domingo, 30 de outubro de 2011

...e a consequência.

Se bem estamos todos mais ou menos recordados, o anterior governo “caiu” após a apresentação do tristemente famoso PEC IV.

Nessa ocasião o Dr. Pedro Passos Coelho invocou para além da ausência de comunicação prévia ao Presidente da República e a ele próprio – o que mais tarde se veio a demonstrar não correspondia à verdade – o facto de não ser possível estar a impor aos portugueses mais sacrifícios do que aqueles que já tinham sido impostos anteriormente ao abrigo dos “irmãos mais velhos” do referido PEC IV.

A convicção de que o “tempo” político do governo do Eng. José Sócrates teria chegado ao fim e a mudança de ciclo político seria inevitável por via da queda desse mesmo governo, o que de facto se veio a verificar.

É bom no entanto lembrar que os sucessivos planos de austeridade tiveram sempre o beneplácito do próprio PSD mas, sobretudo, por parte das instituições europeias que nos presenteavam então com os habituais “mimos” sobre a coragem e a determinação das medidas que constavam dos referidos planos.

O período eleitoral – sempre fértil em populismo e demagogia – elevou o Dr. Passos Coelho à categoria de Primeiro-Ministro que há-de ser, tendo nessa ocasião sido referido em geral e a um jovem em particular que não seriam exigidos mais sacrifícios aos portugueses para além daqueles que resultavam da necessidade de cumprimento do memorando de entendimento com a troika e a ideia de cortar nos subsídios de Férias e de Natal apelidada de “disparate”.

Ao mesmo tempo anunciava-se a medida de redução da TSU como a medida-chave para a solução dos problemas de competitividade das empresas, e que essa mesma redução poderia e deveria ser superior a 4%, situando-se mesmo de forma preferencial em 8%.

Também nessa ocasião ficou por explicar onde iria o Estado, e em concreto a Segurança Social, buscar a receita para fazer face à anunciada redução, adivinhando-se uma mexida nas taxas mínimas e intermédia do IVA, ou seja, à custa da sobrecarga fiscal dos portugueses.

Afinal, sabe-se agora, esta aparentemente tão importante medida para o nosso desenvolvimento terá sido adiada “sine die” com o próprio acordo da troika.

Em qualquer dos casos ficou a promessa de não governar “à custa” da “pesada herança” tantas vezes invocada na política, fórmula adequada à justificação daquilo que por vezes se torna injustificável.

Pelo meio ficou-se a conhecer a extensão real (ou conhecida) do custo da famosa “obra feita” do “jardinismo”, algo que não era seria difícil de antecipar mas a que durante demasiados anos a classe política resolveu ignorar, e que agora no fim todos teremos – solidariamente ao que parece – ter de pagar.

O fundamental de tudo o que se tem visto é o replicar de uma velha fórmula (de discutível sucesso até ao momento) a qual passa por aumentar a carga fiscal da chamada “classe média”, pela via directa dos impostos ou por via indirecta da oneração dos custos com os encargos com a saúde e medicamentos e com a educação ou ainda pela redução das deduções fiscais.

Ao mesmo tempo que tal acontece acompanhamos a “discussão” relativa à flexibilização das relações laborais através da introdução de mecanismos ultra-liberais ao nível dos despedimentos, sem que se perceba em que medida é que esses mesmos mecanismos poderão também contribuir positivamente para a redução dos actuais níveis de desemprego.

Existem, contudo e de acordo com o meu entendimento, dois graves problemas de fundo que dificilmente terão solução à vista no futuro próximo e muito menos no imediato.

O primeiro desses problemas é o que resulta das causas exógenas da crise que atravessamos, sejam elas emergentes da crise da dívida soberana e do aumento exponencial dos juros da dívida pública que, contrariamente ao que se quis fazer crer, não diminuíram após a queda do Governo do Eng. Sócrates e a incapacidade da União Europeia em criar condições para ultrapassar os problemas que em parte se lhe devem fruto da paralisia que ditou uma confrangedora reacção aos primeiros sinais de aprofundamento da crise quer na Grécia quer na Irlanda.

O segundo dos problemas é a firme convicção que a verdadeira “pesada herança” é aquela que os portugueses carregam fruto da incompetência de políticos e das suas políticas que os sucessivos governos impuseram, ainda que actualmente alguns pareçam querer colocar-se à margem das suas próprias responsabilidades.

A verdade é que os mesmos agentes que no passado elogiavam a referida “coragem” e “determinação” do anterior governo fazem-no também agora relativamente a todos os novos planos de austeridade que têm vindo a ser transmitidos aos portugueses.

O facto é que a acompanhar esses mesmos elogios – agora como antigamente – surge sempre a convicção que os mesmos poderão não ser suficientes para o equilíbrio estrutural das contas públicas portuguesas.

É esta espiral que se revela perigosamente complexa e que tem arrastado o país para uma recessão que não parece ter fim à vista.

Desengane-se que esta recessão pode ser comparável a uma tempestade no mar que invariavelmente será seguida de um período de bonança.

O efeito recessivo (e depressivo) que actualmente vivemos poderá comprometer seriamente a solvência do país a curto prazo na medida em que nada parece estar a ser feito para contrariar esse efeito, nomeadamente ao nível do investimento (público e privado), esse sim o único factor gerador de emprego e desenvolvimento.

Caímos no engodo de aceitar que todo este sacrifício é necessário para atingir um objectivo maior, ignorando ou querendo ignorar que esta mesma “receita” na Grécia se tem revelado absolutamente desastrosa.

Será porventura esta a “herança” que um qualquer futuro governo também apelidará de “pesada” que (quase) todos estaremos condenados suportar até um limite que ainda se desconhece, mas que sabemos se encontra já demasiado próximo. Assim vão as cousas.

domingo, 23 de outubro de 2011

A verdade....

Durante o período eleitoral e logo após ter tomado posse como Primeiro-Ministro o Dr. Pedro Passos Coelho afirmou que não iria utilizar a célebre forma de escape normalmente utilizada por qualquer novo Governo, abstendo-se de invocar a "pesada herança" do Governo que o precedeu.

Fez bem em anunciar tal propósito deixando, em termos práticos, a tarefa sempre oportuna de justificar algo que se apresenta de difícil justificação para os seus ministros mais políticos, surgindo naturalmente o Dr. Miguel Relvas à cabeça dessa incumbência.

A verdade, porém, é bastante mais complexa do que a simples justificação do presente com factos do passado poderá representar.

O segundo mandato do Governo do Eng. José Sócrates enfermou fundamentalmente de 3 grandes pecados.

O primeiro foi o de não dispor de uma maioria parlamentar que lhe desse suporte às principais medidas que haveria que tomar face à mais do que evidente complexidade da situação das finanças pública portuguesas.

Essa margem de manobra, esse quase fundo de maneio de que o Dr. Pedro Passos Coelho dispõe actualmente garante-lhe a viabilização dos sucessivos planos de austeridade, outrora chamados de Planos de Estabilidade e Crescimento.

O Eng. Sócrates não soube ou não quis negociar as necessárias maiorias parlamentares e por isso mesmo colocou-se à mercê dos "timings" eleitoriais da oposição, mas também refém de si próprio ao assumir uma politica económica aquém do desejado, porventura convicto da impossibilidade de fazer passar outras medidas certamente mais graves, mas porventura mais necessárias.

O segundo pecado foi o de querer passar uma imagem de um Portugal (quase) imune à crise quando eram evidentes os sinais de deterioração da nossa economia.

Ao mesmo tempo que o fazia dava normalmente sinais contrários disso mesmo anunciando nos planos de austeridade, ditos de estabilidade e crescimento, numerados pela respectiva letra romana.

Com tudo isto a confiança de quem por duas vezes o havia eleito para o cargo foi-se progressivamente esfumando, aliado a uma crescente de novos e velhos "opinion makers" que diáriamente desmontavam as novas e velhas políticas económicas do Governo.

Em política é muito comum usarem-se expressões que pretendendo afirmar uma coisa parecem querer dizer outra substancialmente diferente, mas para o cidadão comum uma mentira será sempre isso mesmo, e não apenas uma forma de faltar à verdade.

O terceiro pecado foi o de não conseguir proceder entre mandatos à renovação de cargos ministeriáveis, procurando trazer para a primeira linha da política personalidades sobre quem se pudesse igualmente renovar a confiança.

Ao contrário do que normalmente se pretende fazer crer a competência não é uma característica exclusiva daqueles que se situam pretensamente fora dos aparelhas partidários.

A questão é de sobremaneira simples: ou se é ou não se é competente.

Os governos do Eng. Sócrates ficam intimamente ligados à actuação de alguns ministros tidos como independentes mas lamentavelmente com reduzida capacidade política, ficando mais na memória colectiva pelas suas gafes e omissões do que pelos seus méritos governativos.

A factura nestes casos é passada, entregue e paga por quem teve a tarefa de os escolher, ou seja, o próprio Primeiro-Ministro.

O epílogo destes 3 pecados dá-se com a assinatura do memorando de entendimento com a troika, com quem aliás havia feito juras de jamais governar... e nisso acabou por ter razão.

Involuntariamente ou não, ficará para a história um dia desvendar.

Consta que é na hora da morte que surge o arrependimento. 

Não creio, contudo, que a morte política sobrevenha tal estado de espírito, mas quer acreditar que o Eng. Sócrates no momento em que percebe que jamais teria uma terceira oportunidade de reeleição terá igualmente percebido que seria a ele próprio e somente a ele que seriam imputadas as responsabilidades pela situação actual do país. Assim vão as cousas.

(Continua na próxima semana)

domingo, 16 de outubro de 2011

Os parasitas

A relação do Homem com a Natureza e de um modo geral com o espaço que o rodeia tem sido, ao longo da sua evolução, uma relação fundamentalmente baseada na exploração quase sempre em sentido único dos respectivos recursos.

Um dos mais importantes dos referidos recursos foi - e será – durante muito tempo o famoso “ouro negro”, ou seja, o petróleo.

Este bem cujo período de validade tem sido tantas vezes discutido, nomeadamente em função do interesse sempre subjectivo da sua maior ou menor valorização no mercado onde os famosos barris são transaccionados, levou à necessidade – não necessariamente global – de repensar as fontes energéticas primárias, necessárias tanto à subsistência do próprio Homem como ao seu próprio progresso.

Essa necessidade resulta em primeiro lugar da convicção emergente da necessidade de reduzir a dependência deste recurso natural, mas também fruto de pelo menos um outro motivo não menos nobre.

Refiro-me concretamente às questões ambientais e da própria sustentabilidade do planeta.

A dependência excessiva do petróleo para fins mais imediatos e visíveis como a capacidade de prover a locomoção dos meios de transporte terrestre e outros fins bem menos evidentes, gerou uma volatilização global do preço de grande parte dos bens e produtos de que o ser humana necessita no seu dia-a-dia.

Associado a essa dependência surgiram, sobretudo nas últimas duas décadas um efeito especulativo cuja intensidade tem variado em função de circunstâncias totalmente estranhas ao consumidor final e, sobretudo, totalmente impossíveis de serem controladas por outros agentes que não os próprios produtores de petróleo.

Cada vez mais conscientes destes mesmos argumentos, temos assistido a um crescimento das denominadas energias alternativas as quais de uma assentada permitiriam reduzir a referida dependência em relação ao petróleo mas igualmente prover a todos um futuro melhor face às características não poluentes destas mesmas energias alternativas.

Desta forma passaram a fazer parte do léxico comum um conjunto de novas expressões, como sejam a energia eólica, a biomassa, a energia das ondas, solar, etc.

Ao mesmo tempo que tal sucedia a própria paisagem foi-se progressivamente alterando com a instalação de vastos parques solares e eólicos (sobretudo estes últimos) ou ainda pela circulação de viaturas movidas a electricidade ou – menor número – de outras fontes de alimentação.

Expressão disso mesmo é a inclusão na própria factura energética da proveniência dos recursos energéticos, na qual é manifesta a redução do peso do famoso líquido negro.

Ao mesmo tempo em que tal acontece assiste-se a uma progressiva desvalorização da energia nuclear, não apenas fruto das campanhas bem articuladas das associações ambientalistas mas igualmente em função de alguns acidentes ou incidentes verificados nalgumas centrais nucleares que para além dos efeitos imediatos sobre as populações directamente atingidas, atingem indirectamente muitas mais com o crescimento do sentimento de medo em relação aos efeitos nocivos (e mortais) da radiação nos seres humanos.

Entendo, a este propósito, que a discussão sobre os eventuais benefícios deste tipo de energia está a ser largamente negligenciada fruto de critérios de análise que são eles próprios de natureza especulativo.

Ao comum dos mortais seriam então de esperar que o custo associado à utilização da energia que cada um consome pudesse, no curto prazo, ser reduzida, não apenas pela redução do peso do seu principal factor inflacionário – o petróleo – mas também do facto destas novas formas de energia - ditas alternativas – se basearem quase sempre na captação de bens livremente disponíveis na natureza, seja ele o vento ou o sol, apenas para dar dois exemplos.

A avaliar pelas últimas notícias surgidas na comunicação social, parece que não é bem assim.

De acordo com a proposta preliminar da entidade reguladora deste sector haveria necessidade de proceder a um ajustamento tarifário relativamente aos consumidores privados e nas empresas na ordem dos 30%.

E qual é um dos motivos invocados para esta necessidade? Precisamente o aumento dos custos de produção das referidas energias.

Facilmente se conclui que existe um qualquer factor neste tipo de conclusões que escapa a quem, no final, terá de pagar a factura e que, supostamente, estaria à espera de um movimento inverso, ou seja, de redução do seu custo com a electricidade.

Creio fundamentalmente que o que se verifica é que a definição das tarifas de electricidade efectuada por esta entidade reguladora surge num contexto de um mercado que é, para efeitos práticos, de natureza monopolista.

Quando, tal como está anunciado, a tarifa deixar de ser regulada no final de 2012, passando a ser definida por cada um dos operadores, teremos a ocasião soberana de verificar que não haverá nenhum impacto de uma eventual concorrência neste sector.

Veja-se, a título de exemplo, o que manifestamente se verifica no sector gasolineiro, para se perceber que não existe qualquer efeito visível de concorrência havendo, isso sim, fortes suspeitas de cartelização de preços.

Se a esta proposta de actualização tarifária juntarmos o aumento já anunciado – e posto à prática – da taxa de IVA do valor intermédio para o valor máximo, estaremos a concorrer para uma possível situação de ironia extrema.

Esta ironia resulta do facto de ao mesmo tempo que se reduz a dependência do peso do petróleo apostando em fontes de energia alternativas, parece querer caminhar-se para uma situação de eventual impossibilidade por parte das famílias e das empresas em poder pagar as respectivas facturas energéticas.

Ora se assim for, teremos que a presuntiva aposta num futuro e num ambiente sustentável poderá, face à impossibilidade atrás referida, levar as pessoas à necessidade de voltar a adoptar formas ancestrais de iluminação e aquecimento, e isso chama-se um retrocesso civilizacional. Assim vão as cousas.

domingo, 9 de outubro de 2011

Suprema ironia

O dia 11 de Setembro de cada ano identifica uma data que, não correspondendo a qualquer feriado e muito menos a uma época festiva, lembra ao povo americano o poder extremo da barbárie humana.

Esta data, que como é sabido coincide com os atentados às torres gémeas de Nova York, passou a ser "celebrada" um pouco por todo o mundo mas, obviamente, essencialmente pelos americanos, remete-nos para a desvalorização da vida humana ao serviço de uma suposta causa "superior" ou, pior ainda, para um qualquer desígnio de ordem religiosa.

Aquilo que, no entanto, parece ficar de fora das homenagens sentidas que ocorrem nesta mesma data é que as mesmas secundarizam o facto de que precisamente pelos mesmos motivos quase todos os dias morrem muitas vitimas inocentes, seja no Iraque seja no Afeganistão, precisamente por via de atentados de natureza terrorista.

Este esquecimento a que estas pessoas estão votadas resulta da banalização da morte nestes países e talvez mesmo da ausência de "espectacularidade" da forma como as mesmas ocorrem.

A verdade é que tudo somado tudo se passa como se naquela zona geográfica tivessem ocorrido diversos ataques às suas torres imaginárias.

Porque é que então 2500 mortes num atentado nos EUA têm uma tão grande repercussão global e mediática actualmente - incluindo toda uma campanha de mershandising - e essas mesmas 2500 mortes de inocentes no extremo oposto do globo têm aparentemente tão pouca relevância?

O motivo, a meu ver, prende-se com facto da presença das forças internacionais nestes países ter muito pouco a ver com as pessoas e o desenvolvimento das suas sociedades e democracias e muito mais a ver com os interesses económicos dos países "libertadores" nestas regiões, seja pelos respectivos recursos naturais (provavelmente incluindo as explorações de droga), seja pela necessidade de movimentação de uma industria de guerra que está subjacente a qualquer intervenção militar e que não pode "sobreviver" sem as mesmas.

Os anos têm vindo a demonstrar que esta situação é provavelmente irreversível e tenderá a acentuar-se logo que as forças internacionais considerem a sua missão concluída e abandonem estes países.

Nessa altura ver-se-á o resultado exacto da sua intervenção e poderá então avaliar-se o que é que de positivo trouxe para estas sociedades para além da sua libertação do jugo de ditadores sanguinários e, sobretudo, a sua capacidade para evitar o evoluir de novas situações de ditadura seja ela de natureza militar ou religiosa.

Os americanos, por seu turno, passaram a sofrer de uma forma de terrorismo que não causa necessariamente vitimas, mas que ataca diariamente, um sentimento permanente de algo que se chama medo. Assim vão as cousas.

domingo, 2 de outubro de 2011

Os sonâmbulos

É comum na política portuguesa fazer o resumo dos primeiros 100 dias de governação.

Sempre me pareceu que se trata de muito pouco tempo para se uma análise correcta aos primeiros instantes de qualquer novo governo.

Contudo, a expectativa criada à volta do Governo liderado pelo Dr. Pedro Passos Coelho e os compromissos assumidos com a “troika” permitirá que, no mínimo, se perceba (ou tente perceber) o que é que fundamentalmente mudou entre o famigerado Governo do Eng. Sócrates e o actual.

A realidade é que pelo menos para já podemos concluir que tendo mudado o estilo não é liquido que tenha mudado a forma.

Os “famosos” PEC’s que estiveram (pelo menos o último) na base da queda do Governo anterior foram substituídos por medidas que tendo precisamente o mesmo objectivo assumiram uma denominação diversa.

Assim, e nesta perspectiva foi retirado num primeiro momento 50% do subsidio de Natal aos portugueses e o aumento dos transportes, para numa segunda comunicação comunicarem o aumento brutal do IVA sobre o consumo da electricidade e gás entre outras medidas, quase todas elas associadas à perspectiva da receita do Estado.

No fundo tudo hoje em dia é explicado à luz dos princípios do “Memorando de Entendimento” com a troika e, creio piamente, que assim será ao longo dos vários anos que se seguirão.

É, no entanto, interessante verificar que grande parte destas medidas eram omissas ou mesmo negadas (veja-se o corte no subsidio de Natal) no programa do actual governo, facto que uma vez mais deixa à evidência a ausência de uma verdadeira política de verdade por parte dos políticos, precisamente aqueles que mais usam tal palavra como bandeira quase ideológica.

Ao mesmo tempo que tal sucede os mercados – sempre os mercados – continuaram a sua “batalha” de aumento dos juros da divida em sentido inversamente proporcional à redução do rating da república por parte das agências de rating – sempre as agências de rating – que depois de “atirarem” a nossa dívida (e o nosso ego) para o lixo parecem esperar agora pacientemente pelo pedido de reestruturação da dívida, seguindo os passos já dados pelos gregos.

É como a máscara que cai a quem afirmava que grande parte dos problemas que Portugal enfrenta tinham uma natureza endógena, parecendo negar a mais clara das evidências que são precisamente motivos externos que têm contribuído decisivamente para a situação actual do país, mas também das principais economias europeias e mesmo a maior economia de todas, os Estados Unidos.

O próximo passo será, muito provavelmente a necessidade de um segundo pedido de ajuda financeira, facto para o qual o próprio Primeiro-Ministro já começou a "preparar o terreno" numa entrevista recente. 

Paralelamente são anunciados a um ritmo frenético, mas totalmente desgarradas, um sem número de fusões e extinções de organismos de natureza pública, sem que se perceba muito bem qual o impacto real de tais medidas na despesa pública nem o que é que o Governo pretende fazer com os funcionários dos referidos organismos.

No fundo torna-se necessário perceber se existe um verdadeiro “emagrecimento” do Estado ou uma mera incorporação da despesa noutro qualquer organismo público, isto é, se estamos perante uma “operação de cosmética” para impressionar a opinião pública ou uma verdadeira intervenção cirúrgica.

Tal como referi inicialmente, entendo que esse resultado não é passível de ser avaliado com isenção num tão curto espaço de tempo de governação.

Ao mesmo tempo em que se agravam as condições de vida da generalidade dos cidadãos e se procura – aparentemente – efectuar um esforço de contenção da despesa pública surge novamente em todo o seu esplendor o “dono” da ilha da Madeira a mostrar (literalmente) o dedo do meio a todo este esforço.

À parte de tudo isto aparecem os partidos políticos da oposição.

O PS parece ter entrado de férias alargadas depois da eleição do um novo líder – ele próprio a antítese de um líder carismático - não conseguindo distinguir-se quem seja actualmente a verdadeira voz da oposição, tal é a dispersão que se constata na reacção às principais medidas anunciadas pelo Governo.

Se o PCP continua a ser aquilo que sempre foi e provavelmente sempre será, já o BE passou à quase clandestinidade tal foi o “cartão vermelho” que o eleitorado lhe mostrou nas últimas eleições e perante os sinais de contestação interna que parecem cada vez mais evidentes.

A verdadeira surpresa surge com o “desaparecimento” do CDS, nomeadamente do respectivo líder, remetido para um ministério cujo peso político surge manifestamente reduzido face à preponderância actual das pastas das finanças e da economia e por isso mesmo não é de estranhar que todas as “bandeiras” que o CDS arvorou durante a campanha pareçam reduzidas a meras declarações de intenções, sem alcance e significado prático.

A síntese de tudo isto é a constatação de um país em pré-depressão, um sector empresarial aparentemente incapaz de reagir à diminuição do papel do Estado na economia e uma Sociedade Civil que assiste impávida e serena à redução sistemática do conceito de “Estado Social”.

Enquanto noutros países europeus os sinais de contestação social são por demais evidentes e não raras vezes assumem contornos violentos perante as sucessivas medidas de austeridade a que as populações são sujeitas, em Portugal tudo parece correr de forma serena e resignada.

E se de modo algum gostaria de ver reproduzidas as imagens de violência urbana de outras paragens, não me consigo ainda assim conformar com este torpor generalizado como se todos nós fossemos parte da letra de uma canção que nos embala dizendo que “tudo isto é triste, tudo isto é fado”. Assim vão as cousas.