)

Praia dos Carneiros - Brazil (2003)

Cinefilia (7)

Inteligência Artificial (2001)

"Goa ou o Guardião da Aurora"

"Goa ou o Guardião da Aurora" de Richard Zimler