domingo, 6 de abril de 2014

Ser ou não ser

"Tudo poderia ter sido outra coisa, e seria um elemento igualmente importante."
Tennessee Williams




Na minha qualidade de "amante" do cinema tenho, entre os muitos filmes que tenho oportunidade de ver a cada ano que passa, adquirido um especial prazer em poder desfrutar de algumas obras relativamente às quais a minha própria expectativa seria baixa ou mesmo nula, admitindo que o efeito contrário a uma tal expectativa seja aquilo a que se convencionou apelidar de "efeito surpresa".

Não está em causa, muitas das vezes, sequer a elevada qualidade cinematográfica das películas em causa como facto justificante da referida surpresa mas, de uma forma muito simples, o facto das mesmas nos obrigarem a reflectir sobre a mensagem que esse mesmo filme nos transmite ao ponto de, como é o caso vertente e não sendo sequer a primeira vez em que tal sucede, justificar uma dissertação sobre a referida mensagem, num exercício que, no fundo, é eminentemente pessoal ao ponto de se deslocar do enredo do próprio filme.

Foi este o caso do efeito que retive ao visionar um filme datado de 2009, chamado Sr. Ninguém, que passou discretamente pelas salas de cinema portuguesas no ano 2012, certamente "esmagado" como tantos outros pela catadupa de estreias semanais, quase todas elas sem qualquer interesse, seja ele objectivo ou subjectivo.

Ora, precisamente este filme poderá ser descrito como um ensaio sobre uma questão que, estou em crer, já terá sido colocada por todo e qualquer ser humano, independentemente da fase de maturidade em que se encontra, ou seja, a questão fundamental que só é possível de colocar após qualquer decisão tomada e que, sinteticamente, se resume a um "E SE?".

O referido filme utiliza, para o efeito, o exemplar caso de um homem que se apresenta como sendo o último humano mortal, num futuro longínquo, e que estando prestes a falecer faz uma espécie de retrospectiva da sua vida passada, mas que se revela incapaz de discernir qual tenha sido essa mesma vida.

Por isso mesmo, os episódios da sua vida são baseados na perspectiva do que teria sido a sua vida SE as suas opções tivessem sido umas e não outras, sem que o próprio tenha a certeza - nem o espectador - de qual tenha sido de facto o caminho que a sua vida levou, confundindo-se a realidade com um simples sonho.

Aquilo que para mim é então relevante é este exercício daquilo que é ou poderia ser a nossa vida SE em dado momento as nossas opções fossem outras que não aquelas que, consciente ou inconscientemente, todos acabamos por tomar.

Nesse sentido, a afirmação de que somos aquilo que sempre quisemos ser e nada se mudaria enquanto tal é algo que não é possível afirmar em absoluto, pois tal como a vida - imaginária ou não - do improvável herói de 118 anos do filme, todas as suas vidas possíveis continham momentos de felicidade mas ao mesmo tempo momentos do sentimento oposto, "dificultando" ainda mais a "escolha" sobre qual foi de facto a opção correcta na sua vida.

É relativamente fácil a cada um de nós perceber aquilo que teria "perdido" fossem outras as escolhas passadas porque a realidade confere-nos a possibilidade de poder avaliar a dimensão da referida perda. Situação diferente e bem mais complexa é o de pensar o que ficou por "ganhar" se as opções tivessem sido outras.

Este filme coloca-nos perante essa mesma questão e, no fundo, remete para algo que algumas pessoas gostam (ou preferem) afirmar de que "não se arrependem de nada" do que fizeram até ao momento. Nada mais falso. Haverá sempre algo de que nos arrependemos e relativamente às quais gostaríamos, SE fosse possível, de dispor de uma segunda oportunidade para o corrigir.

Pessoalmente não fujo à certeza de que nem sempre terei tomado as melhores opções na vida e que essa mesma vida - como a dos comuns mortais - é a soma das boas com as más opções que vamos tomando (presumo que a felicidade seja o saldo "positivo" entre ambas e a infelicidade o seu contrário), pelo que, não podendo "fugir" à realidade, a "construção" de uma vida alternativa é o resultado exclusivo de um sonho, em que o SE é absolutamente possível a cada um de nós, restando-nos apenas a esperança de poder dispor da capacidade de saber discernir entre o sonho e a realidade. Assim vão as cousas. 

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