domingo, 8 de julho de 2012

A receita

Um dos elementos da “troika” – o FMI – mostrou-se “preocupado” com a elevada taxa de desemprego em Portugal e, mais se adianta, não parecem dispor de qualquer mecanismo para a contrariar.
Existe nesta equação uma verdadeira sensação de estranheza pela aparente incapacidade em lidar com tal situação uma vez que nem a mesma se pode considerar como “novidade” nem tão pouco poderá algum dia entender-se como não expectável.
O argumento de que este fenómeno possa não ter paralelo com situações de natureza semelhante no passado ou no presente é insustentável e, claro está, indefensável.
É-o por uma simples constatação dos factos, uma vez que, em caso algum, até à data alguma vez sucedeu que um país intervencionado não tenha sofrido um incremento da respectiva taxa de desemprego.
Não querendo ir mais longe no tempo bastará para o efeito verificar o que se passou na Argentina, na Islândia, na Irlanda ou na Grécia para se perceber que este efeito “em cadeia” é uma das consequências da referida intervenção externa.
A razão porque tal acontece é que a “fórmula” do FMI não assenta em momento algum numa perspectiva de crescimento do emprego.
Assenta, isso sim, numa perspectiva de implementação de políticas de austeridade que visam reduzir ao menor valor possível o papel do Estado na economia e da dívida pública situação que, em termos genéricos, não contém em si qualquer erro de perspectiva.
Por seu turno o Estado – preso aos compromissos assumidos – inicia normalmente dois processos internamente no sentido da redução da despesa pública e no aumento da respectiva receita.
E é precisamente por aqui que o problema ganha força.
O Estado é, quase por inerência, incapaz de se auto-governar e, por isso, mesmo não se afigura como viável a possibilidade de uma “cura de emagrecimento” pela restruturação da função pública e do seu sector empresarial.
Como tal não é possível então corta-se onde menos se devia cortar, isto é, nos benefícios sociais, na saúde e na educação sem deixar de passar pela justiça ou, como alguns o designam, no conceito de Estado Social (ou o que resta dele).
A consequência bifurcada desta situação, como não poderia deixar de ser, é o aumento da "factura" suportada pelos cidadãos quando têm de recorrer a serviços que a Constituição designa de tendencialmente gratuitos mas que parecem “caminhar” em sentido precisamente contrário.
Ao mesmo tempo que tal se vislumbra não existem sinais evidentes de redução da despesa pública em sectores onde seria forçoso adoptar uma política reformista e, consequência de tal facto, os números da execução orçamental do 1º trimestre indiciam um crescimento da despesa pública em valores nada despiciendos.
Se do lado da despesa é este o famigerado “cenário” do lado da receita parece não haver melhor cenário, pela “simples” razão de que, tal como alguns economistas (e não só) alertaram em devido tempo, a capacidade de esforço dos cidadãos ao aumento de impostos tem – como quase tudo na vida – os seus limites.
Ora, aparentemente, tal limite foi de facto ultrapassado e por isso mesmo verifica-se a realidade inversa à expectável, isto é, não só a receita fiscal não aumenta como em concreto até se reduz e, diga-se, reduz-se ao ponto de poder contrarias as famosas “metas” do governo em termos de deficit orçamental.
Também aqui a explicação para este facto não requer a intervenção de um qualquer prémio Nobel.
A diminuição do poder de compra das famílias – pelo aumento dos custos, redução de benefícios e aumento dos impostos – tem como consequência imediata a contracção no consumo da qual resulta o aumento generalizado de falências/insolvências uma vez que as empresas deixam de conseguir escoar/vender os seus produtos.
Como há um menor consumo e menos empresas a pagar impostos é consequência natural que o Estado receba menos impostos, surgindo igualmente com especial fulgor a “famosa” economia paralela que parecia ter "desaparecido" da ementa dos portugueses mas que agora, segundo consta, voltou em grande força, até porque “velhos hábitos” dificilmente se perdem.
Mas se, por um lado, reduz a sua colecta de impostos, por outro aumenta as suas responsabilidades perante o número crescente de desempregados que emergem das referidas falências/insolvências.
Ou seja, não só não consegue aumentar a sua receita como ainda vê a sua despesa crescer.
Qual foi então a parte desta equação que o Governo e os “senhores” da “troika” não conseguiam prever que viesse a acontecer?
O cenário é dramático e sem perspectiva de um final feliz, ainda que ele só visse a ocorrer daqui a largos anos, e tem como consequência a necessidade recorrente de novas políticas de austeridade que se somam às anteriores e que ao invés de resolverem o problema apenas o agravam de forma eventualmente insanável.
A imagem daquilo que será provavelmente o “fundo do poço” parece agora personificado na Grécia que, entre as suas próprias responsabilidades, a acção reiterada dos mercados agravando sistematicamente as suas condições de financiamento e a catadupa de medidas de austeridade chegou agora ao seu “beco sem saída”, situação a que os gregos parecem agora responder dizendo - em forma de voto em partidos radicais – que chegou a hora da rotura.
E essa rotura surge porque, sejam quais forem as suas consequências, dificilmente constituirão um pior cenário do que aquele que actualmente enfrentam apesar do “auxilio” externo, o que não deixa de constituir o pior dos receios para os restantes parceiros europeus que correm sérios riscos de ver esfumar a possibilidade de recuperação por parte dos bancos dos seus créditos sobre o estado Grego.
A ironia de tudo isto é evidente.
Os gregos passaram sem aviso prévio, do papel de “criminoso” para o papel de “vítima”, mas de uma “vítima” que agora controla o seu “carcereiro”, consciente que não há formas boas ou más de morrer, porque no final de contas o resultado prático é precisamente o mesmo.
Pelos vistos, e a avaliar pela reacção do FMI e de alguns Estados-Membros da EU, toda esta situação decorreu – tal como aparentemente se verifica em Portugal – de uma incapacidade de previsão antecipada das consequências dos planos de resgate financeiro que eles próprios impuseram.
Em resposta a isso parecem agora todos “interessados” em resolver o “problema grego” e a salvar o Euro e para isso, pasme-se, falam sistematicamente da necessidade de implementar políticas de crescimento e de emprego no espaço da UE.
Talvez seja então este o momento de Portugal perceber que os remédios que não curam doenças não são necessários de tomar e, porventura, aproveitando a mudança de paradigma europeu, perceber que o caminho até aqui seguido não fomenta nem o crescimento económico nem o emprego. Antes que seja tarde demais. Assim vão as cousas.

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