A agricultura é, como é sabido, o sector
primário da economia.
Contudo, talvez nem todos tenhamos reflectido
que este encimar dos diversos sectores básicos de qualquer estrutura económico
precisamente por nele se encontrarem englobadas actividades que remontam ao
princípio da acção humana na prossecução da sua própria subsistência.
Na ausência de instrumentos ou mecanismos de
outra ordem, o Homem começou a aproveitar aquilo que da terra brotava sem que
para isso necessitasse de um qualquer esforço especial, ainda que naturalmente
o desenvolvimento dos utensílios agrícolas tenha “ajudado” grandemente tal
esforço.
Esta particular acessibilidade da matéria-prima
derivava do pequeno mas nada simples facto da mesma se encontrar directamente
ligada à acção dos elementos que possibilitavam todos os elementos necessários
a todas as fases de qualquer produto que na terra crie as suas raízes, floresça
e produza ou não os seus frutos consoante a respectiva natureza.
No entanto, e da mesma forma que este efeito
positivo se verificava também o seu inverso constituía uma realidade premente,
levando populações e espécies animais à míngua e consequente desaparecimento
ou, como muitas vezes sucedia, à necessidade de mudança de locais de paragem,
em busca de ambientes menos adversos.
Em qualquer dos casos os efeitos a que me
refiro derivam de factores relativamente aos quais o Homem sempre revelou uma
incapacidade de controlar, provavelmente por não estar ele próprio na origem da
sua criação.
Estes factores são, como não podia deixar de
ser, os que resultam das condições atmosféricas, do estado do tempo ou da
meteorologia conforme cada um lhe queira chamar.
Como quase sempre sucede em tudo aquilo que não
conseguimos controlar o Ser Humano procura invariavelmente adaptar-se, seja pelos
movimentos migratórios atrás referidos, seja pela adaptação do tipo de produção
às condições adequadas ao cultivo de certas matérias-primas que pelo facto de
poderem “dar-se” em certas circunstâncias poderia daí presumir-se que se
“dariam” em quaisquer circunstâncias, conforme o Homem também rapidamente terá
percebido.
Igualmente comum ao “passar” dos tempos foi a
circunstância de haver que associar a esta actividade uma dedicação isenta de
horários, férias ou timings pré-definidos, simplesmente porque a Natureza não
negoceia as suas regras mas, bem ao contrário, é ela própria que as determina
para além da vontade individual ou colectiva.
Ora esta situação tem uma definição que é comum
a cada profissão ou actividade, a que se convencionou apelidar de risco, isto
é, a possibilidade emergente e estranha à vontade humana da verificação de
dano, perda ou prejuízo no exercício dessa mesma profissão ou actividade.
Se noutros sectores este risco pode, de alguma
forma, ser mitigado, tal nunca (ou raramente) se verifica na Natureza porque,
tal como referido, se encontra totalmente à margem de qualquer capacidade de
controlo ou atenuação, facto com o qual o Ser Humano sempre lidou.
Nos tempos modernos, e em particular em
Portugal, operou-se uma modificação substancial deste “dilema” seguindo,
fundamentalmente duas vias principais, suficientemente distintas mas igualmente
preocupantes.
A primeira via foi a de abandonar simplesmente
a tarefa de cuidar das terras, abandonando os terrenos à “sua sorte” dando
lugar a arias incultivas onde anteriormente haviam florescentes campos
agrícolas, facto do qual resultou a imediata necessidade de recurso à
importação dos bens cuja produção deixara de existir ou, existindo, não chegava
para as necessidades de consumo.
Associado a este facto vieram as “famosas” leis
comunitárias que passaram a ditar a necessidade desse mesmo abandono a troco de
chorudas compensações em claro beneficio de determinados mercados externos ou
uma curiosa orientação sobre a esquadria e o volume de qualquer bem agrícola,
cujos rígidos parâmetros originou uma obrigatoriedade de padronização
precisamente num sector onde a diferenciação foi sempre um factor determinante.
A segunda via correspondeu à “transferência” do
risco da actividade para o Estado, o qual sempre pareceu “corresponder”
afirmativamente a esta tendência através da indemnização dos produtores pela
adversidade – casuística ou não – do ambiente, seja pelo excesso de chuva ou o
seu contrário, a queda de neve ou granizo ou outros fenómenos da natureza
equivalentes.
Esta prática tornou-se, desta forma e em bom
rigor, um extraordinário “conforto” para os produtores, conscientes que o
resultado de “anos bons” seria em seu proveito ao passo que os denominados
“anos maus” seriam justamente compensados pelo conceito de erário público, esse
mesmo a que durante largos anos se recorreu porventura por se julgar funcionar
como uma cornucópia do qual o dinheiro escorria sem fim, com a inestimável “ajuda”
da União Europeia.
A verdade é que esta equação é inviável não só
porque o referido abandono dos campos levou ao aumento exponencial do custo de alguns
produtos pela sua escassez ou pelo recurso necessário à importação dos mesmos
mas igualmente pelo facto de ser necessário que qualquer pessoa conheça e
assuma os riscos inerentes à sua profissão ou actividade, impedindo desse modo
que alguém pelo seu especial risco possa beneficiar sistematicamente de um verdadeiro
regime de excepção que, em termos práticos, anula esse mesmo risco.
O tempo e os tempos têm vindo progressivamente
a mudar, tal como terá de mudar a nossa percepção sobre ambos, moldando os
nossos comportamentos em função de duas necessidades básicas, em que uma corresponderá
à necessidade de assumpção dos proveitos mas igualmente dos custos de uma
actividade totalmente exposta aos elementos.
A segunda corresponde à necessidade de
subsistência, reforçada por uma crescente convicção de escassez, ou seja,
precisamente aquela necessidade que há milhares de anos move as condições
básicas de vida de qualquer Ser Humano. Assim vão as cousas.