sábado, 26 de abril de 2014

O dia inicial

O momento mais patético da vida de um qualquer ditador é aquele em que o próprio perde a noção de que o seu "reinado" terminou, normalmente à luz dos tempos que conduzem ao fim dessa mesma ditadura.

Assim, se ficaram "famosas" as circunstâncias que levavam Hitler a julgar no interior do bunker onde - segundo rezam as crónicas - se haveria de suicidar, que a Alemanha ainda haveria de ganhar uma guerra à qual já se havia nessa altura rendido, também Salazar julgou até ao momento da sua morte que ainda conduzia os destinos de um país que já lhe havia arranjado sucessor.

Ora essa tal personagem que lhe havia de suceder, carregou também consigo uma espécie de opus final quando, já no exílio, afirmou que o golpe de Estado do 25 de Abril foi o principio do fim de uma "nação que estava a caminho de se transformar numa Suiça".

Talvez seja então necessário perceber que Suiça era esta de que falava o sucessor de Salazar de forma a se perceber em que medida o Portugal de 24 de Abril de 1974 estaria próximo de se tornar num espécie de "estado-gémeo" daquele país da Europa Central.

A verdade é que a Suiça com que Marcello Caetano "sonhava" era, já nessa altura, um estado democrático, pacífico (fruto de uma política de neutralidade histórica), uma economia prospera e moderna, com uma muito baixa taxa de desemprego e um elevado nível de competitividade (devido à elevada formação e escolaridade da generalidade dos seus habitantes).

Sem dispor de riquezas naturais - excepto a água - e com um muito reduzido peso da agricultura, a Suiça tinha então (como hoje) um dos PIB's per capita mais elevados do mundo, baseado sobretudo no sector financeiro mas igualmente numa industria especializada em alta tecnologia.

Em suma, a Suiça era à data da revolução de 1974 - como hoje - uma das economias mais competitivas do Mundo.

Será então razoável admitir que um país que no final dos anos 60 se encontrava em situação de colapso económico fruto da politica de isolacionismo e do custo do esforço de guerra em África, onde parte significativa da população vivia uma situação de analfabetismo, em que uma percentagem ínfima frequentava o ensino secundário, onde a população era essencialmente rural destituída dos mais elementares parâmetros mínimos de competências, estaria de facto a "caminho de se transformar numa Suiça"?

Poderia uma das mais duradouras ditaduras da Europa ocidental pretender comparar-se em termos futuros com um Estado onde, por exemplo, vigora um dos exemplos mais completos de "democracia directa" a partir do qual as principais questões do país são decidas por via de referendo (algumas, aliás, bem controversas)?

A resposta é demasiado óbvia para poder ser contestada e por isso mesmo, não é de estranhar que precisamente fosse a Suiça um dos Estados de eleição da onda de emigrantes que por essa altura saíam do país em fuga de um regime ditatorial e de uma total falta de perspectivas futuras.

Ninguém, para além de Marcello Caetano, poderia perspectivar que o regime que o próprio ajudou a perpetuar, poderia ser algo mais do que um país muito mais próximo do 3º mundo do que qualquer outro Estado democrático europeu, os tais que nessa altura já se haviam distanciado desse mesmo regime.

Para perceber o distanciamento entre a realidade e  os motivos pelos quais a queda de um regime se havia feito sem o disparar de um único tiro e com o apoio generalizado da população, cito precisamente um realizador suíço - Lionel Baier - que afirmava então "Quando somos pequenos e suíços a democracia é coisa normal. Os primeiros que me fizeram ter consciência do preço da democracia foram os portugueses.".

Suprema ironia, os tais suíços em que supostamente nos haveríamos de tornar, tinham uma percepção mais lúcida da realidade do que estertorante regime.

Tal como tive ocasião de afirmar em dissertações anteriores, a realidade histórica será sempre o principal "inimigo" de todos aqueles que, por ignorância ou por mera incapacidade de acompanhar essa mesma realidade, pretendem nega-la a todo o custo, "construindo" uma realidade paralela que, tal como a Suiça de Marcello Caetano, apenas existe nas suas próprias cabeças. Assim vão as cousas.

domingo, 20 de abril de 2014

Aquele Domingo

O Domingo de Páscoa nunca teve para mim um qualquer significado especial, nomeadamente em relação àquilo que faz deste dia um dia de celebração para o mundo cristão.

Contudo, à minha mente ocorre sempre o facto deste mesmo dia coincidir - antigamente como nos dias de hoje - com um período de férias escolares que, quase sempre, eram passados em casa dos avós, pelo que a tradição de celebrar a Páscoa tem para mim um significado que não se "confunde" com a convicção que dá o mote a esta crónica.

De facto, a celebração do período Pascal era especialmente vincado nesses tempos idos da minha infância passados naquela remota aldeia do Distrito de Leiria e a solenidade do momento transformava aquele Domingo num momento em que a rotina se transformava totalmente.

Nesse dia o Sr. Prior haveria de fazer a visita à casa das pessoas e abençoar cada lar.

Num ápice tudo mudava e a informalidade típica de uma casa de aldeia transformava-se numa espécie de altar improvisado onde se aprimorava tudo aquilo que parecia quase irrelevante nos restantes dias.

Tudo parecia limpo como nunca.

As melhores roupas, aquelas que quase nunca saiam do armário e que se diria apenas os próprios se lembrariam da sua existência, pois à excepção dos momentos festivos de um casamento ou baptizado jamais tinham o uso para o qual haviam sido adquiridos, ganhavam neste dia o seu humilde esplendor.

Habituados a passar os dias num estado quase "selvagem", também a nós nos "calhava" a obrigação de vestir a roupa que tinha sido colocada na mala de viagem precisamente para aquele dia.

Os degraus da porta principal que não abria nunca excepto naquele dia e que dava para uma sala de refeições onde não me recordo igualmente de alguma vez ter comido ou jantado, era coberta com folhas de eucalipto por onde o padre da aldeia e os seus acólitos haveriam de passar.

Não obstante esta solenidade incaracterística, nada parecia forçado neste momento, mas sim parte de um hábito anterior à existência de todos aqueles que nele participavam, como se de uma herança se tratasse e que cada um dos lares estivesse "condenado" a perpetua-lo à luz de um profundo sentimento religioso que já então me parecia estranho mas que creio sempre ter compreendido.

Feita a bênção, era então o momento em que o Sr. Padre, essa figura tutelar de uma aldeia, objecto de um respeito absoluto que facilmente se confundia com o temor reverencial que define a linha entre a perdição e a salvação, dirigia umas breves palavras aos presentes, traduzindo os desejos de uma Santa Páscoa em que, quase sempre, a sua atenção acabaria por se dirigir para nós próprios, aqueles que ali se encontravam porque a interrupção da escola assim o obrigava.

Nunca soube o que responder às perguntas de circunstância que me eram dirigidas, apesar de não duvidar das respostas que era suposto dar. 

A reverência prestada àquela figura vestida de branco, os paramentos, o crucifixo ou mesmo a presença de pessoas que não conhecíamos de lado algum e que agora entravam por um porta sempre fechada e onde pessoa alguma acedia, de acordo com os bons costumes, sem ser convidada, a sala na qual não podíamos brincar, as roupas que pareciam transformar qualquer Diabo num Anjo, criavam apenas o efeito do silêncio apenas interrompidas pelo "convite" às respostas por parte das restantes pessoas que, invariavelmente, redundavam num pouco convicto "sim" ou "não" como se nada mais houvesse a dizer.

No final havia uma espécie de "troca" em que meia-dúzia de amêndoas distribuídas pelo Sr. Padre dava lugar a uma singela oferta dos avós para bem das obras na igreja.

Terminado o acto que apesar de tão preparado parecia apenas demorar um tempo ínfimo, voltava tudo à "normalidade", as roupas ao armário e a porta que se voltava a encerrar, provavelmente até ao ano seguinte.

Tudo era parte de um ritual, cumprido com convicção por toda a gente ao qual, querendo ou não, nos associávamos na certeza que, nessa altura, jamais poderia imaginar que um dia mais tarde e pleno de nostalgia, ainda haveria de escrever sobre isto. Assim vão as cousas.

sábado, 19 de abril de 2014

BES Run Challenge Cascais

Este ano decidi-me a enfrentar o desafio de participar nas 4 provas que compõem o BES Run Challenge, os quais têm uma extensão total equivalente a uma maratona, muito embora o prémio que estará destinando aos primeiros lugares não seja exactamente do meu "campeonato". 






Devo confessar que a minha disponibilidade para esta primeira prova com uma extensão de 12,195kms não era exactamente a melhor pela "concorrência" de umas condições meteorológicas totalmente adversas e uma forte dor de cabeça. 

























Por isso mesmo o meu "objectivo" era relativamente modesto e passava por  conseguir um tempo entre os 60 minutos e uma hora e cinco minutos. 


Nesse sentido, o objectivo foi cumprido com um tempo oficial de 01:04:23 (tempo do chip de 01:03:50) que haveria de corresponder ao lugar 1099 entre 2409 participantes e um 224 lugar entre 422 no respectivo escalão. 

O próximo Challenge será em Sintra e garantidamente não será sempre a descer....

domingo, 13 de abril de 2014

Memória selectiva

O (ainda) presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso "recordou-nos" recentemente, entre as muitas intervenções públicas com que tem "brindado" os portugueses nos últimos tempos - sem que se perceba exactamente em que contexto é que o faz - a "cultura de excelência do ensino" no Portugal antes da Democracia.

Poder-se-ia, desde logo, questionar se uma e outra coisa não serão em si mesmo contraditórias mas, fundamentalmente aquilo que parece escapar neste sentimento de súbita nostalgia do Dr. Durão Barroso é que se quase tudo na vida tende para a mudança, posto que o próprio também entendeu em momentos da sua vida, antes da sua "conversão" à social-democracia e às virtudes do capitalismo, que a via para a felicidade seria a do Marxismo-Leninismo, incluindo um "célebre" roubo de mobília da Faculdade de Direito de Lisboa.

Ora, se algo há que nunca muda, é que qualquer comparação minimamente credível só poderá ser aquela que permita comparar aquilo que é comparável e, de facto, o "exercício" de análise histórica do Dr. Durão Barroso peca, tal como o seu curto governo, por ser curta e sem qualquer relevância futura.

Para que um tal "exercício" pudesse ficar completo o Dr. Durão Barroso haveria de ter igualmente referido que a partir de 1926 a Educação foi precisamente uma espécie de inimiga do regime pois é certo e sabido que uma Sociedade instruída e culta tendencialmente mais facilmente irá questionar os fundamentos de um regime de natureza ditatorial, não sendo por isso de estranhar que o tal período de "excelência" fosse pródigo em analfabetismo e num conceito que ao povo bastaria "saber ler, escrever e contar".

Assim e ao mesmo tempo que as escolas se enchiam de crucifixos e da imagem do ditador, 39% das mulheres e 27% dos homens vivia em 1960 em estado de total analfabetismo e onde 80% da restante população apenas tinha frequentado o 1º ciclo, sendo que unicamente 1,3% acedia ao ensino secundário (*). Estas percentagens são, portanto, o reflexo da realidade do ensino em Portugal onde, por exemplo, não cabe sequer a Universidade, à qual apenas acedia uma ínfima parte da população.

Sou, portanto, forçado a concluir que a "excelência de ensino" de que fala o Dr. Durão Barroso era baseado num modelo de presumíveis excelentes professores, muitos dos quais impunham na sala de aula um regime de autoridade convencional nesse tempo baseada em princípios de violência física e moral, mas com poucos alunos para ensinar.

Tenho, por essa mesma via, de concluir que o sistema de ensino terá perdido a aludida "excelência" porque, por um lado, passou a ser acessível a todos os portugueses mas igualmente porque os métodos disciplinares até então aceites como "normais" se tornaram intoleráveis.

Não pretendo, de forma alguma, "esconder" o facto de existir nos tempos actuais uma tendência acentuada para o facilitismo, à qual não é alheia uma eventual menor preparação para o ensino por parte de alguns professores fruto da massificação do acesso à profissão e ao alheamento dos pais/encarregados de educação relativamente à exigência de maior rigor no ensino aos diversos "agentes" começando pelos seus próprios filhos/educandos.

Contudo, fundamentalmente, a situação actual não se deve, conforme parece pretender insinuar o Dr. Durão Barroso a um qualquer efeito perverso da Democracia sobre o ensino. Deve-se, antes de mais, à incapacidade do poder político em manter uma linha de orientação desse mesmo ensino que não "flutue" em função de critérios eleitorais ou de princípios mais ou menos liberais consoante o Governo em funções em cada momento.

A sucessão de supostas e quase sempre inconsequentes "reformas" do ensino em Portugal são a "fonte" única da actual da situação do ensino em Portugal e não a Democracia em si mesmo e, por isso mesmo, talvez o Dr. Durão Barroso devesse, antes de mais, questionar a manifesta redução da qualidade dos políticos em Portugal onde a excelência de personalidades como Sá Carneiro, Mário Soares, Ramalho Eanes ou mesmo Álvaro Cunhal foram progressivamente substituídos por um conjunto de políticos manifestamente medíocres, entre os quais o próprio Dr. Durão Barroso se inclui. Assim vão as cousas.

(*) Fonte: Pordata

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Meia-Maratona de Lisboa 2014

O maior e mais difícil desafio da minha "carreira" consistiu em, pela primeira vez na vida, percorrer uma distância de 21 kms em menos de 2 horas o que, em termos práticos, correspondia precisamente ao principal objectivo pessoal. 

Tendo a anteceder a prova uma série de 35 sessões de treino em 54 dias em principio estaria "garantida" a forma física necessária a esta distância embora nada nos prepare realmente para os 3/4 kms finais onde o esforço acumulado começa a fazer-se notar. 


Por isso mesmo o tempo pessoal de 01:58:36 correspondente a um 4335 lugar entre 9629 participantes e o 748 lugar entre 1418 atletas do Escalão 40 é, sem sombra de dúvida, o resultado de mais um desafio pessoal ultrapassado. 





domingo, 6 de abril de 2014

Ser ou não ser

"Tudo poderia ter sido outra coisa, e seria um elemento igualmente importante."
Tennessee Williams




Na minha qualidade de "amante" do cinema tenho, entre os muitos filmes que tenho oportunidade de ver a cada ano que passa, adquirido um especial prazer em poder desfrutar de algumas obras relativamente às quais a minha própria expectativa seria baixa ou mesmo nula, admitindo que o efeito contrário a uma tal expectativa seja aquilo a que se convencionou apelidar de "efeito surpresa".

Não está em causa, muitas das vezes, sequer a elevada qualidade cinematográfica das películas em causa como facto justificante da referida surpresa mas, de uma forma muito simples, o facto das mesmas nos obrigarem a reflectir sobre a mensagem que esse mesmo filme nos transmite ao ponto de, como é o caso vertente e não sendo sequer a primeira vez em que tal sucede, justificar uma dissertação sobre a referida mensagem, num exercício que, no fundo, é eminentemente pessoal ao ponto de se deslocar do enredo do próprio filme.

Foi este o caso do efeito que retive ao visionar um filme datado de 2009, chamado Sr. Ninguém, que passou discretamente pelas salas de cinema portuguesas no ano 2012, certamente "esmagado" como tantos outros pela catadupa de estreias semanais, quase todas elas sem qualquer interesse, seja ele objectivo ou subjectivo.

Ora, precisamente este filme poderá ser descrito como um ensaio sobre uma questão que, estou em crer, já terá sido colocada por todo e qualquer ser humano, independentemente da fase de maturidade em que se encontra, ou seja, a questão fundamental que só é possível de colocar após qualquer decisão tomada e que, sinteticamente, se resume a um "E SE?".

O referido filme utiliza, para o efeito, o exemplar caso de um homem que se apresenta como sendo o último humano mortal, num futuro longínquo, e que estando prestes a falecer faz uma espécie de retrospectiva da sua vida passada, mas que se revela incapaz de discernir qual tenha sido essa mesma vida.

Por isso mesmo, os episódios da sua vida são baseados na perspectiva do que teria sido a sua vida SE as suas opções tivessem sido umas e não outras, sem que o próprio tenha a certeza - nem o espectador - de qual tenha sido de facto o caminho que a sua vida levou, confundindo-se a realidade com um simples sonho.

Aquilo que para mim é então relevante é este exercício daquilo que é ou poderia ser a nossa vida SE em dado momento as nossas opções fossem outras que não aquelas que, consciente ou inconscientemente, todos acabamos por tomar.

Nesse sentido, a afirmação de que somos aquilo que sempre quisemos ser e nada se mudaria enquanto tal é algo que não é possível afirmar em absoluto, pois tal como a vida - imaginária ou não - do improvável herói de 118 anos do filme, todas as suas vidas possíveis continham momentos de felicidade mas ao mesmo tempo momentos do sentimento oposto, "dificultando" ainda mais a "escolha" sobre qual foi de facto a opção correcta na sua vida.

É relativamente fácil a cada um de nós perceber aquilo que teria "perdido" fossem outras as escolhas passadas porque a realidade confere-nos a possibilidade de poder avaliar a dimensão da referida perda. Situação diferente e bem mais complexa é o de pensar o que ficou por "ganhar" se as opções tivessem sido outras.

Este filme coloca-nos perante essa mesma questão e, no fundo, remete para algo que algumas pessoas gostam (ou preferem) afirmar de que "não se arrependem de nada" do que fizeram até ao momento. Nada mais falso. Haverá sempre algo de que nos arrependemos e relativamente às quais gostaríamos, SE fosse possível, de dispor de uma segunda oportunidade para o corrigir.

Pessoalmente não fujo à certeza de que nem sempre terei tomado as melhores opções na vida e que essa mesma vida - como a dos comuns mortais - é a soma das boas com as más opções que vamos tomando (presumo que a felicidade seja o saldo "positivo" entre ambas e a infelicidade o seu contrário), pelo que, não podendo "fugir" à realidade, a "construção" de uma vida alternativa é o resultado exclusivo de um sonho, em que o SE é absolutamente possível a cada um de nós, restando-nos apenas a esperança de poder dispor da capacidade de saber discernir entre o sonho e a realidade. Assim vão as cousas.