Se bem estamos todos mais ou menos recordados, o anterior governo “caiu” após a apresentação do tristemente famoso PEC IV.
Nessa ocasião o Dr. Pedro Passos Coelho invocou para além da ausência de comunicação prévia ao Presidente da República e a ele próprio – o que mais tarde se veio a demonstrar não correspondia à verdade – o facto de não ser possível estar a impor aos portugueses mais sacrifícios do que aqueles que já tinham sido impostos anteriormente ao abrigo dos “irmãos mais velhos” do referido PEC IV.
A convicção de que o “tempo” político do governo do Eng. José Sócrates teria chegado ao fim e a mudança de ciclo político seria inevitável por via da queda desse mesmo governo, o que de facto se veio a verificar.
É bom no entanto lembrar que os sucessivos planos de austeridade tiveram sempre o beneplácito do próprio PSD mas, sobretudo, por parte das instituições europeias que nos presenteavam então com os habituais “mimos” sobre a coragem e a determinação das medidas que constavam dos referidos planos.
O período eleitoral – sempre fértil em populismo e demagogia – elevou o Dr. Passos Coelho à categoria de Primeiro-Ministro que há-de ser, tendo nessa ocasião sido referido em geral e a um jovem em particular que não seriam exigidos mais sacrifícios aos portugueses para além daqueles que resultavam da necessidade de cumprimento do memorando de entendimento com a troika e a ideia de cortar nos subsídios de Férias e de Natal apelidada de “disparate”.
Ao mesmo tempo anunciava-se a medida de redução da TSU como a medida-chave para a solução dos problemas de competitividade das empresas, e que essa mesma redução poderia e deveria ser superior a 4%, situando-se mesmo de forma preferencial em 8%.
Também nessa ocasião ficou por explicar onde iria o Estado, e em concreto a Segurança Social, buscar a receita para fazer face à anunciada redução, adivinhando-se uma mexida nas taxas mínimas e intermédia do IVA, ou seja, à custa da sobrecarga fiscal dos portugueses.
Afinal, sabe-se agora, esta aparentemente tão importante medida para o nosso desenvolvimento terá sido adiada “sine die” com o próprio acordo da troika.
Em qualquer dos casos ficou a promessa de não governar “à custa” da “pesada herança” tantas vezes invocada na política, fórmula adequada à justificação daquilo que por vezes se torna injustificável.
Pelo meio ficou-se a conhecer a extensão real (ou conhecida) do custo da famosa “obra feita” do “jardinismo”, algo que não era seria difícil de antecipar mas a que durante demasiados anos a classe política resolveu ignorar, e que agora no fim todos teremos – solidariamente ao que parece – ter de pagar.
O fundamental de tudo o que se tem visto é o replicar de uma velha fórmula (de discutível sucesso até ao momento) a qual passa por aumentar a carga fiscal da chamada “classe média”, pela via directa dos impostos ou por via indirecta da oneração dos custos com os encargos com a saúde e medicamentos e com a educação ou ainda pela redução das deduções fiscais.
Ao mesmo tempo que tal acontece acompanhamos a “discussão” relativa à flexibilização das relações laborais através da introdução de mecanismos ultra-liberais ao nível dos despedimentos, sem que se perceba em que medida é que esses mesmos mecanismos poderão também contribuir positivamente para a redução dos actuais níveis de desemprego.
Existem, contudo e de acordo com o meu entendimento, dois graves problemas de fundo que dificilmente terão solução à vista no futuro próximo e muito menos no imediato.
O primeiro desses problemas é o que resulta das causas exógenas da crise que atravessamos, sejam elas emergentes da crise da dívida soberana e do aumento exponencial dos juros da dívida pública que, contrariamente ao que se quis fazer crer, não diminuíram após a queda do Governo do Eng. Sócrates e a incapacidade da União Europeia em criar condições para ultrapassar os problemas que em parte se lhe devem fruto da paralisia que ditou uma confrangedora reacção aos primeiros sinais de aprofundamento da crise quer na Grécia quer na Irlanda.
O segundo dos problemas é a firme convicção que a verdadeira “pesada herança” é aquela que os portugueses carregam fruto da incompetência de políticos e das suas políticas que os sucessivos governos impuseram, ainda que actualmente alguns pareçam querer colocar-se à margem das suas próprias responsabilidades.
A verdade é que os mesmos agentes que no passado elogiavam a referida “coragem” e “determinação” do anterior governo fazem-no também agora relativamente a todos os novos planos de austeridade que têm vindo a ser transmitidos aos portugueses.
O facto é que a acompanhar esses mesmos elogios – agora como antigamente – surge sempre a convicção que os mesmos poderão não ser suficientes para o equilíbrio estrutural das contas públicas portuguesas.
É esta espiral que se revela perigosamente complexa e que tem arrastado o país para uma recessão que não parece ter fim à vista.
Desengane-se que esta recessão pode ser comparável a uma tempestade no mar que invariavelmente será seguida de um período de bonança.
O efeito recessivo (e depressivo) que actualmente vivemos poderá comprometer seriamente a solvência do país a curto prazo na medida em que nada parece estar a ser feito para contrariar esse efeito, nomeadamente ao nível do investimento (público e privado), esse sim o único factor gerador de emprego e desenvolvimento.
Caímos no engodo de aceitar que todo este sacrifício é necessário para atingir um objectivo maior, ignorando ou querendo ignorar que esta mesma “receita” na Grécia se tem revelado absolutamente desastrosa.
Será porventura esta a “herança” que um qualquer futuro governo também apelidará de “pesada” que (quase) todos estaremos condenados suportar até um limite que ainda se desconhece, mas que sabemos se encontra já demasiado próximo. Assim vão as cousas.