domingo, 30 de março de 2014

A minha Europa

A política, já todos sabermos, é fértil na utilização de palavras "caras", pressupondo que o ouvinte ou o leitor, consoante o meio pelo qual acede à informação, optará quase sempre por não questionar (ou questionar-se) sobre o respectivo sentido, tudo se passando como se, no fundo, essas mesmas palavras tivessem um alcance de tal maneira substantiva que a sua não compreensão deixa de ser um "problema" do respectivo emissor mas do correspondente receptor.

No caso vertente refiro-me em particular a uma expressão que surge frequentemente por alturas das eleições europeias, período durante o qual os partidos e os cidadãos são "chamados" a discutir as "questões europeias", operando dessa forma a separação entre tais políticas e a política mais vulgarmente discutida de carácter "caseiro" que, por essa mesma via, deverá ser relegada para um "segundo plano".

O próprio Presidente da República na sua comunicação ao país anunciando a data do plebiscito fez questão de fazer um "aviso à navegação" de que os portugueses têm "o direito de ser esclarecidos" sobre as questões europeias na medida em que estas são "demasiado sérias", tudo isto porque as eleições irão decorrer num "momento de complexidade nacional".

Detenho-me, portanto e por uma razão de consciência pessoal, a pensar quais serão, de facto, as "questões europeias" que os portugueses devem debater que não se confundam com questões da política interna do país e, por mais que seja o meu esforço, confesso-me incapaz de chegar a uma conclusão que justifique esta "divisão" a que o Prof. Cavaco Silva, entre outros, alude.

Não existe sequer uma só razão para que não seja possível dissociar as duas realidades de tão estreitas que elas são e com particular acuidade no contexto actual da sociedade portuguesa mas, bem pelo contrário, quanto mais me debruço sobre o assunto mais sou forçado a concluir que nunca como agora as "questões europeias" são as verdadeiras "questões nacionais".

Já nem me refiro ao facto de Portugal ter "libertado" desde o inicio da integração europeia uma parte substancial da sua soberania junto das instituições Europeias, desde logo ao prescindir da sua moeda nacional em favor de uma outra que, desde então, terá, segundo alguns, criado uma situação de insustentabilidade por parte de Portugal em acompanhar o ritmo dos países mais ricos da Europa.

Refiro-me, em particular, ao facto destas eleições europeias ocorrerem num momento em que Portugal se encontra em pleno cumprimento de um programa de resgate do qual fazem parte duas instituições europeias, ou seja, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, facto que os torna objectivamente credores de Portugal.

Foram estas duas instituições (conjuntamente com o FMI) que avaliaram as contas de Portugal e definiram os termos do memorando de entendimento com o Governo de então que, de lá para cá, determinaram as tristemente famosas medidas de austeridade dos quais poucos ou nenhuns - embora em diferentes medidas e pesos - conseguiram "escapar".

Fosse só este o caso e já não seria razoável separar as "questões europeias" daquilo que se vai passando "cá dentro", mas dificilmente se poderá entender como o único e, para tal, bastará reflectir sobre a recente decisão relativa à União Bancária na base da qual passará a haver um mecanismo de supervisão dos bancos de cada Estado-Membro incluindo o processo de liquidação de instituições financeiras (algo que falhou, como é sabido, em toda a linha e do qual resultou a falência de diversos bancos), pressupondo que - supostamente - deixarão de ser os contribuintes a suportar os custos futuros dessa mesma liquidação.

Ora, neste contexto o papel do BCE tem ganho um especial relevo seja ao nível da política monetária da União, mantendo em simultâneo as taxas de juro em níveis historicamente baixos sem que daí resulte uma tendência inflacionista bem ao contrário do que o anterior responsável pelo BCE perspectivava, com as consequências que são conhecidas.

Mais importante ainda, o BCE tem optado por uma forte intervenção na aquisição de activos obrigacionistas - leia-se de dívida soberana - o que, em termos práticos, tem um duplo efeito: limita por um lado a apetência especulativa dos "mercados" ou, conforme usualmente se refere sem que se saiba exactamente o que significa, a volatilidade dos ditos mercados e, por outro, acaba por funcionar com um "escudo" invisível que favorece a percepção a esses mesmos mercados relativamente à real situação da divida soberana de cada Estado, na medida em que "transmite" uma "mensagem" de confiança à luz da qual, supostamente, quem se dispõe a adquirir parcelas significativas da divida de Estados com endividamento excessivo é porque, em principio, tem garantias de cumprimento futuro por parte desses mesmos Estados.

Poderia, sem sombra de dúvida, adicionar muitos e diversos motivos pelos quais não é possível simplesmente separar as "questões europeias" que deverão ser "discutidas" no período eleitoral relativamente às suas homologas "questões nacionais". Por isso mesmo a questão mantém-se: qual o motivo pelo qual alguém pretenderá fazer essa separação?

De acordo com a minha percepção a resposta a essa questão é relativamente simples. O que se pretende é que precisamente não se fale durante o período que se avizinha das "questões nacionais" não cheguem as pessoas à conclusão que essas mesmas questões são, em grande parte, o resultado da inexistência durante largos anos de verdadeiras "questões europeias". Assim vão as cousas.

domingo, 23 de março de 2014

Demokratia?

Um dos grandes "erros" das democracias ocidentais ao longo do século XX e nesta primeira década do século XXI foi o de olhar para União Soviética, para a China ou, mais recentemente, para boa parte dos países islâmicos à luz da sua própria noção de democracia, procurando estender a sua influência a um tal ponto que, no limite, essas mesmas noções seriam a base da refundação da base desses mesmos estados que passariam, dessa forma, a reger-se não apenas pelas "regras" da democracia económica mas igualmente, como corolário das primeiras, pelos ditames da democracia social e politica.

O "problema" de uma tal visão baseia-se, contudo, numa premissa absolutamente falível que a Europa mas sobretudo os EUA parecem não compreender, facto que se justificará plenamente pela ausência de uma verdadeira tradição histórica americana que, tendo surgido apenas "recentemente", tiveram precisamente na base da sua independência aquelas que seriam as linhas orientadoras da revolução francesa, entre outras.

Tais linhas consagravam o direito à independência e à livre escolha de cada pessoa, os direitos individuais dos cidadãos e o equilíbrio entre os diversos poderes, ou seja, o povo americano sempre se "habituou" a viver sob a "manta" de uma Constituição de matriz democrática.

Ora, nada disto foi alguma vez uma realidade no Império Russo, no "Gigante Asiático" ou no "mundo islâmico", tomando-se como exemplo para o caso vertente o fim do Império Russo que terminou em 1917 com a revolução desse mesmo ano que destronou o Czar Nicolau II na fase final da 1ª Grande Guerra, da qual resultaria a formação da URSS.

Em termos concretos, a Rússia transita de um estado de poder absoluto de um imperador autocrático (o Czar) para as mãos dos bolcheviques rapidamente "substituídos" e em grande parte eliminados após a revolução russa de 1918 que trouxe para a primeira linha da politica mundial as figuras de Lenine e mais tarde de uma dos mais "relevantes" ditadores da história da Humanidade, de seu nome Josef Estaline, responsável pela morte de um número não consensual de mortes de tão elevada que é, mas que se estima em 9 milhões de forma directa e entre 6 a 8 milhões por causa da fome.

Também após 1917 diversos Estados até então independentes foram anexados à União Soviética.

O final da segunda Guerra Mundial coincidiu com a surgimento da União Soviética como uma das super potências mundiais, nomeadamente no domínio militar, passando a dispor de um arsenal nuclear que rivalizava com o seu principal "inimigo", os EUA, mas que em termos prácticos permitia uma anulação mútua da possibilidade de uma guerra a esse nível, época que haveria de ser apelidada por isso mesmo de "guerra fria".

Do lado americano as relações com a Rússia foram sempre vistas na perspectiva não apenas da ameaça nuclear mas do ponto de vista dos perigos do prolongamento territorial da sua influência de um regime de cariz comunista, bem "visível" nalguns territórios da América central e do sul, em colónias africanas mas, sobretudo, na Europa de Leste, onde as lideranças eram exclusivamente alinhadas com a União Soviética à luz do chamado "Pacto de Varsóvia", cuja separação com o Ocidente era simbolizada por um muro que separava as duas Alemanhas ou por uma "cortina" que era visualizada como de ferro, isto é, algo que simbolicamente parecia inquebrável.

Nessa altura, o então Conselheiro de Segurança Nacional americano nas Administrações Kennedy e Johnson - Zibgniew Brezinski - haveria de chamar a Rússia de "buraco negro", não necessariamente na perspectiva cientifica que actualmente designa este fenómeno cósmico.

Os anos 80 "trouxeram" a abertura do regime pelas mãos de Mikhail Gorbachev e um desanuviamento da tensão militar com a redução do armamento mutuo de russos e americanos mas igualmente a desintegração (pacífica) da União Soviética através de um processo de independência de diversos Estados, em função da natureza cultural de cada região mas, não menos importante, tendo em conta as riquezas naturais de cada região.

Não demorou muito tempo até que um novo líder - de seu nome Vladimir Putin, curiosamente ou não um ex-agente da polícia política do antigo regime, o KGB - surgisse no meio de uma Federação que "ameaçava" desintegrar-se ainda mais.

A "receita" de Putin é relativamente "simples", isto é, aumento exponencial do progresso económico e da estabilidade política os quais, em bom rigor, residem sobre si mesmo, seja no papel de Presidente ou de Primeiro-Ministro, num processo que muitos consideram assentar uma progressiva regressão democrática, autoritarismo e uma visão de independência em relação aos EUA e da própria Europa, onde parte do território russo se integra.

Este quase regresso ao passado permitiu a Putin absorver uma enorme popularidade junto da população russa, igualmente fruto da "eliminação" (por vezes literal) da oposição interna, que parece rever-se cada vez mais na figura tutelar de um líder forte e determinado, disposto a retomar habilmente o controlo sobre a extensão da sua influência politica e militar, nomeadamente em territórios que anteriormente lhe pertenciam.

O "erro" do Ocidente foi, portanto, este, isto é, o de "pensar" que seria possível mudar a mentalidade de quem, no essencial nunca viveu em democracia nem tão pouco a base das suas fundações assentou alguma vez em princípios de tal ordem. 

Por isso mesmo, constata-se com espanto e receios fundados a politica expansionista da Rússia na Crimeia ou na Geórgia e ameaça de extensão a outros territórios com a oposição internacional mas com o aparente beneplácito dos cidadãos locais, muitos deles precisamente de maioria russa.

Talvez seja então correcto admitir que Brezinski terá tido razão (antes de tempo) ao proclamar a Rússia como um "buraco negro", ou seja, aquela região do qual nada nem ninguém pode escapar. Não se diga, pois, que não fomos avisados. Assim vão as cousas.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Corrida da Árvore 2014

A 1ª corrida da "temporada" surge em plena preparação para a Meia-Maratona de Lisboa. 


Por isso mesmo, o objectivo era sobretudo o de se transformar num treino adicional, sem grandes preocupações de tempo, embora sem deixar de forçar um pouco mais o ritmo relativamente aos treinos. 


Considerando tratar-se de um percurso sinuoso com descidas acentuadas e subidas consideráveis, o tempo final de 00:54:34 pode considerar-se razoável, correspondente a um 548º lugar entre 1121 participantes, isto é, uma colocação a meio da tabela. 







Seguiu-se o maior e mais longo desafio até ao momento...


domingo, 16 de março de 2014

Prescritos

O Primeiro-Ministro "confessou-se" surpreendido com a prescrição de alguns casos mediáticos na justiça e que, nas mesmas condições um qualquer cidadão anónimo não teria as mesmas possibilidades de ver um seu processo extinguir-se pela inexorável passagem do tempo, comum a qualquer ser vivo mas - aparentemente - ainda mais célere no que aos prazos judicias diz respeito.

Devo dizer que concordo com esta dupla visão sobre um tema que voltou a conhecer recentemente novos episódios e parece que terá ainda mais desenvolvimentos nos tempos que se avizinham, facto que leva Passos Coelho a admitir que decorrerá de tais situações um sentimento de injustiça na sociedade portuguesa.

Em bom rigor estas conclusões "merecerão" uma opinião favorável por parte significativa da população na medida em que não serão diferentes da opinião generalizada dessa mesma população e é, sem duvida, esta a questão que merece reflexão.

A prescrição de qualquer processo é uma aberração judicial onde entroncam diversos factores todos eles inadmissíveis numa Sociedade presumivelmente justa e em que um dos seus pilares - a justiça - é a base da garantia da protecção da lei e do direito de qualquer cidadão em igualdade de circunstâncias, não fosse essa mesma justiça, por definição de conceito, "cega".

Tais factores são em concreto os seguintes:

Em primeiro lugar o sistema judicial não "consegue" nos processos mais complexos (e mais mediáticos) criar meios para, dentro dos prazos legais, poder fazer justiça, isto é, condenar os culpados e absolver os inocentes. Pelo contrário, a "teia" legal que se tece ao invés de emaranhar que nela "pousa" consciente ou inconscientemente o que faz é prender a própria aranha que fica, dessa forma, refém de si própria.

Uma segunda questão que resulta claramente da primeira e será mesmo a sua principal causa é a complexidade legalmente aceite de um sistema de recursos e de outros "expedientes dilatórios" que "arrasta" qualquer processo o tempo suficiente para ao fim de algum tempo terminar sem culpados nem inocentes, mas apenas com processos sem julgamento.

Por fim é preciso entender que as leis que os juízes não parecem conseguir aplicar são precisamente aquelas que são emanadas da sede do poder legislativo - a Assembleia da República - onde parte significativa dos seus membros são advogados, isto é e para quem não tenha percebido onde se pretende chegar, aqueles que fazem as leis são os mesmos que as hão-de "esgrimir" posteriormente em tribunal, já para não falar do papel de algumas Sociedades de Advogados no "precioso" papel de assessoria aos diversos grupos parlamentares...

Poderia juntar-se um quarto argumento que resulta da aparente "fragilidade" do papel do Ministério Público que parece cada vez mais incapaz de sustentar em tribunal as suas próprias acusações, "motivando" recurso atrás de recurso até ao arquivamento ou prescrição final.

A aberração judicial a que me referi anteriormente é, pois, o resultado de um sistema judicial falível e, porventura, em falência aos "olhos" dos portugueses, da qual nada mais resulta do que uma não-justiça, ou seja, a denegação da justiça que, em bom rigor, o próprio "beneficiário" da prescrição deveria preferir porque, tal como fica subentendido pelas palavras do Primeiro-Ministro, dessa situação resulta mais facilmente a percepção geral de que essa foi apenas a forma de não vir a ser condenado.

A justiça  é também conhecida por ser surda e muda. Confesso não concordar nem tão-pouco algum dia ter percebido o alcance e significado desta frase. A justiça tem, definitivamente, de ter uma visão que distinga o bem do mal, ouvir todas as partes e saber proferir decisões justas. O que se passa actualmente é que tal não sucede porque essa mesma justiça actua como um refém, isto é, incapaz de ser livre. Assim vão as cousas.   



 

domingo, 9 de março de 2014

Um dia qualquer

Actualmente não há dia que seja em nos não nos "lembrem" que nesse mesmo dia se comemora qualquer coisa ou então que tal data é dedicada a algo ou alguém, com impacto e um simbolismo variáveis em função da importância do facto ou da pessoa a quem o dia é dedicado, ainda que também neste caso, a importância seja fruto de uma valorização que não sendo uniformemente aceite é, ainda assim, suficientemente relevante para ser relembrado ano-após-ano.

Entre estes tais dias existem uns que ganham um significado especial em relação aos demais por evocarem determinados valores que são transversais a todo o restante calendário e, entre eles, figura aquele que anualmente se celebra no dia 8 de Março e que é reconhecido como o Dia Internacional da Mulher.

Creio, contudo, que o mérito de celebrar este dia é, na mesma medida, a razão pela qual os problemas que invocam relativamente à condição da Mulher deve merecer uma especial atenção que ultrapassa - e muito - a importância que se coloca num dia especial de calendário.

A verdade é que não parece haver dia algum que não sejamos confrontados com uma aparente escalada de notícias que nos dão conta de uma Sociedade que parece cada vez mais deixar de poder ser reconhecida pelos seus "brandos costumes" para se transformar numa outra - irreconhecível - em que a violência conhecida como "doméstica" se tende a banalizar, sendo os seus principais alvos precisamente as mulheres.

Entendo, ao contrário daquilo que pode transparecer do contexto actual, que não é possível situar este problema numa óptica contemporânea pois é certo e sabido que a referida violência doméstica nunca foi objecto de qualquer estatística e, mais grave ainda, foi durante largos anos tolerada e mesmo silenciada, por uma Sociedade que, no essencial, reservava à Mulher um papel secundário e de uma certa subserviência nomeadamente na relação do casal, em que o próprio Estado parecia fiel ao principio popular de que "entre marido e mulher não se mete a colher".

Felizmente que uma tal visão provinciana de um tema da maior gravidade foi gradualmente mudando de paradigma, passando a violência doméstica - nas suas vertentes física, sexual, psicológica e económica - a ser considerado crime público, isto é, a aquela forma de crime cujo procedimento criminal não está dependente de queixa por parte da vítima, bastando para tal uma denúncia ou conhecimento da sua prática.

Contudo, se o "fenómeno" da violência doméstica poderia até há não muito tempo atrás ser considerada uma questão "cultural" (expressão abusiva para uma tamanha aberração) a verdade é que actualmente serão bem diferentes as motivações para esta espécie de "habito" de levar a alguém a practicar sobre uma Mulher um acto hediondo em função de uma presunção de "supremacia" física.

Dessa forma, entendo poder perspectivar três motivos principais para o actual contexto de violência doméstica, sem que delas resulte uma qualquer escala de importância ou relevância sobre as demais.

Em primeiro lugar é impossível dissociar os efeitos colaterais da actual crise do aumento de casos registados de violência doméstica. O desemprego de um ou dois membros do casal levam a uma situação de total fragilidade emocional indissociável da diminuição dos recursos financeiros e da impossibilidade de manutenção de uma certa (mesmo que reduzida) qualidade de vida. Nesse aspecto o aumento (e as suas consequências) do consumo de álcool é, porventura, uma característica que não terá mudado assim tanto entre gerações.

Em segundo lugar a violência doméstica é também o "espelho" de uma desagregação dos laços familiares, em que muitas vezes o tempo vivido em família é cada vez mais reduzido como reduzidas acabam por ser as afinidades entre os seus membros, facto do qual resulta uma quase inevitável ausência de noção de respeito e de integridade (nos casos mais extremos) em situações de conflito. Este segundo motivo poderá igualmente derivar da actual (e acelerada) redução valores, em que o individualismo se sobrepõe ao interesse colectivo ou, no caso vertente, ao interesse da própria família.

Em terceiro lugar entendo dever referir algo que parece decorrer de diversos crimes que têm vindo a ser tornados públicos dado que os mesmos são, quase sempre, practicados com recurso a armas de fogo. Ora, tal situação é absolutamente preocupante na medida em que poderá indiciar um descontrolo por parte das autoridades da admissibilidade da posse de arma, seja por uma diminuição das restrições a essa mesma posse ou porque as referidas armas estejam a ser adquiridas de forma ilegal. Noutras latitudes é comum assistir-se ao "resultado" de actos de quem já nada tem (aparentemente) a perder e tendo uma arma na mão parece não se importar (antes pelo contrário) com o número de vitimas que possa causar, normalmente antes de porem termo à vida, quais juízes dos seus próprios actos.

Não creio, desta forma, que uma tal questão possa confinar em termos da importância que a mesma tem aos actos simbólicos associados ao dia que lhe foi "reservado" no calendário. Esse dia é naturalmente importante para lembrar a todos que os problemas existem, mas será ainda mais importante se a partir de então todos percebermos que, no que toca ao respeito pelo próximo, não há dias mais importantes do que outros. Assim vão as cousas.  




domingo, 2 de março de 2014

Disco riscado

Em meados dos anos 80 - 1985 para ser mais exacto - o músico Sting compôs uma das suas mais famosas obras à qual haveria então de chamar de "Russians" que, no essencial, aliava um texto/poema sobre um Mundo sobre o qual pairava ainda a sombra da Guerra Fria, tendo como pano de fundo uma melodia que não é mais nem menos do que um plágio de uma obra bem mais antiga da autoria do compositor Sergei Prokofiev denominada "Lieutenant Kijé".

A reconhecida beleza contrastava, contudo, com a preocupante mensagem que a referida letra continha, nomeadamente uma questão transversal a toda a canção "I hope the Russians love their children too", cuja resposta, infelizmente, parecemos ainda não conhecer.

A razão pela qual recordo neste momento esta canção e esta letra em particular encontra-se necessariamente relacionada com uma preocupante escalada de tensão na zona do Mar Negro, nomeadamente na Península da Crimeia, uma região autónoma que pertencendo ao território Ucraniano tem uma população maioritariamente russa por razões históricas que não cabe aqui descrever.

Mas é também nesta região que a marinha Russa opera a "famosa" Frota do Mar Negro, ou seja, um dos pontos-chave da estratégia militar da Rússia.

Por isso mesmo aquilo que agora se vai "assistindo" num misto de apreensão mas igualmente de um aparente "lavar de mãos" por parte das Nações Unidas e, em particular, da absolutamente inepta política externa da União Europeia faz relembrar de forma assustadora a letra que dá o mote à presente dissertação.

Vejamos então porquê.

A canção "abre" com uma frase que anuncia ao que vem: "In Europe and America, there´s a growing feeling of hysteria". De facto, o tema parece progressivamente deslocar-se da questão ucraniana para se centrar num "ping-pong" de avisos e alertas por parte das diplomacias americana e russa, sobre os perigos e as consequências de uma intervenção militar destes últimos em solo ucraniano.

Os "actores" de então o Presidente Krushchev e o Presidente Reagan são agora representados pelo Presidente Putin e Presidente Obama mas aquilo que parece não ter mudado é a aparente retórica de um que parece ameaçar que "we will bury you" e um outro que, à boa maneira de uma América defensora da ordem democrática, vai clamando "we will protect you".

Sting dizia então de uma forma totalmente moral na qual eu me revejo intereiramente que "I don't subscribe to this point of view", isto é, não é possível nos dias de hoje retomar os "tiques" da guerra fria em que as relações das duas principais potências bélicas mundiais "esgrimiam" de forma constante uma ameaça nuclear que ambas sabem não poder iniciar pelo "simples" facto de que ambas as iriam perder, porque "There's no such thing as a winnable war".

O que mudou verdadeiramente dos anos 80 para o contexto actual é que, nessa altura, vivia-se (por pouco tempo mais, diga-se) uma situação de divergência em função de um contexto ideológico, isto é, a Democracia liberal incorporada pela América e o Marxismo-Leninismo da Rússia ("Regardless of ideology"), algo que se alterou profundamente a partir da Glasnost e da Perestroika de Gorbachev.

Dessa forma a luta pela supremacia política e ideológica foi progressivamente substituída por uma evidente disputa pelo poder da influência económica.

O que não se alterou com toda a certeza é a convicção que "We share the same biology" e que a "lógica" de saber quem "atira a primeira bala" é "corrida" perigosa em direcção ao abismo em que todos - sem excepção - cairemos se, por um momento que seja, a resposta à questão/desejo que se repete ao longo da canção for simplesmente não. Assim vão as cousas.