domingo, 20 de novembro de 2016

Roteiros - A Madragoa e os seus museus

Desenhar um novo roteiro é um exercício que não requer qualquer esforço físico mas tão-somente o gosto de definir para nós próprios um objectivo que se prende única e exclusivamente com o gosto de conhecer novas coisas mas, porventura ainda mais, o interesse em procurar (para não dizer encontrar) as referências culturais que se enquadrem no contexto de cada roteiro.

Por isso mesmo, o maior prazer reside precisamente em perceber por essa via que bem perto dos locais onde habitualmente passamos de forma apressada podemos encontrar verdadeiros "tesouros" de interesse cultural, mas igualmente gastronómicos, talvez porque habitualmente não façam eles próprios parte dos roteiros oficiais, aqueles a que o turista "tradicional" visita, como se nada mais houvesse para conhecer.

Não pretendo, contudo, afirmar que sejam locais desconhecidos. Apenas que merecem a pena ser verdadeiramente conhecidos.

Mais interessante ainda será o facto de, não raras vezes, tais locais encontram-se localizados nos denominados bairros típicos de Lisboa, que por si só merecem - e porventura hão-de mesmo merecer - que se lhes dedique um roteiro.

Tal é caso do Bairro da Madragoa onde, entre outros exemplos relevantes de locais culturalmente relevantes, se encontram localizados o Museu da Água e o Museu das Marionetas.

O primeiro que é referido, o Museu da Água, é parte integrante de uma rede mais vasta de locais relacionados com a água em Lisboa, dos quais se haverá de referir noutros roteiros, e que impressiona pela quantidade de máquinas de dimensões consideráveis que nos remetem para a forma como a água chegava (e era contada) à casa dos lisboetas, mas também a sua relação com o aqueduto das águas livres, essa imensa "auto-estrada" de canais de pedra que dava de beber à capital.

Tratando-se de um espaço um pouco à margem da cidade, é possível efectuar uma visita de forma absolutamente tranquila, sem qualquer risco de "tropeçar" num esquadrão de turistas.

É um local que funde a vertente cultural com a lógica educacional, com vários postos interactivos para as crianças (e não só) poderem dar azo à vontade de perceber um pouco melhor a mecânica da água.

Um pouco mais em frente, já bem no centro da Madragoa, situado no Convento das Bernardas encontramos o Museu da Marioneta.

Confesso que "esperava" relativamente pouco deste espaço, porventura mais por preconceito sobre a relevância cultural de algo que, afinal de contas, é representado por bonecos mas, mais uma vez, ficou provado que preconceito e ignorância são "marido e mulher" no que toca a julgamentos precipitados e, por isso mesmo, não hesito em afirmar que se trata de um dos melhores museus da cidade de Lisboa.

Muito mais do que os tais bonecos é um local de história com centenas de anos em que, à falta de qualquer outra forma de registo, a representação era feita com recurso às mais variadas formas de imagens em forma de marioneta e que não se esgotam, bem pelo contrário, a uma perspectiva infantil dessa mesma representação, remetendo para a simbologia e rituais religiosos, o medo, a comédia, a sexualidade, etc.

Tudo isto representado por um acervo de uma riqueza que não se antecipa à entrada, com elementos de todos os "cantos do Mundo".

O contexto envolvente do Convento das Bernardas acaba por ficar um pouco desfavorecido por não ser absolutamente evidente nem tão-pouco haver uma forma de "convite" a percepcionar esse espaço, algo que poderia, porventura, ser optimizado.

Não fazendo parte do roteiro, por não se tratar de um espaço aberto ao público, mas por situar naquela mesma zona entendo ser oportuno referir-me ao edifício onde actualmente se encontra instalada a Embaixada de França, o Palácio de Santos-o-Velho, uma preciosidade que pude visitar no contexto do "Lisbon Open House", oportunidade única para visitar alguns espaços - como este - que "carregam" nas paredes e interiores partes relevantes da história de Portugal.

Entre as muitas riquezas existentes no seu interior, saliento o icónico tecto em forma de cone, decorado com peças de loiça que já ali se encontravam antes do terramoto de 1755 e que, quis o destino, assim se conservassem imaculadas, apesar de tudo ruir à sua volta.

Para se jantar (ou almoçar) não é preciso sair da Madragoa, tão repleta é a oferta de restaurante típicos localizados naquela zona.

A escolha recaiu no pequeno, castiço mas verdadeiramente bom restaurante a "Varina da Madragoa" onde temos tudo aquilo a que temos "direito" num local como estes: a simpatia do dono, a evidente empatia com os clientes, as referências à antiguidade do espaço na decoração, nos azulejos na parede, mas também nos velhos recortes de jornais que nos lembram que por ali passaram José Saramago, entre outros.

A ementa é variada, mas o bacalhau é rei.

Para finalizar o dia e andando apenas alguns metros encontramos o bar "Matiz Pombalina" um pequeno e intimo espaço ideal para conversar com uma decoração sóbria e, claro está, os arcos em tijolo que remetem para a antiguidade mal disfarçada do espaço.

Só podemos estar gratos por podermos usufruir de locais como estes, assim os queiramos descobrir e conhecer.