domingo, 29 de julho de 2012

Fruto seco

A agricultura é, como é sabido, o sector primário da economia.
Contudo, talvez nem todos tenhamos reflectido que este encimar dos diversos sectores básicos de qualquer estrutura económico precisamente por nele se encontrarem englobadas actividades que remontam ao princípio da acção humana na prossecução da sua própria subsistência.
Na ausência de instrumentos ou mecanismos de outra ordem, o Homem começou a aproveitar aquilo que da terra brotava sem que para isso necessitasse de um qualquer esforço especial, ainda que naturalmente o desenvolvimento dos utensílios agrícolas tenha “ajudado” grandemente tal esforço.
Esta particular acessibilidade da matéria-prima derivava do pequeno mas nada simples facto da mesma se encontrar directamente ligada à acção dos elementos que possibilitavam todos os elementos necessários a todas as fases de qualquer produto que na terra crie as suas raízes, floresça e produza ou não os seus frutos consoante a respectiva natureza.
No entanto, e da mesma forma que este efeito positivo se verificava também o seu inverso constituía uma realidade premente, levando populações e espécies animais à míngua e consequente desaparecimento ou, como muitas vezes sucedia, à necessidade de mudança de locais de paragem, em busca de ambientes menos adversos.
Em qualquer dos casos os efeitos a que me refiro derivam de factores relativamente aos quais o Homem sempre revelou uma incapacidade de controlar, provavelmente por não estar ele próprio na origem da sua criação.
Estes factores são, como não podia deixar de ser, os que resultam das condições atmosféricas, do estado do tempo ou da meteorologia conforme cada um lhe queira chamar.
Como quase sempre sucede em tudo aquilo que não conseguimos controlar o Ser Humano procura invariavelmente adaptar-se, seja pelos movimentos migratórios atrás referidos, seja pela adaptação do tipo de produção às condições adequadas ao cultivo de certas matérias-primas que pelo facto de poderem “dar-se” em certas circunstâncias poderia daí presumir-se que se “dariam” em quaisquer circunstâncias, conforme o Homem também rapidamente terá percebido.
Igualmente comum ao “passar” dos tempos foi a circunstância de haver que associar a esta actividade uma dedicação isenta de horários, férias ou timings pré-definidos, simplesmente porque a Natureza não negoceia as suas regras mas, bem ao contrário, é ela própria que as determina para além da vontade individual ou colectiva.
Ora esta situação tem uma definição que é comum a cada profissão ou actividade, a que se convencionou apelidar de risco, isto é, a possibilidade emergente e estranha à vontade humana da verificação de dano, perda ou prejuízo no exercício dessa mesma profissão ou actividade.
Se noutros sectores este risco pode, de alguma forma, ser mitigado, tal nunca (ou raramente) se verifica na Natureza porque, tal como referido, se encontra totalmente à margem de qualquer capacidade de controlo ou atenuação, facto com o qual o Ser Humano sempre lidou.
Nos tempos modernos, e em particular em Portugal, operou-se uma modificação substancial deste “dilema” seguindo, fundamentalmente duas vias principais, suficientemente distintas mas igualmente preocupantes.
A primeira via foi a de abandonar simplesmente a tarefa de cuidar das terras, abandonando os terrenos à “sua sorte” dando lugar a arias incultivas onde anteriormente haviam florescentes campos agrícolas, facto do qual resultou a imediata necessidade de recurso à importação dos bens cuja produção deixara de existir ou, existindo, não chegava para as necessidades de consumo.
Associado a este facto vieram as “famosas” leis comunitárias que passaram a ditar a necessidade desse mesmo abandono a troco de chorudas compensações em claro beneficio de determinados mercados externos ou uma curiosa orientação sobre a esquadria e o volume de qualquer bem agrícola, cujos rígidos parâmetros originou uma obrigatoriedade de padronização precisamente num sector onde a diferenciação foi sempre um factor determinante.
A segunda via correspondeu à “transferência” do risco da actividade para o Estado, o qual sempre pareceu “corresponder” afirmativamente a esta tendência através da indemnização dos produtores pela adversidade – casuística ou não – do ambiente, seja pelo excesso de chuva ou o seu contrário, a queda de neve ou granizo ou outros fenómenos da natureza equivalentes.
Esta prática tornou-se, desta forma e em bom rigor, um extraordinário “conforto” para os produtores, conscientes que o resultado de “anos bons” seria em seu proveito ao passo que os denominados “anos maus” seriam justamente compensados pelo conceito de erário público, esse mesmo a que durante largos anos se recorreu porventura por se julgar funcionar como uma cornucópia do qual o dinheiro escorria sem fim, com a inestimável “ajuda” da União Europeia.
A verdade é que esta equação é inviável não só porque o referido abandono dos campos levou ao aumento exponencial do custo de alguns produtos pela sua escassez ou pelo recurso necessário à importação dos mesmos mas igualmente pelo facto de ser necessário que qualquer pessoa conheça e assuma os riscos inerentes à sua profissão ou actividade, impedindo desse modo que alguém pelo seu especial risco possa beneficiar sistematicamente de um verdadeiro regime de excepção que, em termos práticos, anula esse mesmo risco.
O tempo e os tempos têm vindo progressivamente a mudar, tal como terá de mudar a nossa percepção sobre ambos, moldando os nossos comportamentos em função de duas necessidades básicas, em que uma corresponderá à necessidade de assumpção dos proveitos mas igualmente dos custos de uma actividade totalmente exposta aos elementos.
A segunda corresponde à necessidade de subsistência, reforçada por uma crescente convicção de escassez, ou seja, precisamente aquela necessidade que há milhares de anos move as condições básicas de vida de qualquer Ser Humano. Assim vão as cousas.

domingo, 22 de julho de 2012

A aparência das coisas

Ao longo dos últimos anos os Portugueses testemunharam um fenómeno, curioso quanto baste, que se consubstanciava no aumento simultâneo do combustível em todos os principais distribuidores desse precioso liquido em Portugal.

Tal evento sempre configurou aos "olhos" do comum dos mortais, sobretudo aqueles que no seu dia-a-dia utilizam quaisquer meios de transportes para os quais necessitem de abastecimento prévio, um facto pouco "explicável" pela simples teoria da razão pura.

Essa dificuldade derivou em particular do facto de não ser perceptível o motivo pelo qual num determinado momento os mesmos efeitos especulativos que poderiam fazer reduzir o preço dos combustíveis seriam precisamente aqueles que no momento seguinte fariam subir o seu custo.

Associado a esta constatação de intangível  explicação criou-se a convicção que os mecanismos de livre concorrência num mercado com esse mesmo epíteto deveriam, em abstracto, fazer funcionar uma lógica de variação de preços que levasse o consumidor a optar por aquele que lhe fosse mais favorável.

A realidade, sempre a dura realidade, encarregou-de de mostrar um panorama substancialmente divergente da referida expectativa, não faltando sequer a possibilidade da sua verificação "in loco" através de uns avisadores colocados nas auto-estradas que sinalizavam os preços da gasolineira mais próxima e das duas seguintes, constatando-se que em alguns casos nem o mais atento dos leitores conseguiria perceber onde estariam as respectivas diferenças e, fundamentalmente, qual a vantagem na escolha.

Não obstante, sempre que a Autoridade da Concorrência foi chamada a pronunciar-se sobre esta mesma questão na perspectiva da sinalização de uma eventual "cartelização" dos mercados, invariavelmente concluiu que tal não se verificava, pelo que - presumo - tudo não passará de uma infeliz coincidência ao invés de uma evidência.

Também a factura da electricidade da electricidade tem revelado uma espiral ascendente.

Para este efeito tem contribuído em partes indistintas, certamente entre (muitos) outros factores o custo do petróleo e mais recentemente os custos com as "rendas" do Estado pagas ao sector energético, as quais são devidas ao que se sabe à necessidade desse mesmo Estado em controlar os agravamentos no preço da electricidade praticados pela empresa que até à pouco tempo garantia o monopólio da sua produção mas também pela constatação que aparentemente os custos da produção energética ambientalmente "limpa" não compensam os ganhos que a mesma gera, não obstante o peso que as chamadas energias renováveis têm actualmente.

Neste sector o surgimento do denominado mercado liberalizado, através do qual o número de operadores tenderá a crescer bem como a oferta necessáriamente disponível, poderia fazer perspectivar uma redução do custo de uma das principais despesas das famílias portuguesas.

Puro engano, pois o regulador deste sector tem sido ele próprio o veículo necessário à manutenção de um processo de actualização tarifário que em tempos idos acontecia normalmente uma vez ao ano (normalmente no inicio de cada ano civil) mas que agora, fruto do tal mercado livre e de tudo o mais o que se desconhece, se verifica um pouco por todo o ano.

No sector bancário a história é aquela que se vai conhecendo, ou seja, precisamente porque não era conhecida.

Dito de outra forma, o supervisor desta actividade foi ao longo dos anos uma espécie de "actor" secundário relativamente às suas funções, facto do qual decorreu uma longa e triste sucessão de episódios - os tais que hoje são conhecidos - de uma verdadeira desregulação deste sector ao ponto de se questionar um "bem" até aqui considerado como "sagrado", ou seja, os depósitos - vulgo poupanças - de quem de forma inocente acreditou na capacidade da sua gestão por parte de um conjunto vasto de irresponsáveis, anteriormente titulados de grandes gestores.

Daqui decorreu a necessidade de uma inversão histórica das funções do Estado, do qual resultou a necessidade - não consensual - de nacionalização de uma determinada instituição bancária e a afectação de uma parte (generosa) do valor do resgate da denominada "troika" com o intuito da operação da recapitalização da banca, permitindo que se obtenham os "ratios" de solvabilidade que anos a fio de operações financeiras duvidosas haviam comprometido seriamente.

Mais recentemente, e num campo totalmente distinto, e de forma aparentemente incompreensível o regulador da comunicação social veio apelidar a actuação de um membro do Governo como eticamente reprovável, mas ao mesmo tempo imunizando esse mesmo comportamento no plano criminal.

É certo que os conceitos não são coincidentes nem tão pouco a fronteira entre a ética e o crime é passível de uma mera abordagem simplista.

Mas o que fica para a "história" é uma decisão que condenando... não condena. Ou seja, aquilo que aos Homens não compete decidir que sejam esses mesmos Homens a valorar em termos das respectivas consequências práticas do acto que sendo reprovável não é, ainda assim, um crime.

Moral da história, entre Autoridades, Reguladores e Supervisores, fica a séria dúvida da real necessidade da existência de tais entidades, pois entre as suas acções e as próprias omissões, parece não haver um verdadeiro sentido de utilidade pública subjacente às respectiva missões.

Excepto, claro, aquela que me parece mais evidente, de que a sua existência é antes de mais o resultado da necessidade de validar determinados interesses, mesmo que eles sejam contrários aos interesses do próprio Estado, isto é, dos Cidadãos.

Pelos vistos, e de acordo a base comum de actuação de todas estas entidades, onde não se verifica (aparentemente) a prática de qualquer crime deixa de ser relevante a inexistência (manifesta) de ética, o que nos deixa (certamente) a todos muito mais tranquilos. Assim vão as cousas.

domingo, 15 de julho de 2012

Prazo de validade

O distanciamento temporal relativamente à ocorrência de certos factos é, normalmente, o elemento indispensável a uma análise não necessariamente correcta, mas certamente equidistante em relação à prodiga reacção “a quente” que normalmente se verifica quando a demanda por uma explicação se verifica em momento em que ocorrem os factos que a determinam.
Em certas vertentes esse distanciamento é, em si mesmo, obrigatório, nomeadamente ao nível do estudo da História, perspectivando-se nessa ciência que qualquer análise despojada de preconceitos apenas estará em condições de ser feita decorrido que seja, no mínimo, um quarto de século.
Não penso que o assunto que motiva a presente dissertação careça de tal hiato temporal mas, ainda assim, será razoável perspectivar uma reanálise aos factos que determinaram num certo dia feriado de 1 de Maio a corrida desenfreada a uma superfície comercial em busca de um almejado desconto de 50% em compras superiores a 100€.
Não é sequer do ponto de vista do operador que a questão merece agora a minha atenção, pois certamente a leitura que é possível fazer hoje como então não varia significativamente, na medida em que poucas dúvidas restam de se ter tratado de uma “jogada” comercial – aparentemente com contornos de ilegalidade – do qual o referido operador não se terá certamente colhido qualquer prejuízo, bem pelo contrário.
O que me interessa focalizar é a razão pela qual largas centenas – milhares? – de pessoas se prestaram a um exercício de auto-fustigação em busca de mantimentos como se repente alguém tivesse anunciado que o Mundo acabaria precisamente no dia seguinte.
A explicação mais evidente é a que remete para a “oportunidade” do negócio, a partir do qual é feito o “convite” às pessoas para num dia determinado poder comprar muito com pouco.
A questão é, no entanto, um pouco mais profunda, uma vez que tal “convite” surge num momento de crise económica e, sobretudo, de crise social, em que o acesso a determinados bens parece começar a ser uma pálida imagem de uma Sociedade habituada a nível de vida pautado por índices médios de riqueza e a enraizados hábitos de consumo.
Ora o que ficou claramente evidente é que estes hábitos – ou não fossem eles isso mesmo – custam a desprender-se de quem a eles se habituou e por isso mesmo ao tal “convite” para gastar as pessoas responderam de forma afirmativa, adquirindo porventura aquilo que necessitavam e, com toda a certeza, muito daquilo que não necessitavam, uma vez que só dessa forma poderiam alcançar a “meta” nada psicológica dos 100€ a partir dos quais poderiam beneficiar do tão almejado desconto.
E fizeram de forma assertiva, por vezes mesmo selvática, lembrando outras “corridas” bem dramáticas de populações a dirigirem-se de forma desesperada para os camiões que lhes traziam a comida que lhes faltava.
É certo que noutras paragens – bem mais ricas por sinal – existem datas certas para eventos de natureza idêntica, nas quais se oferecem oportunidades de “negócio” em grandes cadeias de venda a retalho, originando igual procura do melhor lugar na fila para entrar a que corresponderá presumivelmente o mais rápido acesso ao artigo desejado.
Não foi, contudo, este tipo de evento que se passou no denominado “Dia do Trabalhador”.
O que se passou nesse dia foi uma espécie de alinhamento astral planetário ou dizendo de outra forma, a confluência num só momento de bem engendrada manobra mediática, num momento de crise económica profunda aliado à propensão consumista de um povo com memória curta que parece ignorar que foi precisamente pela “facilidade” com durante anos a fio cedeu a estas mesmas manobras que levaram a um sobre-endividamento de grande parte das famílias.
Recordo-me da alegoria do burro a quem o dono colocou uma cenoura à frente do nariz para o motivar a trabalhar, não percebendo que – fazendo jus à sua categoria animal – jamais poderia alcança-la.
Não querendo recorrer ao insulto fácil para estabelecer a analogia pretendia, a sensação que me percorre é que de alguma forma se continua a cair facilmente no mesmo engodo, levando-nos a correr atrás do almejado vegetal, ignorando que ele se encontra cada vez mais distante de nós. Assim vão as cousas.

domingo, 8 de julho de 2012

A receita

Um dos elementos da “troika” – o FMI – mostrou-se “preocupado” com a elevada taxa de desemprego em Portugal e, mais se adianta, não parecem dispor de qualquer mecanismo para a contrariar.
Existe nesta equação uma verdadeira sensação de estranheza pela aparente incapacidade em lidar com tal situação uma vez que nem a mesma se pode considerar como “novidade” nem tão pouco poderá algum dia entender-se como não expectável.
O argumento de que este fenómeno possa não ter paralelo com situações de natureza semelhante no passado ou no presente é insustentável e, claro está, indefensável.
É-o por uma simples constatação dos factos, uma vez que, em caso algum, até à data alguma vez sucedeu que um país intervencionado não tenha sofrido um incremento da respectiva taxa de desemprego.
Não querendo ir mais longe no tempo bastará para o efeito verificar o que se passou na Argentina, na Islândia, na Irlanda ou na Grécia para se perceber que este efeito “em cadeia” é uma das consequências da referida intervenção externa.
A razão porque tal acontece é que a “fórmula” do FMI não assenta em momento algum numa perspectiva de crescimento do emprego.
Assenta, isso sim, numa perspectiva de implementação de políticas de austeridade que visam reduzir ao menor valor possível o papel do Estado na economia e da dívida pública situação que, em termos genéricos, não contém em si qualquer erro de perspectiva.
Por seu turno o Estado – preso aos compromissos assumidos – inicia normalmente dois processos internamente no sentido da redução da despesa pública e no aumento da respectiva receita.
E é precisamente por aqui que o problema ganha força.
O Estado é, quase por inerência, incapaz de se auto-governar e, por isso, mesmo não se afigura como viável a possibilidade de uma “cura de emagrecimento” pela restruturação da função pública e do seu sector empresarial.
Como tal não é possível então corta-se onde menos se devia cortar, isto é, nos benefícios sociais, na saúde e na educação sem deixar de passar pela justiça ou, como alguns o designam, no conceito de Estado Social (ou o que resta dele).
A consequência bifurcada desta situação, como não poderia deixar de ser, é o aumento da "factura" suportada pelos cidadãos quando têm de recorrer a serviços que a Constituição designa de tendencialmente gratuitos mas que parecem “caminhar” em sentido precisamente contrário.
Ao mesmo tempo que tal se vislumbra não existem sinais evidentes de redução da despesa pública em sectores onde seria forçoso adoptar uma política reformista e, consequência de tal facto, os números da execução orçamental do 1º trimestre indiciam um crescimento da despesa pública em valores nada despiciendos.
Se do lado da despesa é este o famigerado “cenário” do lado da receita parece não haver melhor cenário, pela “simples” razão de que, tal como alguns economistas (e não só) alertaram em devido tempo, a capacidade de esforço dos cidadãos ao aumento de impostos tem – como quase tudo na vida – os seus limites.
Ora, aparentemente, tal limite foi de facto ultrapassado e por isso mesmo verifica-se a realidade inversa à expectável, isto é, não só a receita fiscal não aumenta como em concreto até se reduz e, diga-se, reduz-se ao ponto de poder contrarias as famosas “metas” do governo em termos de deficit orçamental.
Também aqui a explicação para este facto não requer a intervenção de um qualquer prémio Nobel.
A diminuição do poder de compra das famílias – pelo aumento dos custos, redução de benefícios e aumento dos impostos – tem como consequência imediata a contracção no consumo da qual resulta o aumento generalizado de falências/insolvências uma vez que as empresas deixam de conseguir escoar/vender os seus produtos.
Como há um menor consumo e menos empresas a pagar impostos é consequência natural que o Estado receba menos impostos, surgindo igualmente com especial fulgor a “famosa” economia paralela que parecia ter "desaparecido" da ementa dos portugueses mas que agora, segundo consta, voltou em grande força, até porque “velhos hábitos” dificilmente se perdem.
Mas se, por um lado, reduz a sua colecta de impostos, por outro aumenta as suas responsabilidades perante o número crescente de desempregados que emergem das referidas falências/insolvências.
Ou seja, não só não consegue aumentar a sua receita como ainda vê a sua despesa crescer.
Qual foi então a parte desta equação que o Governo e os “senhores” da “troika” não conseguiam prever que viesse a acontecer?
O cenário é dramático e sem perspectiva de um final feliz, ainda que ele só visse a ocorrer daqui a largos anos, e tem como consequência a necessidade recorrente de novas políticas de austeridade que se somam às anteriores e que ao invés de resolverem o problema apenas o agravam de forma eventualmente insanável.
A imagem daquilo que será provavelmente o “fundo do poço” parece agora personificado na Grécia que, entre as suas próprias responsabilidades, a acção reiterada dos mercados agravando sistematicamente as suas condições de financiamento e a catadupa de medidas de austeridade chegou agora ao seu “beco sem saída”, situação a que os gregos parecem agora responder dizendo - em forma de voto em partidos radicais – que chegou a hora da rotura.
E essa rotura surge porque, sejam quais forem as suas consequências, dificilmente constituirão um pior cenário do que aquele que actualmente enfrentam apesar do “auxilio” externo, o que não deixa de constituir o pior dos receios para os restantes parceiros europeus que correm sérios riscos de ver esfumar a possibilidade de recuperação por parte dos bancos dos seus créditos sobre o estado Grego.
A ironia de tudo isto é evidente.
Os gregos passaram sem aviso prévio, do papel de “criminoso” para o papel de “vítima”, mas de uma “vítima” que agora controla o seu “carcereiro”, consciente que não há formas boas ou más de morrer, porque no final de contas o resultado prático é precisamente o mesmo.
Pelos vistos, e a avaliar pela reacção do FMI e de alguns Estados-Membros da EU, toda esta situação decorreu – tal como aparentemente se verifica em Portugal – de uma incapacidade de previsão antecipada das consequências dos planos de resgate financeiro que eles próprios impuseram.
Em resposta a isso parecem agora todos “interessados” em resolver o “problema grego” e a salvar o Euro e para isso, pasme-se, falam sistematicamente da necessidade de implementar políticas de crescimento e de emprego no espaço da UE.
Talvez seja então este o momento de Portugal perceber que os remédios que não curam doenças não são necessários de tomar e, porventura, aproveitando a mudança de paradigma europeu, perceber que o caminho até aqui seguido não fomenta nem o crescimento económico nem o emprego. Antes que seja tarde demais. Assim vão as cousas.

domingo, 1 de julho de 2012

Telhados de vidro

O “caso” Miguel Relvas é o paradigma de uma situação que se insere num contexto substancialmente mais vasto e que, partindo desta situação concreta, permite analisa-la à luz de um conjunto de vertentes que ainda que distintas se encontram geralmente interligadas.
Não sendo meu propósito específico entrar em pormenor nos contornos concretos deste “caso” pelo simples facto de não os dominar e poder por essa via incorrer na análise gratuita dos factos – tal como tantos o têm feito – analisarei em particular as referidas vertentes ou, dito de outro modo, aquilo que parece constituir a “espuma” que transborda de um copo demasiado cheio.
As referidas vertentes que considero até ao apuramento real – presume-se – dos factos situam-se, desta forma e de acordo com o meu entendimento, nos domínios do judicial, da transmissão da informação e, como não poderia deixar de ser, na vertente política.
Na primeira das perspectivas que considero como relevantes na análise que pretendo transmitir, relevo em especial o facto de neste caso como em tantos outros se constatar a violação sucessiva do “famoso” segredo de justiça, cada vez menos segredo e cada vez mais uma verdadeira fonte inesgotável de notícia não oficial ou, como também se diz, de fonte segura ou próxima do processo.
O problema, claro está, desta violação é que a mesma tem origem precisamente naqueles que estavam incumbidos de guardar o referido segredo o que imediatamente levanta a questão sobre as diversas formas de corrupção que vão minando a nossa Sociedade incluindo – pelos vistos – entre aqueles que supostamente a combatem.
Daqui resulta uma exposição pública dos visados - directa ou indirectamente - nos processos o que nos remete para a segunda das vertentes a qual, conforme atrás ficou dito, corresponde à transmissão da informação, nomeadamente através dos órgãos com esse mesmo nome ou agências noticiosas.
A “luta” que aqui se desenrola também estará longe de se considerar novidade, isto é, a questão fulcral é saber-se se o interesse jornalístico subjacente a qualquer notícia – independentemente da sua relevância – deverá permitir que a violação de um direito legitimo de qualquer cidadão possa ser sistematicamente violado por uma classe de jornalistas à luz de critérios que longe de ser definidos por entidades autónomas ou independentes são, em concreto, aferidos em causa própria.
Ora o problema que também daqui resulta é o de gerar um efeito contrário ao que se pretenderia com a difusão da notícia inicial, na medida em que a esta se segue quase sempre um conjunto – normalmente vasto – de outras informações que, ainda que reportando-se à mesma pessoa já apresentam uma ligação pouco “visível” ao processo principal.
Incapazes de discernir entre o principal e o acessório da informação que lhe vai sendo passada de forma desgarrada, as pessoas tendem para agir em conformidade com o mais simples dos processos de julgamento sumário, em que uma mera referência jornalística implica imediatamente a condenação pública dos visados e um “ataque” para além de qualquer dúvida sobre o respectivo carácter o que nos transporta para o terceiro e, creio, último plano de análise, ou seja, o plano politico.
A verdade é que pessoas como o Dr. Miguel Relvas não são equiparáveis nas suas funções à generalidade das pessoas, uma vez que por um lado são agentes políticos e por outro, desempenham cargos públicos de relevância.
E é precisamente este que determina – ou deveria determinar – o comportamento do próprio visado no momento subsequente à divulgação de uma notícia que objectivamente questione simultaneamente a sua honestidade e o seu carácter.
Esse comportamento não poderia deixar de ser o de imediatamente se demitir ou, como se diz no dicionário do politicamente correcto, colocar o seu lugar à disposição do Primeiro-Ministro.
Ao faze-lo estaria imediatamente a deixar a mensagem que não se encontra “agarrado” ao cargo que ocupa, que em momento algum dele depende e que não permitirá em circunstância alguma que o seu carácter seja colocado em causa por quem quer que seja.
Quem tiver acabado de ler o parágrafo anterior certamente reconhecerá que é isto precisamente que se passa em países como os Estados Unidos ou no Reino-Unido, apenas para citar alguns exemplos.
Ao mesmo tempo que ao assumir esta posição estaria a proporcionar a sua própria defesa – nem que seja pelo esquecimento público – “libertaria” o Governo (e em particular o Primeiro-Ministro) do desgaste e da perda de tempo com assuntos que, pese embora a sua importância, são certamente menores face aos grandes problemas que o país atravessa.
Infelizmente nada disso se passa, havendo aliás o processo inverso de “defesa” institucional e, presumo, solidária, de alguém que perante os ataques sucessivos que lhe são dirigidos apenas vai contra-argumentando com uma espécie de auto-defesa que não convence sequer algumas das principais figuras do seu partido.
A ironia de tudo isto é que as “personagens” deste enredo são precisamente as mesmas que há não muito tempo clamavam – em campos opostos, é certo – pela necessidade da salvaguarda do segredo de justiça, que levantavam a “bandeira” da defesa da liberdade de imprensa ou que, por fim, exigiam de forma veemente a demissão de todos aqueles que se viam envolvidos em processos de suspeição pública.
Diz-se, com propriedade, que quem tem “telhados de vidro” não deve atirar pedras. O problema é que em política parece que, ao contrário do risco de quebrar os próprios vidros, as pedras parecem apenas resvalar para longe.
Para longe daquilo a que se convencionou chamar de Responsabilidade Política. Assim vão as cousas