domingo, 9 de março de 2014

Um dia qualquer

Actualmente não há dia que seja em nos não nos "lembrem" que nesse mesmo dia se comemora qualquer coisa ou então que tal data é dedicada a algo ou alguém, com impacto e um simbolismo variáveis em função da importância do facto ou da pessoa a quem o dia é dedicado, ainda que também neste caso, a importância seja fruto de uma valorização que não sendo uniformemente aceite é, ainda assim, suficientemente relevante para ser relembrado ano-após-ano.

Entre estes tais dias existem uns que ganham um significado especial em relação aos demais por evocarem determinados valores que são transversais a todo o restante calendário e, entre eles, figura aquele que anualmente se celebra no dia 8 de Março e que é reconhecido como o Dia Internacional da Mulher.

Creio, contudo, que o mérito de celebrar este dia é, na mesma medida, a razão pela qual os problemas que invocam relativamente à condição da Mulher deve merecer uma especial atenção que ultrapassa - e muito - a importância que se coloca num dia especial de calendário.

A verdade é que não parece haver dia algum que não sejamos confrontados com uma aparente escalada de notícias que nos dão conta de uma Sociedade que parece cada vez mais deixar de poder ser reconhecida pelos seus "brandos costumes" para se transformar numa outra - irreconhecível - em que a violência conhecida como "doméstica" se tende a banalizar, sendo os seus principais alvos precisamente as mulheres.

Entendo, ao contrário daquilo que pode transparecer do contexto actual, que não é possível situar este problema numa óptica contemporânea pois é certo e sabido que a referida violência doméstica nunca foi objecto de qualquer estatística e, mais grave ainda, foi durante largos anos tolerada e mesmo silenciada, por uma Sociedade que, no essencial, reservava à Mulher um papel secundário e de uma certa subserviência nomeadamente na relação do casal, em que o próprio Estado parecia fiel ao principio popular de que "entre marido e mulher não se mete a colher".

Felizmente que uma tal visão provinciana de um tema da maior gravidade foi gradualmente mudando de paradigma, passando a violência doméstica - nas suas vertentes física, sexual, psicológica e económica - a ser considerado crime público, isto é, a aquela forma de crime cujo procedimento criminal não está dependente de queixa por parte da vítima, bastando para tal uma denúncia ou conhecimento da sua prática.

Contudo, se o "fenómeno" da violência doméstica poderia até há não muito tempo atrás ser considerada uma questão "cultural" (expressão abusiva para uma tamanha aberração) a verdade é que actualmente serão bem diferentes as motivações para esta espécie de "habito" de levar a alguém a practicar sobre uma Mulher um acto hediondo em função de uma presunção de "supremacia" física.

Dessa forma, entendo poder perspectivar três motivos principais para o actual contexto de violência doméstica, sem que delas resulte uma qualquer escala de importância ou relevância sobre as demais.

Em primeiro lugar é impossível dissociar os efeitos colaterais da actual crise do aumento de casos registados de violência doméstica. O desemprego de um ou dois membros do casal levam a uma situação de total fragilidade emocional indissociável da diminuição dos recursos financeiros e da impossibilidade de manutenção de uma certa (mesmo que reduzida) qualidade de vida. Nesse aspecto o aumento (e as suas consequências) do consumo de álcool é, porventura, uma característica que não terá mudado assim tanto entre gerações.

Em segundo lugar a violência doméstica é também o "espelho" de uma desagregação dos laços familiares, em que muitas vezes o tempo vivido em família é cada vez mais reduzido como reduzidas acabam por ser as afinidades entre os seus membros, facto do qual resulta uma quase inevitável ausência de noção de respeito e de integridade (nos casos mais extremos) em situações de conflito. Este segundo motivo poderá igualmente derivar da actual (e acelerada) redução valores, em que o individualismo se sobrepõe ao interesse colectivo ou, no caso vertente, ao interesse da própria família.

Em terceiro lugar entendo dever referir algo que parece decorrer de diversos crimes que têm vindo a ser tornados públicos dado que os mesmos são, quase sempre, practicados com recurso a armas de fogo. Ora, tal situação é absolutamente preocupante na medida em que poderá indiciar um descontrolo por parte das autoridades da admissibilidade da posse de arma, seja por uma diminuição das restrições a essa mesma posse ou porque as referidas armas estejam a ser adquiridas de forma ilegal. Noutras latitudes é comum assistir-se ao "resultado" de actos de quem já nada tem (aparentemente) a perder e tendo uma arma na mão parece não se importar (antes pelo contrário) com o número de vitimas que possa causar, normalmente antes de porem termo à vida, quais juízes dos seus próprios actos.

Não creio, desta forma, que uma tal questão possa confinar em termos da importância que a mesma tem aos actos simbólicos associados ao dia que lhe foi "reservado" no calendário. Esse dia é naturalmente importante para lembrar a todos que os problemas existem, mas será ainda mais importante se a partir de então todos percebermos que, no que toca ao respeito pelo próximo, não há dias mais importantes do que outros. Assim vão as cousas.  




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