Diz-se do tempo que tudo cura.
Não acredito que tal seja necessariamente assim, mas os meus níveis de cepticismo são bem maiores quando se trata de achar que o tempo é o maior inimigo da memória colectiva.
A revolução de Abril comemora 37 anos e, provavelmente, mais do que nunca será necessário socorrermo-nos de um exercício colectivo de memória para nos recordar que há valores que devem perdurar de geração para geração.
Se os desafios da sociedade em 1974 eram substancialmente diferentes dos actuais, não é menos verdade que os objectivos subjacentes ao evento da revolução são intemporais.
Refiro-me, em particular, ao direito de escolha dos seus representantes dos cidadãos e ao direito à liberdade de opinião e de expressão.
Tudo isso apenas foi possível porque nessa data ruiu em Portugal um regime caduco e de natureza autoritária.
Estas conquistas não são propriedade de ninguém e serão (espera-se) irreversíveis.
O problema não será o de se questionarem no futuro estes direitos fundamentais, mas uma ausência de perspectiva sobre o modo como se exercia o poder anteriormente ao 25 de Abril.
Esta tarefa será relativamente simples para quem pertencer às gerações anteriores ou contemporâneas da revolução, e que sofreram de forma silenciosa (uns mais do que outros) não apenas a limitação dos seus mais elementares direitos mas igualmente o retrocesso civilizacional de um país face a uma Europa que se reergueu dos destroços da 2ª guerra mundial.
Contudo, para as gerações do pós-25 de Abril (como a minha) esta avaliação in tempore não é manifestamente possível.
Nestes casos existem, a meu ver, três formas possíveis de fazer perdurar os ensinamentos de eventos como a revolução de Abril.
Em primeiro lugar a transmissão entre gerações das experiências de vida, à luz da realidade de então, comparando-a com a de agora, bastando para um efeito um pequeno exercício de se tentar compreender o que seria se, de um momento para o outro, deixássemos de ter boa parte daquilo que nos parecem direitos adquiridos e de seguida explicar que esses mesmos direitos existem porque as gerações precedentes lutaram por elas, muitas vezes à custa da privação da liberdade, da tortura ou da própria vida.
Em segundo lugar surge o papel da escola, que deve fazer compreender às novas gerações, porventura de forma desapaixonada, o contexto social durante o período da ditadura, as razões que determinam o processo revolucionário e o seu contributo para aquilo que somos hoje.
A nossa história contemporânea merece, a meu ver, a dignidade de estudo que é – justamente – atribuída ao período anterior ao século XX.
Apenas dessa forma será possível perceber também o contexto da implantação da República que e o seu reflexo nas motivações do surgimento do Estado Novo.
Finalmente, e esta será certamente a forma mais difícil, a nossa Sociedade deverá renovar de geração para geração os fundamentos que levaram à revolução adaptando-os aos desafios que em cada momento se nos colocam.
Ora, precisamente neste momento histórico, Portugal precisa, a meu ver, de refundar alguns dos seus valores, face aos tempos de austeridade que vivemos e perante aqueles que diariamente se pré-anunciam.
E como?
O tempo não é agora de revoluções populares como há 37 anos atrás porque não estão em causa - como então - os nossos direitos fundamentais, mas é o tempo do fim do conformismo a que nos auto-conduzimos (e conduziram) através da necessidade de uma maior intervenção cívica e uma acrescida exigência de politicas de verdade, responsabilidade e solidariedade.
Verdade, responsabilidade e solidariedade.
Nunca como agora se arvorou tanto estas palavras mas agora como nunca estas palavras pareceram ter tão pouco significado, tantas são as vezes em que se actua precisamente em sentido contrário.
Em Abril de 74 as mulheres e os homens de então quiseram mudar o nosso destino colectivo. É precisamente este espírito de mudança de atitude e sobretudo de mentalidade que é necessário recuperar nos nossos dias. Assim vão as cousas.