domingo, 13 de abril de 2014

Memória selectiva

O (ainda) presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso "recordou-nos" recentemente, entre as muitas intervenções públicas com que tem "brindado" os portugueses nos últimos tempos - sem que se perceba exactamente em que contexto é que o faz - a "cultura de excelência do ensino" no Portugal antes da Democracia.

Poder-se-ia, desde logo, questionar se uma e outra coisa não serão em si mesmo contraditórias mas, fundamentalmente aquilo que parece escapar neste sentimento de súbita nostalgia do Dr. Durão Barroso é que se quase tudo na vida tende para a mudança, posto que o próprio também entendeu em momentos da sua vida, antes da sua "conversão" à social-democracia e às virtudes do capitalismo, que a via para a felicidade seria a do Marxismo-Leninismo, incluindo um "célebre" roubo de mobília da Faculdade de Direito de Lisboa.

Ora, se algo há que nunca muda, é que qualquer comparação minimamente credível só poderá ser aquela que permita comparar aquilo que é comparável e, de facto, o "exercício" de análise histórica do Dr. Durão Barroso peca, tal como o seu curto governo, por ser curta e sem qualquer relevância futura.

Para que um tal "exercício" pudesse ficar completo o Dr. Durão Barroso haveria de ter igualmente referido que a partir de 1926 a Educação foi precisamente uma espécie de inimiga do regime pois é certo e sabido que uma Sociedade instruída e culta tendencialmente mais facilmente irá questionar os fundamentos de um regime de natureza ditatorial, não sendo por isso de estranhar que o tal período de "excelência" fosse pródigo em analfabetismo e num conceito que ao povo bastaria "saber ler, escrever e contar".

Assim e ao mesmo tempo que as escolas se enchiam de crucifixos e da imagem do ditador, 39% das mulheres e 27% dos homens vivia em 1960 em estado de total analfabetismo e onde 80% da restante população apenas tinha frequentado o 1º ciclo, sendo que unicamente 1,3% acedia ao ensino secundário (*). Estas percentagens são, portanto, o reflexo da realidade do ensino em Portugal onde, por exemplo, não cabe sequer a Universidade, à qual apenas acedia uma ínfima parte da população.

Sou, portanto, forçado a concluir que a "excelência de ensino" de que fala o Dr. Durão Barroso era baseado num modelo de presumíveis excelentes professores, muitos dos quais impunham na sala de aula um regime de autoridade convencional nesse tempo baseada em princípios de violência física e moral, mas com poucos alunos para ensinar.

Tenho, por essa mesma via, de concluir que o sistema de ensino terá perdido a aludida "excelência" porque, por um lado, passou a ser acessível a todos os portugueses mas igualmente porque os métodos disciplinares até então aceites como "normais" se tornaram intoleráveis.

Não pretendo, de forma alguma, "esconder" o facto de existir nos tempos actuais uma tendência acentuada para o facilitismo, à qual não é alheia uma eventual menor preparação para o ensino por parte de alguns professores fruto da massificação do acesso à profissão e ao alheamento dos pais/encarregados de educação relativamente à exigência de maior rigor no ensino aos diversos "agentes" começando pelos seus próprios filhos/educandos.

Contudo, fundamentalmente, a situação actual não se deve, conforme parece pretender insinuar o Dr. Durão Barroso a um qualquer efeito perverso da Democracia sobre o ensino. Deve-se, antes de mais, à incapacidade do poder político em manter uma linha de orientação desse mesmo ensino que não "flutue" em função de critérios eleitorais ou de princípios mais ou menos liberais consoante o Governo em funções em cada momento.

A sucessão de supostas e quase sempre inconsequentes "reformas" do ensino em Portugal são a "fonte" única da actual da situação do ensino em Portugal e não a Democracia em si mesmo e, por isso mesmo, talvez o Dr. Durão Barroso devesse, antes de mais, questionar a manifesta redução da qualidade dos políticos em Portugal onde a excelência de personalidades como Sá Carneiro, Mário Soares, Ramalho Eanes ou mesmo Álvaro Cunhal foram progressivamente substituídos por um conjunto de políticos manifestamente medíocres, entre os quais o próprio Dr. Durão Barroso se inclui. Assim vão as cousas.

(*) Fonte: Pordata

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