Confesso que não gosto do Carnaval nem tão pouco – creio - alguma vez terei “brincado” verdadeiramente a sério nesta festa tão singular.
Não obstante tal facto nada tenho contra todos aqueles que sinceramente apreciam o espírito folião da época nem tão pouco à importância que a mesma tem na “libertação” de algum sentimento mais ou menos reprimido durante todo o ano.
As razões para o meu distanciamento devem-se em bom rigor a um motivo bem concreto, ou seja, a ausência de uma verdadeira genuinidade na maior parte das festas carnavalescas que, no essencial, replicam de forma duvidosa aquele que é sem sombra de dúvida o seu espaço de eleição, a muitos quilómetros de distância, isto é, em terras de Vera Cruz.
Contudo, é certo e sabido que neste período em particular muitas são as terras que se preparam de forma cuidada em cada ano para receberem os seus “tradicionais” festejos carnavalescos.
Algumas dessas mesmas terras são inclusivamente locais pouco dados a outros eventos de maior exposição mediática do que nesta época em particular, nomeadamente a capacidade de atrair um numero considerável de visitantes a estes locais.
Ora pensando precisamente neste factor muitos dos locais onde o Carnaval é celebrado de forma mais ou menos visível investem bastante do seu esforço em proporcionar aos visitantes o melhor daquilo que tem para oferecer, seja no corso propriamente dito seja na generalidade dos serviços existentes em cada localidade.
Este esforço, como é evidente, não é gratuito e por isso mesmo este investimento é também se reveste de valores de natureza económica nada desprezáveis seja em época de crise ou não.
Tal investimento, como a própria palavra indica - embora cada vez mais poucos pareçam sabe-lo – tem o objectivo de canalizar receitas para as localidades e para os agentes económicos nelas existentes que criem riqueza acrescida por via do fluxo dos próprios habitantes mas sobretudo de pessoas vindas “de fora”.
Ciente de tal situação o Estado central (quase) sempre considerou o dia correspondente ao dia de carnaval (invariavelmente uma terça-feira) como um dia feriado, ou o chamado feriado não oficial.
Associado a esta decisão administrativa surgiu igualmente a denominada “tolerância de ponte” que em termos práticos alargava – pelo menos aos funcionários públicos – o fim-de-semana dos imemoriais 2 dois dias para 4.
No sector privado a tolerância sempre foi menor e resumiu-se quase sempre à adesão ao dia feriado.
Há boa maneira deste nosso povo este “falso” feriado e a tolerância que sempre o acompanhou foi sendo interiorizado como uma espécie de direito adquirido, não se questionado sequer que o mesmo pudesse ser negado por qualquer Governo.
A excepção até há bem pouco tempo verificou-se durante um dos governos do Prof. Cavaco silva situação que muitos “estudiosos” desta coisa da política associam ao princípio do declínio do seu “estado de graça” que lhe havia conferido duas maiorias absolutas consecutivas.
Em causa estavam na altura como estão provavelmente agora o facto de não ter sido respeitada uma presuntiva tradição, situação que colidia frontalmente com as perspectivas económicas e festivas de boa parte da população.
O motivo agora invocado para a “dispensa” do feriado e da sua “ponte” foi, como não podia deixar de ser, o momento de crise que o país atravessa, levando o Primeiro-Ministro a invocar uma frase que lhe é muito “cara” dizendo que “ninguém compreenderia” que assim não fosse, face “ao período que atravessamos”.
Presume-se, desta forma, que o Dr. Pedro Passos Coelho interiorizou em si mesmo todos os “estados de espírito” das pessoas cujos destinos actualmente governa para poder afirmar com tanta propriedade que “ninguém compreenderia”.
A ser assim então seremos forçados a entender como razoável que todos aqueles que ao longo de largos meses investiram muito do seu esforço e dinheiro com o intuito de dinamizar as respectivas localidades e seus serviços também concordará com o esfumar de todo esse investimento à luz da conjuntura económica, como se não fosse também esta uma forma de procurar combater parte dos seus efeitos.
E então mesmo aqueles – como eu – que assumidamente não “brincam” ao carnaval estaremos igualmente em sintonia com a noção - não demonstrada - de que o país “produz” mais sem o feriado do Carnaval do que com ele.
E também, por fim, que num país em rota de colisão com o seu destino e em que grande parte dos seus cidadãos tem sofrido com o sacrifício de parte das suas regalias e do agravamento da carga fiscal, as pessoas compreenderão que deverão igualmente sacrificar os poucos momentos em que fugazmente poderão esquecer-se de tudo isso, ainda que tal ocorra por detrás de uma máscara.
Não Dr. Pedro Passos Coelho, não creio que as pessoas compreendam. Assim vão as cousas.