Os movimentos de contestação aos regimes autoritários do norte de África e Médio-Oriente são algo absolutamente extraordinário e, ao mesmo tempo, motivo de preocupação generalizada.
A verdade é que, hoje por hoje, não é totalmente perceptivel na sua plenitude o motivo catalisador para o despertar de um verdadeiro torpor por parte de milhares e milhares de pessoas que decidiram de um momento para o outro arriscar as suas vidas em defesa da causa maior que é, como sabemos (ou deviamos saber), a Democracia.
É um facto mais ou menos aceite que uma revolução dificilmente terá sucesso se não tiver o apoio da estrutura militar.
Ora, o que sucedeu nos dois países em que os regimes ditatoriais cairam foi que o exército, não tendo apoiado directamente a causa, optou por uma manifesta omissão do seu “dever” de defesa das principais instituições politicas, nomeadamente a presidência da República.
O mesmo não se tem infelizmente passado noutros locais ali bem perto, nomeadamente na Líbia, na Argélia, no Iemen, no Bahrein ou anteriormente no Irão, com as consequentes perdas de vidas daí decorrentes.
O que se passa então com os povos árabes?
É possível, a meu ver, olhar a questão de uma forma sociologicamente mais pragmática ou numa visão mais obscura.
Quem conhecer minimamente estas regiões sabe que, em regra, 70% da população tem menos de 35 anos.
Este número significativo de mentes jovens vive literalmente na era da informação seja pelo acesso à televisão por cabo (ou satélite), pelo uso redes sociais ou dos telemoveis, ou seja, ao longo dos anos uma geração – ainda que de forma certamente censurada - passou a “olhar” para o que se ia passando no Ocidente ou nos seus próprios vizinhos.
Se a forma mais eficaz e “simples” de fazer perdurar uma ditadura assenta no dominio do poder militar mas sobretudo na ignorância das populações (a Coreia do Norte é, porventura, o expoente máximo deste conceito), a verdade é que nestes países de gente jovem o controlo da informação por parte do poder estatal passou, em certa medida, a ser incontrolável.
Por outro lado, é conhecido o facto de que grande parte deste países dispõe de grandes reservas de bens cada vez mais preciosos para a humanidade.
Falo naturalmente do gaz natural mas, sobretudo, do petróleo.
A grande verdade é que a maioria dos habitantes destas regiões não “sente” de forma alguma a prosperidade e a riqueza emergentes desse “fundo de maneio” permanente que a terra sempre lhes deu.
Bem pelo contrário a miséria e a ignorância proliferam de forma bem generalizada sem que seja necessário para tal fazer qualquer perfuração.
No fundo a riqueza destes países encontra-se concentrada nas elites politicas dominantes ao longo de décadas, em regimes de natureza feudal em que os filhos sucedem aos pais, por vezes com recurso a ilusões de democracia, com falsos escrutinios populares.
Esta será a visão socialmente pragmática do que tem vindo a suceder.
No entanto, não é possivel deixar de estranhar este súbito acordar, como alguém que acordo de um estado catatónico e, apenas um dia, quer recuperar o tempo perdido.
É aqui que surgem as dúvidas e estas nem requerem muitas vias para poderem ser compreendidas.
No fundo as dúvidas residem em saber se por detrás destes movimentos estarão as potências do Ocidente com os EUA à cabeça no sentido de dominarem ainda mais a “rota” do petróleo.
Lembremo-nos que no Iraque a fórmula utilizada foi mais ou menos a mesma quando passou a ser evidente que não existiam as “famosas” armas de destruição massivas.
A pequena grande “diferença” para o que se passa actualmente é que a revolução vem de dentro o que não deixa de saír mais barato e custar menos vidas.
No extremo oposto poderão estar movimentações de partidos islâmicos, eles próprios constrangidos pela natureza ditatorial do regime e que poderão ter criado condições para uma onda social que no pós-ditadura leve ao poder precisamente esses partidos, provavelmente para eles próprios criarem uma nova ditadura, desta vez de natureza religiosa.
A História irá mostrar-nos de forma certamente mais nitida as motivações da “onda democrática” que inundou esta região do globo e que promete não ficar por aqui.
Seja por um motivo ou pelo outro não deixa de ser curiosa a utilização de flores como simbolos da democracia, há semelhança do que sucedeu em Portugal no 25 de Abril.
Espera-se que a memória colectiva perdure o suficiente nestas “novas” democracias para que não sejam um dia mais tarde assolados por tiques saudosistas como infelizmente se vai verificando de vez em quando por estas bandas. Assim vão as cousas.