domingo, 22 de julho de 2012

A aparência das coisas

Ao longo dos últimos anos os Portugueses testemunharam um fenómeno, curioso quanto baste, que se consubstanciava no aumento simultâneo do combustível em todos os principais distribuidores desse precioso liquido em Portugal.

Tal evento sempre configurou aos "olhos" do comum dos mortais, sobretudo aqueles que no seu dia-a-dia utilizam quaisquer meios de transportes para os quais necessitem de abastecimento prévio, um facto pouco "explicável" pela simples teoria da razão pura.

Essa dificuldade derivou em particular do facto de não ser perceptível o motivo pelo qual num determinado momento os mesmos efeitos especulativos que poderiam fazer reduzir o preço dos combustíveis seriam precisamente aqueles que no momento seguinte fariam subir o seu custo.

Associado a esta constatação de intangível  explicação criou-se a convicção que os mecanismos de livre concorrência num mercado com esse mesmo epíteto deveriam, em abstracto, fazer funcionar uma lógica de variação de preços que levasse o consumidor a optar por aquele que lhe fosse mais favorável.

A realidade, sempre a dura realidade, encarregou-de de mostrar um panorama substancialmente divergente da referida expectativa, não faltando sequer a possibilidade da sua verificação "in loco" através de uns avisadores colocados nas auto-estradas que sinalizavam os preços da gasolineira mais próxima e das duas seguintes, constatando-se que em alguns casos nem o mais atento dos leitores conseguiria perceber onde estariam as respectivas diferenças e, fundamentalmente, qual a vantagem na escolha.

Não obstante, sempre que a Autoridade da Concorrência foi chamada a pronunciar-se sobre esta mesma questão na perspectiva da sinalização de uma eventual "cartelização" dos mercados, invariavelmente concluiu que tal não se verificava, pelo que - presumo - tudo não passará de uma infeliz coincidência ao invés de uma evidência.

Também a factura da electricidade da electricidade tem revelado uma espiral ascendente.

Para este efeito tem contribuído em partes indistintas, certamente entre (muitos) outros factores o custo do petróleo e mais recentemente os custos com as "rendas" do Estado pagas ao sector energético, as quais são devidas ao que se sabe à necessidade desse mesmo Estado em controlar os agravamentos no preço da electricidade praticados pela empresa que até à pouco tempo garantia o monopólio da sua produção mas também pela constatação que aparentemente os custos da produção energética ambientalmente "limpa" não compensam os ganhos que a mesma gera, não obstante o peso que as chamadas energias renováveis têm actualmente.

Neste sector o surgimento do denominado mercado liberalizado, através do qual o número de operadores tenderá a crescer bem como a oferta necessáriamente disponível, poderia fazer perspectivar uma redução do custo de uma das principais despesas das famílias portuguesas.

Puro engano, pois o regulador deste sector tem sido ele próprio o veículo necessário à manutenção de um processo de actualização tarifário que em tempos idos acontecia normalmente uma vez ao ano (normalmente no inicio de cada ano civil) mas que agora, fruto do tal mercado livre e de tudo o mais o que se desconhece, se verifica um pouco por todo o ano.

No sector bancário a história é aquela que se vai conhecendo, ou seja, precisamente porque não era conhecida.

Dito de outra forma, o supervisor desta actividade foi ao longo dos anos uma espécie de "actor" secundário relativamente às suas funções, facto do qual decorreu uma longa e triste sucessão de episódios - os tais que hoje são conhecidos - de uma verdadeira desregulação deste sector ao ponto de se questionar um "bem" até aqui considerado como "sagrado", ou seja, os depósitos - vulgo poupanças - de quem de forma inocente acreditou na capacidade da sua gestão por parte de um conjunto vasto de irresponsáveis, anteriormente titulados de grandes gestores.

Daqui decorreu a necessidade de uma inversão histórica das funções do Estado, do qual resultou a necessidade - não consensual - de nacionalização de uma determinada instituição bancária e a afectação de uma parte (generosa) do valor do resgate da denominada "troika" com o intuito da operação da recapitalização da banca, permitindo que se obtenham os "ratios" de solvabilidade que anos a fio de operações financeiras duvidosas haviam comprometido seriamente.

Mais recentemente, e num campo totalmente distinto, e de forma aparentemente incompreensível o regulador da comunicação social veio apelidar a actuação de um membro do Governo como eticamente reprovável, mas ao mesmo tempo imunizando esse mesmo comportamento no plano criminal.

É certo que os conceitos não são coincidentes nem tão pouco a fronteira entre a ética e o crime é passível de uma mera abordagem simplista.

Mas o que fica para a "história" é uma decisão que condenando... não condena. Ou seja, aquilo que aos Homens não compete decidir que sejam esses mesmos Homens a valorar em termos das respectivas consequências práticas do acto que sendo reprovável não é, ainda assim, um crime.

Moral da história, entre Autoridades, Reguladores e Supervisores, fica a séria dúvida da real necessidade da existência de tais entidades, pois entre as suas acções e as próprias omissões, parece não haver um verdadeiro sentido de utilidade pública subjacente às respectiva missões.

Excepto, claro, aquela que me parece mais evidente, de que a sua existência é antes de mais o resultado da necessidade de validar determinados interesses, mesmo que eles sejam contrários aos interesses do próprio Estado, isto é, dos Cidadãos.

Pelos vistos, e de acordo a base comum de actuação de todas estas entidades, onde não se verifica (aparentemente) a prática de qualquer crime deixa de ser relevante a inexistência (manifesta) de ética, o que nos deixa (certamente) a todos muito mais tranquilos. Assim vão as cousas.

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