domingo, 26 de fevereiro de 2012

A miragem

Se alguém, na vida política portuguesa actual pode queixar-se daquilo que vulgarmente se apelidou de “pesada herança” será certamente o Dr. António José Seguro.

Ora se em vez de uma de tais heranças se puder falar de três, então mais facilmente se perceberá a complexidade da natureza da actuação presente e futura do actual Secretário-Geral do PS.

A primeira das “heranças” prende-se com o “património” que constitui a referida herança, após 6 anos de governação do Eng. José Sócrates e muito em concreto a forma como o mesmo deixou o poder após uma derrota eleitoral clara.

Mas esse mesmo “património” é também a consciência de que existe uma clara associação entre a situação actual de crise do país às politicas seguidas pelo seu antecessor e, em concreto, a eventual falta de resposta atempada aos sinais de uma crise internacional, cujos contornos não eram certamente tão nítidos como actualmente.

Ou seja, aos olhos de uma parte da população do Governo do Eng. Sócrates é o grande responsável pelo “der stand der dinge” actual, sendo apenas variável a medida - maior ou menor – da referida responsabilidade.

O segundo legado ao Dr. António José Seguro é, e provavelmente será sempre, a de demonstrar a sua ruptura com o passado e, mais importante de tudo explicar em que medida é que se apresenta com alternativa a esse mesmo passado e necessariamente ao presente.

Ao mesmo tempo em que tal sucede o Dr. António José Seguro tem igualmente que lidar com um povo em estado de dormência ou quase anestesia, aparentemente convictos da inevitabilidade de tudo aquilo que lhes tem vindo a ser imposto e ainda estará para vir, é a cura necessária para os males de que vem padecendo será esta e não qualquer outra.

O problema é que o partido do Dr. António José Seguro encontra-se “preso” ou “amarrado” (consoante as perspectivas) a um vínculo que o seu antecessor firmou com uma certa “troika” que, no essencial, condiciona não apenas a sua acção política em tudo o que vá contra aquilo a que o país se comprometeu mas também a sua própria possibilidade de acção crítica sobre o teor desse mesmo compromisso.

Resta-lhe procurar explorar convenientemente e convincentemente tudo aquilo que vá para além do referido acordo, e com o qual o seu partido não se encontra por definição vinculado, se bem que tal fronteira seja hoje em dia suficientemente ténue para se perceber os respectivos limites.

Por fim o Dr. António José Seguro herdou igualmente uma bancada parlamentar que não é “a sua”, repleta de figuras que transitam em grande parte do executivo anterior e que parecem diariamente fazer um exercício de “passeio no arame” em que não se percebe se caiem para o lado da disciplina partidária ou para o lado de uma certa lógica de grupo dentro do próprio grupo, conforme ficou claro na recente iniciativa de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade do orçamento de Estado para 2012.

No fundo, o Dr. António José Seguro encontra-se na pele de um treinador de uma equipa cujos jogadores não foram escolhidos por si, nem são aqueles que ele em grande parte escolheria, sendo que esse raciocínio é igualmente verdade no seu inverso.

Não bastará, desta forma, ao Dr. António José Seguro dominar o seu próprio partido ou garantir algumas “vitórias” casuísticas mas assegurar a visibilidade que lhe garanta por um lado a demarcação clara relativamente ao seu antecessor mas também, porventura ainda mais difícil, que se perceba em que medida é que a actual austeridade seria diferente (para menos, claro) se fosse ele e não o Dr. Passos Coelho o Primeiro-Ministro.

Infelizmente e tal como já referi em dissertações anteriores temo que não seja nem um nem outro os argumentos que poderão levar (eventualmente) um dia o Dr. António José Seguro ao cargo que pretende.

Esse motivo é aquele que resultará do maior ou menor grau de satisfação relativamente à actuação do actual governo ou de uma eventual desagregação da coligação que o suporta ao invés da igualmente maior ou menor convicção que um Governo liderado pelo Dr. António José Seguro seja efectivamente a alternativa desejada e desejável.

Parece-me pois demasiado evidente que é também neste falso pressuposto subjacente à rotatividade dos governos em Portugal que radica grande parte dos problemas que atravessamos. Assim vão as cousas.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Sambódromo

Confesso que não gosto do Carnaval nem tão pouco – creio - alguma vez terei “brincado” verdadeiramente a sério nesta festa tão singular.

Não obstante tal facto nada tenho contra todos aqueles que sinceramente apreciam o espírito folião da época nem tão pouco à importância que a mesma tem na “libertação” de algum sentimento mais ou menos reprimido durante todo o ano.

As razões para o meu distanciamento devem-se em bom rigor a um motivo bem concreto, ou seja, a ausência de uma verdadeira genuinidade na maior parte das festas carnavalescas que, no essencial, replicam de forma duvidosa aquele que é sem sombra de dúvida o seu espaço de eleição, a muitos quilómetros de distância, isto é, em terras de Vera Cruz.

Contudo, é certo e sabido que neste período em particular muitas são as terras que se preparam de forma cuidada em cada ano para receberem os seus “tradicionais” festejos carnavalescos.

Algumas dessas mesmas terras são inclusivamente locais pouco dados a outros eventos de maior exposição mediática do que nesta época em particular, nomeadamente a capacidade de atrair um numero considerável de visitantes a estes locais.

Ora pensando precisamente neste factor muitos dos locais onde o Carnaval é celebrado de forma mais ou menos visível investem bastante do seu esforço em proporcionar aos visitantes o melhor daquilo que tem para oferecer, seja no corso propriamente dito seja na generalidade dos serviços existentes em cada localidade.

Este esforço, como é evidente, não é gratuito e por isso mesmo este investimento é também se reveste de valores de natureza económica nada desprezáveis seja em época de crise ou não.

Tal investimento, como a própria palavra indica - embora cada vez mais poucos pareçam sabe-lo – tem o objectivo de canalizar receitas para as localidades e para os agentes económicos nelas existentes que criem riqueza acrescida por via do fluxo dos próprios habitantes mas sobretudo de pessoas vindas “de fora”.

Ciente de tal situação o Estado central (quase) sempre considerou o dia correspondente ao dia de carnaval (invariavelmente uma terça-feira) como um dia feriado, ou o chamado feriado não oficial.

Associado a esta decisão administrativa surgiu igualmente a denominada “tolerância de ponte” que em termos práticos alargava – pelo menos aos funcionários públicos – o fim-de-semana dos imemoriais 2 dois dias para 4.

No sector privado a tolerância sempre foi menor e resumiu-se quase sempre à adesão ao dia feriado.

Há boa maneira deste nosso povo este “falso” feriado e a tolerância que sempre o acompanhou foi sendo interiorizado como uma espécie de direito adquirido, não se questionado sequer que o mesmo pudesse ser negado por qualquer Governo.

A excepção até há bem pouco tempo verificou-se durante um dos governos do Prof. Cavaco silva situação que muitos “estudiosos” desta coisa da política associam ao princípio do declínio do seu “estado de graça” que lhe havia conferido duas maiorias absolutas consecutivas.

Em causa estavam na altura como estão provavelmente agora o facto de não ter sido respeitada uma presuntiva tradição, situação que colidia frontalmente com as perspectivas económicas e festivas de boa parte da população.

O motivo agora invocado para a “dispensa” do feriado e da sua “ponte” foi, como não podia deixar de ser, o momento de crise que o país atravessa, levando o Primeiro-Ministro a invocar uma frase que lhe é muito “cara” dizendo que “ninguém compreenderia” que assim não fosse, face “ao período que atravessamos”.

Presume-se, desta forma, que o Dr. Pedro Passos Coelho interiorizou em si mesmo todos os “estados de espírito” das pessoas cujos destinos actualmente governa para poder afirmar com tanta propriedade que “ninguém compreenderia”.

A ser assim então seremos forçados a entender como razoável que todos aqueles que ao longo de largos meses investiram muito do seu esforço e dinheiro com o intuito de dinamizar as respectivas localidades e seus serviços também concordará com o esfumar de todo esse investimento à luz da conjuntura económica, como se não fosse também esta uma forma de procurar combater parte dos seus efeitos.

E então mesmo aqueles – como eu – que assumidamente não “brincam” ao carnaval estaremos igualmente em sintonia com a noção - não demonstrada - de que o país “produz” mais sem o feriado do Carnaval do que com ele.

E também, por fim, que num país em rota de colisão com o seu destino e em que grande parte dos seus cidadãos tem sofrido com o sacrifício de parte das suas regalias e do agravamento da carga fiscal, as pessoas compreenderão que deverão igualmente sacrificar os poucos momentos em que fugazmente poderão esquecer-se de tudo isso, ainda que tal ocorra por detrás de uma máscara.

Não Dr. Pedro Passos Coelho, não creio que as pessoas compreendam. Assim vão as cousas.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Democracia paralela

A entrada de uma empresa chinesa no capital da EDP e da REN veio lançar para a ordem do dia alguns aspectos relevantes na conjuntura actual, nomeadamente a exposição das suas principais empresas ao capital estrangeiro.

Não é este, contudo, o ângulo pelo qual esta questão merece a minha particular atenção.

Durante o mandato e meio do governo do Eng. Sócrates ficaram de certa forma famosas as aparições públicas quer do próprio quer de outros membros do Governo junto de líderes de regimes cuja relação com as regras da democracia é, no mínimo, questionável.

Na retina ficaram em particular as relações de proximidade com o presidente Venezuelano Hugo Chavez e o agora ex-lider Líbio Muammar Kadafi, apenas para citar alguns.

Em causa estavam mais do que relações pessoais as relações de natureza comercial entre um país com as dificuldades reconhecidas na sua balança comercial e países denominados emergentes ou em expansão.

O ponto denominador comum a qualquer dos países atrás referidos é a sua posição privilegiada no quadro dos países produtores de petróleo e outras riquezas (por exemplo o gás natural), a moeda de troca predilecta para potenciais parceiros como Portugal.

Assim não foi de estranhar as trocas de abraços, as juras de amor eterno e as mil e uma palavras de circunstância com que eram selados os diversos acordos bilaterais celebrados ao abrigo deste interesse mútuo.

O problema – pelo menos para alguns – é que, em certas circunstâncias, pelo menos um dos subscritores é (ou era), em termos práticos um ditador.

Ora, por inerência um ditador não é uma pessoa de confiança e muito menos alguém com que se devam celebrar acordos ou parcerias, na medida em que parte daquilo que o seu próprio país tem para oferecer é obtido à custa do sacrifício dos respectivos povos.

Não faltou portanto nessas ocasiões quem tenha levantado o dedo à relativização da componente ética e moral de tais acordos, à luz dos princípios básicos dos direitos, liberdades e garantias.

Essas mesmas vozes voltaram a ouvir-se aquando da queda e posterior execução do ditador líbio tendo-se igualmente criado a convicção que os negócios com o “suis generis” líder da República Bolivariana da Venezuela teriam os seus dias contados.

Se em relação à “questão” Libia a mesma se resolveu por si própria com a morte do General e líder supremo, a situação particular da Venezuela foi abordada de forma tímida (e quase despercebida) através de uma visita do ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr. Paulo Portas, a esse território.

Esta visita carrega em si o simbolismo da necessidade de manter os laços comerciais criados durante o anterior Governo e que, creio, não podem ser simplesmente abandonados quanto mais não seja porque neste mesmo país residem cerca de meio milhão de portugueses.

A ilação geral que se pode retirar de tudo isto é que qualquer país que ao abrigo dos seus próprios princípios democráticos pretenda deixar de negociar com outros países sob o pretexto de serem regimes autocráticos ou ditatoriais, correrá sérios riscos de isolamento.

Tal resulta do facto de, infelizmente, quase todos os grandes produtores de riquezas naturais deste nosso Mundo serem precisamente liderados por regimes de natureza não democrática.

E será certamente por isso que ninguém estranhou ou ousou questionar que aqueles que agora se anunciam como os grandes investidores do presente e do futuro em Portugal, sejam precisamente aqueles que impõem internamente uma das mais duradouras ditaduras da história da humanidade. Assim vão as cousas.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Explicação óbvia

La Rochefoucauld dizia que a melhor maneira de sermos enganados é julgarmo-nos mais espertos do que os outros.

Esta máxima assenta que nem uma luva ao recente “episódio” envolvendo o Presidente da República, Prof. Cavaco Silva.

Não querendo debater os contornos do referido “episódio” parece-me, contudo, que o mesmo se insere numa lógica muito profunda daquela que tem sido a denominada magistratura do actual Presidente quer no primeiro mandato quer no 1º ano deste segundo.

Creio mesmo que poderá, porventura, ser até extensível a toda a década da sua governação.

Por mais que o próprio creia (ou queira fazer crer) que ninguém dispõe, no essencial, de uma memória superior a 15 dias, a verdade é que existe um elemento transversal a todos nós que resulta da análise histórica.

E aquilo que é verdadeiramente interessante nesta análise é que precisamente ela não se detém nos acontecimentos de cada momento, na medida em que quase sempre são as gerações seguintes que estudam as suas precedentes.

Este desfasamento temporal faz com que exista um período médio de um quarto de século entre qualquer facto relevante e a sua análise num contexto racionalmente estável.

Quero com isto dizer que o Prof. Cavaco Silva será “julgado” pelos suas mandatos não pela actual geração – que poderá até ter contribuído para a sua eleição e posterior reeleição – mas pelas seguintes.

E nessa ocasião a próxima geração irá avaliar é percurso político de um homem que em 40 anos de democracia exerceu cargos de governação e presidenciais durante pelo menos metade desse período.

Ainda mais interessante é que essa avaliação irá tomar em consideração que governos por si liderados, incluindo duas maiorias absolutas, tiveram lugar num contexto histórico que os egípcios descreveriam de “vacas gordas” e que a sua presidência ocorre numa fase precisamente inversa, ou seguindo a mesma perspectiva ancestral das “vacas magras”.

Se no primeiro de tais períodos o dinheiro “fresco” da Europa jorrava quase à mesma velocidade com que o país o esbanjava em betão e num emergente espírito de subsidio-dependência, já no segundo irá avaliar as consequências de uma postura de quem quer estar aquém e além dos problemas que emergiram do impacto da crise internacional e da crise da dívida soberana.

Olharemos para a linha aparentemente ténue que separa a convicção de se ser “vítima” de um estranho conceito de “força de bloqueio” posteriormente transformado numa espécie de prerrogativa presidencial sempre que uma qualquer decisão de um governo (de maioria absoluta) fosse contrária às suas próprias convicções.

Perceber-se-á então a dimensão do seu envolvimento em processos equívocos de bancos privados que funcionavam como uma espécie de fundo de maneio para um certo número de políticos saídos dos seus governos.

Seberemos em que medida é que a sua permanente referência aos seus avisos, alertas, recomendações, preocupações e outros estados de espírito poderiam ou não ter tido outro tipo de consequências se tivesse efectivamente exercido, à luz dos seus próprios poderes, a chamada magistratura de influência tantas vezes referida.

Tornar-se-á, porventura, visível que se aquele que “raramente se engana e quase nunca comete erros” não terá sido precisamente aquele que mais vezes se enganou e que mais erros cometeu, por mais que olhando para si mesmo não consiga vislumbrar alguma coisa para além do seu próprio ego.

Creio, antecipando o futuro, que não ficará famoso pelas suas gafes, mas pela necessidade repetida de justificar e esclarecer as suas próprias afirmações, desta vez já não por palavras suas mas por comunicados mais ou menos oficiais ou por parte daqueles que parecem especialmente vocacionados para o “papel” de couro encomendado para nos “ensinar” a compreender aquilo que o Prof. Cavaco Silva pretendia dizer mesmo que a todos tenha soado de forma completamente diferente.

A História é a súmula de tudo isto, o “julgamento” a que todos estaremos um dia sujeitos pelos nossos actos e omissões, expostos a uma avaliação mais ou menos injusta, mas com uma grande vantagem: não será nunca reescrita pelo próprio. Assim vão as cousas.