terça-feira, 29 de junho de 2010

Não havia outra via?

No inicio dos anos 90 os governos de direita e de esquerda introduziram no léxico comum português uma palavra até então desconhecida: SCUT. E de tal maneira era desconhecida que jamais se ouvira falar da possibilidade de circular numa auto-estrada sem ter de pagar portagens. Acontece que as SCUT surgem em função de uma deriva populista tão frequente na politica a partir do qual se pretende agradar a todos, independentemente das consequências futuras. Sou daqueles que consideram que teria sido bem melhor se nunca tivessemos aprendido esta nova palavra.
As SCUT enfermam (no minimo) de 3 grandes erros de avaliação:

  1. Criaram uma ilusão de direito adquirido (quase divino) junto das pessoas quando, na sua essência, as SCUT não eram mais do que um regime transitório até que houvesse as denominadas "alternativas" de circulação ou, salvo erro, que as populações directamente "beneficiadas" pelas mesmas atingissem um nivel de desenvolvimento superior ao da média (nunca nessa e nesta altura deu jeito a tanto Concelho ser subdesenvolvido); Ora, sabendo-se que a velocidade com que os portugueses assumem os seus direitos só é comparável com a velocidade com que ignoram os seus deveres, estava mesmo a ver-se que isto haveria de correr mal no futuro;

  2. Tornou, na prática, todos os portugueses como pagadores-não utilizadores das vias em causa. O custo para o Estado, ou seja para os Contribuintes, pela inexistência de portagens é suportado pelos impostos de todos nós (pelo menos dos que os pagam) mesmo que nem saibamos ao certo onde fica a A28;

  3. As SCUT baseiam-se numa convicção de que não existiam (ou existem mas as pessoas não querem saber) alternativas de circulação. Façamos uma experiência: pergunte-se a um cidadão de Almada qual é a alternativa que ele tem à ponte 25 de Abril (e respectiva portagem). Este argumento, por tão falacioso, dispensa quaisquer comentários.
Passados estes anos, temos a feira instalada. Sem responsáveis, claro. Assim vão as cousas.

sábado, 26 de junho de 2010

O desacordo ortográfico

"Em o primeyro dia do Janeyro de mil sette centos e quarenta e sette annos, eu Pedro Vicente Ribeyro, Vigario desta Parochial Igreja (...)". Desta forma ficava registado para a posteridade o baptismo de um nada proximo parente nascido em 24.12.1746.
O novo acordo ortográfico tem sido objecto de um considerável volume de considerações às quais eu não me pretendo juntar nomeadamente na perspectiva dos respectivos méritos ou deméritos. Pretendo, isso sim, desmistificar o argumento de que a tradição escrita do português se apresenta, na forma em que a actualmente a conhecemos e aprendemos na escola, de forma imutável ao longo das diversas gerações. Bem pelo contrário, a lingua portuguesa na sua vertente escrita tem-se adaptado, ao longo dos séculos, à oralidade.
Cada um de nós, no contexto da sua geração, aprendeu a escrever de acordo com os canones ortográficos em vigor nesse momento, tenham eles sido determinada por decreto ou não, sem nos questionarmos se os mesmos representavam uma rotura com o passado. E se certamente todos nós nos habituámos sem dificuldades a perceber que "farmácia" não se escreve com "ph" ou que "Janeyro" se escreve com "i", não tenho qualquer duvida em ter como certo que as gerações futuras não terão qualquer problema em assimilar "direto" em vez de "directo" ou "exato" onde antes se escrevia "exacto".
O que a mim verdadeiramente me preocupa, meus caros, é se as gerações vindouras (e as actuais?) saberão que existe "vida" para além das abreviações "tb", "qd" ou "pq" e por aí fora. Mas isso já são contas de outro rosário. Assim vão as cousas.

terça-feira, 22 de junho de 2010

A honra dos mortos

A mediocridade do nosso país não se mede apenas pela sua fraquissima competitividade ou pela (falta de) qualidade da nossa "classe politica". Mede-se também pela sua incapacidade em reconhecer os méritos de quem, com toda a propriedade e mérito, consegue fugir a essa mesma mediocridade.

Vem esta convicção a proposito dos diversos comentários que tenho tido ocasião de ler e ouvir a proposito da obra do escritor José Saramago. Dizem uns dele que não conseguem ler os seus livros por causa da pontuação. Mas, terão de facto chegado a ler alguma coisa? Dizem outros que Sophia ou Lobo Antunes mereciam mais o Nobel. Não será que o Nobel, como qualquer outro prémio, confere simultaneamente justiça a quem o ganha e uma injustiça a quem não o ganhou? Fala-se das suas convicções politicas e a falta de convicção regiliosa.

Eu, que diga-se não partilho das primeiras e sou indiferente em relação às segundas, acho que o "problema" é que José Saramago sempre foi coerente e isso, claro está, é condenável num país de salta pocinhas. Queiram crêr que grande parte da controvérsia que rodeou algumas das suas obras - curiosamente nem se podem considerar as melhores - foram criadas por motivos exógenos. Aqueles mesmos que queriam evitar a sua leitura, contribuiram para a massificação da mesma. E a cereja no topo do bolo foi a crónica do jornal oficial do Vaticano que, a proposito da morte de José Saramago, lhe fez uma espécie de Auto de Fé do sec. XXI.

É por estas e por outras que neste nosso país a fuga à mediocridade só é possivel, tal como José Saramago e tantos outros, mudando de país, para depois os elogiar, hipocritamente, depois de mortos. Assim vão as cousas.