O memorando de entendimento assinado com a “troika” continha formulações que remetiam para a necessidade de alteração das leis laborais em Portugal.
De acordo com essas mesmas formulações pretender-se-ia dessa forma aumentar a competitividade das empresas portuguesas face à concorrência que, nos dias que correm, está muito longe de se circunscrever aos competidores internos mas tem de ser visto à escala global, isto é, transcendendo o próprio espaço europeu.
Em teoria este pressuposto nada teria que levasse a uma oposição às convicções dos elementos do triunvirato que talhou o caminho do resgate financeiro de Portugal.
O “pequeno” problema que parece colocar-se nesse caminho é que a análise efectuada à realidade portuguesa terá sido porventura a mesma que foi efectuada à quase totalidade dos países que ao longo dos anos têm recorrido, provavelmente para sua desgraça, à ajuda externa.
A suspeita para tal convicção resulta do facto de aparentemente ter bastando um breve mês e meio para os “senhores da troika” tirarem a “radiografia” da economia portuguesa, seus males e respectiva cura.
Não é querer afirmar que com esta suspeita que tenha havido uma análise leviana da real situação do país, mas tão-somente a convicção que até para avaliar a saúde de uma só pessoa o tempo que normalmente decorre entre a primeira consulta e o inicio do tratamento pode ser superior ao que foi necessário para uma análise que se presume bem mais complexa.
Por outro lado, a forma como a legislação laboral passou para a primeira linha das preocupações parece ela própria revelar um aparente desconhecimento sobre a realidade portuguesa.
Por isso mesmo não é de estranhar que o trabalhador “comum” português, isto é, aquele que para efeitos fiscais assina na qualidade de “trabalhador por conta de outrem”, passou a ser visto como o inimigo público nº1 da competitividade das empresas.
É legítimo, contudo, tentar perceber qual é de facto a acusação que impende sobre essa classe.
Nesse aspecto não deixa de ser interessante perceber que aparentemente aos olhos da troika os portugueses estariam muito mais próximos de um qualquer trabalhador de um país rico da Europa central ou do norte do que de alguns países do terceiro mundo.
Refiro isto porque apesar da firme convicção/certeza de que o salário mínimo e médio de qualquer português se situar abaixo da média comunitária parece que ainda assim seria demasiado ou que o facto de em Portugal não vigorar a “lei da selva” em matéria de despedimentos é em si mesmo um factor de baixa competitividade.
Por isso mesmo depois da chegada das tranches de dinheiro por parte dos nossos “salvadores” tornou-se necessário adaptar a lei laboral vigente.
E quando se pressupunha que daí decorreria um incremento sério para a competitividade das empresas cedo se percebeu que, no essencial, o que se visava era definir politicas de facilitação do despedimento e que o custo associado a essa condição fosse também o menor possível.
Ou seja, numa altura em que o desemprego sobe a “olhos vistos” legislou-se precisamente sobre a forma de melhor despedir.
No meio disto tudo, terá aparentemente escapado ao legislador alguma coisa, e essa coisa foi a noção que o mercado de trabalho português não consegue absorver – sobretudo em tempo de crise – os postos de trabalho que vai perdendo, e por isso mesmo não existe uma transição célere entre a situação de desempregado e novamente empregado.
Terá certamente também passado “ao lado” dos intervenientes neste processo que não é pela aproximação dos nossos custos de produção aos modelos chinês ou indiano que a nossa competitividade irá crescer de forma significativa.
Bem pelo contrário poderá ser o rastilho para uma crise social sem precedentes que aparentemente estas mesmas pessoas parecem querer ignorar à medida que vão diminuindo os rendimentos, seja por via directa através dos rendimentos ou por via indirecta no aumento do custo de vida, e pela subtracção de direitos convenientemente “transformados” em regalias.
Aquilo a que aparentemente ninguém pareceu reservar alguma da respectiva atenção foi para a necessidade de criação de mecanismos de formação profissional e qualificação individual, esses mesmos os únicos que podem ajudar a contribuir para a tão propalada competitividade das empresas.
Não será essa a via e o modelo seguido pela generalidade das empresas da Europa central e do norte e pelo qual deveríamos nortear as denominadas “politicas de emprego”?
Pelos vistos parece que não, e o resultado não será outro a não ser o progressivo alargamento da distância que nos separa nesta matéria das principais economias europeias.
O que se passou em termos concretos foi que Portugal deu, em matéria laboral, um salto exemplar para o ultra-liberalismo sem nunca ter chegado sequer a perceber o que seria o neo-liberalismo de que tantas vezes ouvira falar e lhe foi sugerido que deveria temer. Assim vão as cousas.