domingo, 31 de dezembro de 2017

Mensagem


"As pessoas hão-de esquecer-se do que disse. As pessoas hão-de esquecer-se do que fez. Mas as pessoas nunca hão-de esquecer-se de como as fez sentir-se" (Maya Angelou)

Inspiro-me no poeta para todos aqueles que me lerem, qual mensagem Urbi et Orbi, que é possível afinal considerar que afirmar algo e o seu preciso contrário são, afinal de contas, elementos compatíveis desde que devidamente fundamentados.

Por isso mesmo não hesito em considerar que o ano de 2017 foi simultaneamente o pior ano da minha vida mas também o melhor da mesma, excluindo claro está aqueles momentos que associamos ao nascimento ou morte de alguém próximo por se encontrarem num patamar de experiências de vida que não são enquadráveis num conceito de bom ou mau, por estarem além e aquém desse mesmo conceito.

Trata-se, portanto, de enquadrar um momento daqueles que alguns referem não desejar sequer ao pior inimigo - o que não é o meu caso - mas em que esse momento funciona ele próprio como catalisador de algo absolutamente positivo e sem duvida de maior alcance do que o efeito gerador negativo que o motiva.

"Something is rotten in the state of Denmark" (Shakespeare)

Por vezes sentimos que estamos isolados do mundo quando refletimos sobre algo que apenas nós próprios parecemos vislumbrar ou que todos os outros julgam de forma diferente. É como se chegados a um cruzamento a opção a tomar pelo caminho a seguir fosse decisiva, quando uma nos oferece "mais do mesmo" enquanto a outra nos promete sobretudo "dar luta". 

Podemos então escolher levianamente entre a complacência e a resignação ou lutar por aquilo em que se acredita mas que tal nos encaminhe por uma via incerta?

"Concluídos pois todos estes arranjos, não quis retardar mais o pôr em efeito o seu pensamento, estimulando-o a lembrança da falta que estava já fazendo ao mundo a sua tardança, segundo eram os agravos que pensava desfazer, sem-razões que endireitar, injustiças que reprimir, abusos que melhorar, e dívidas que satisfazer" (Dom Quixote)

Podemos sempre ver monstros onde apenas há moinhos de vento, ou ainda uma princesa onde nada há mais do que uma figura que mais depressa se colocaria no papel de vilã fosse esse o cenário na vida real aquele que se passa nos filmes.

Mas ver o que os outros não vêem não é necessariamente sinal de loucura ou de um romantismo exacerbado, é apenas reposicionar uma certa realidade noutro patamar e agir em conformidade com essa mesma realidade, custe o que custar, ainda que se corra o risco de colidir de frente com algo que nos deixará magoados. Mas desistir deixa de ser opção.

"Não é preciso disfarçar-se para se ser salteador, basta escrever como o Dantas! Basta não ter escrúpulos nem morais, nem artísticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser delicado, e usar coco e olhos meigos! Basta ser Judas! Basta ser Dantas! Morra o Dantas, morra! Pim!" (Manifesto anti-Dantas)

Não desejo a morte a ninguém, não só porque os meus instintos humanistas assim o determinam mas também porque é normalmente uma forma "fácil" de resolver qualquer assunto. Não. Nem Tântalo nem Sísifo tiveram essa "sorte", condenados pelos deuses ao suplício de fome e sede eternos, no caso do primeiro, ou a rolar perpetuamente uma pedra morro acima para logo em seguida a mesma rolar morro abaixo e ter de tudo recomeçar a cada novo dia, no caso do segundo.

Que assim seja para quem me quer mal, a quem condeno à mediocridade eterna, a reinar para todo o sempre na corte da hipocrisia, a ser desleal entre iguais. Pim!

"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
(Mensagem, Fernando Pessoa)

Lembro-me de um título de um livro de Lobo Antunes "o que farei quando tudo arde?". Nunca me pareceu tão simples a resposta. Agarrar-me ao que verdadeiramente importa. Aos amigos de quem nunca me esqueço sem pedir nada em troca, mas que sei que nunca me faltarão se deles precisar, à memória daqueles que já não estão entre nós mas de quem me lembro todos os dias, como se afinal nunca tivessem partido.

E, claro, à família. Aquela que, pequena ou grande, nunca nos abandona, mesmo que isso implique decisões difíceis e até mesmo inconcebíveis aos olhos de alguns. Aqueles cujo amor é incondicional.

Tudo isto é hoje tão claro como aquela água que acabou de nascer, tal como como "um homem precisa de se queimar em suas próprias chamas para poder renascer das cinzas!" (Nietzsche).

Caí, queimei-me, renasci e ergui-me novamente. 

Assim foi o ano de 2017!
















quinta-feira, 13 de abril de 2017

Picos da Europa - Santiago de Compostela e Cabo Finisterra

No primeiro dos textos sobre este roteiro desde logo se afirmava que o título destinado a identificar esse mesmo roteiro surgiria em qualquer caso a identificação de "Picos da Europa" ainda que os caminhos nos levassem a outra região autónoma, no caso vertente a região da Galiza.

Assim foi com a chegada a Santiago de Compostela, imponente e monumental cidade da Galiza, conhecida em particular por dois motivos: a magnífica catedral e os muitos caminhos pedestres que levam a essa mesma catedral, num misto de devoção religiosa mas também de desafio pessoal de percorrer centenas de quilómetros para chegar a um local cujo simbolismo ultrapassa e muito a própria fé de quem até ali caminha.

Mas Santiago de Compostela é muito mais do que a catedral, é um local repleto de pequenas, médias e grandes igrejas, edifícios históricos, tornando esta cidade num local de peregrinação sobretudo cultural, imperdível para quem se deslumbra com a riqueza cultural de uma cidade como Santiago, independentemente da maior ou menor fé de cada pessoa.

Lamentavelmente a fachada da catedral encontrava-se integralmente em obras bem como algumas partes do seu interior, nomeadamente o seu impressionante altar (apenas parcialmente), algo que parece suceder sempre em alguma parte a quem tem por hábito de viajar ao ponto de se achar que se tratará de uma espécie de "má-sorte" quando, afinal de contas, será apenas e tão-somente fruto das circunstâncias.

Santiago de Compostela merece ser visitada, vista com atenção, sentida na plenitude.

Simbolicamente a viagem iria terminar no fim da terra, ou no local que era também o sítio onde os Caminhos de Santiago também terminavam, ou seja, o Cano Finisterra, o tal "fim da terra", onde o mar inunda a terra e nos faz sentir pequenos perante a dimensão da imagem que o horizonte nos coloca. 

Somos um mundo pequeno, cheio de vida e cultura, oceanos, vida. Há que aproveitar todos os momentos. Este novo roteiro foi mais um passo nesse sentido.

Picos da Europa - Oviedo, Lugo e Santiago de Compostela

O fundamental dos Picos da Europa ficou para trás, iniciando-se o necessário regresso, não sem antes procurar conhecer melhor algumas cidades de pelo meio, oportunidade que manifestamente não surge todos os dias e, por isso mesmo, mal pareceria se não fosse aproveitada.

A primeira dessas cidades, Oviedo, é uma cidade moderna com um centro histórico considerável, dominado, como acontece em tantas cidades de Espanha, em pela sua imponente catedral, com uma riqueza de talha dourada incomum, mas igualmente por ser pontuada por diversas obras de arte espalhadas um pouco por todo o lado, normalmente representativas de figuras humanas e tamanha natural que impressionam pelo seu realismo.

Não sendo uma cidade espectacular é, ainda assim, um local que justifica a opção pela visita.

Para se chegar a Lugo existem três opções, cada uma delas com uma distância mas, sobretudo, uma duração considerável, pelo que a opção recaiu por aquela que se apresentava menos longa, e que tinha a particularidade feliz de acompanhar em boa parte do percurso a faixa costeira mais a norte da península ibérica, o mar cantábrico, permitindo desfrutar de paisagem impressionante até o caminho nos "convidar" a dirigir-mo-nos para o interior em direcção precisamente a Lugo.

Esta cidade igualmente moderna, tem no seu interior uma muralha impecavelmente conservada em toda a sua distância de 2kms, naturalmente percorridos, que transmitem a quem a visita sentimentos mistos.

Porquê? Porque seria de esperar que o interior de tal muralha fosse quase totalmenente preenchido por edifícios de relativa antiguidade, facto que não sucede.

Se, por um lado existe um considerável número de edifícios de relevância histórica, nomeadamente uma catedral com uma configuração incomum a verdade é que partilham este espaço com edifícios contemporâneos de gosto muito duvidoso, facto que não estraga o positivo da visita a esta cidade mas não deixa de ser algo que choca um pouco à vista.

É, ainda assim, uma cidade agradável e simpática.

O caminho segue para Santiago de Compostela, não pelos famosos caminhos mas pelas estradas de Espanha e aí, admito, a expectativa é bastante elevada. Veremos se se confirma.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Picos da Europa - Gijon e Oviedo

Poderia dizer-se que uma viagem sem imprevistos não será uma viagem e talvez seja mesmo assim, ainda que não resulte desta assunção um compromisso com uma espécie de complexo de fatalismo.

Contudo, admitindo que a sua ocorrência, seja por acaso do destino ou fatalidade, a verdade é que tais momentos, como por exemplo a avaria de um dos carros, colocam à prova a capacidade de improviso mas igualmente e consequência desta mesma capacidade, a necessidade de manter o animo de forma a que a famosa expressão de "férias estragadas" não tenha qualquer alcance pratico.

Neste aspecto a ausência de um roteiro fixo e, em particular, de uma pré-marcação de hotéis permite a necessária adaptação à nova realidade sem o compromisso - normalmente oneroso - de estar obrigatoriamente num dado local num dado momento.

Por isso mesmo a visita à cidade de Gijon não estando inicialmente planeada acabou, fruto da circunstâncias, de se tornar num local de passagem "obrigatória", em prejuízo de outras duas localidades, de menor expressão, não ficando comprometida qualquer passagem relevante deste roteiro.

Gijon é uma cidade costeira cuja principal beleza reside, precisamente na extensa baía com praia que banha está cidade, de traça moderna, aqui e acolá pontuada por alguns pontos de interesse, não existindo verdadeiramente uma "zona histórica" que, pelo menos em teoria justifique um desvio a este local.

Nessa medida após uma caminhada pela cidade era tempo de nos dirigirmos à cidade de Oviedo.

Não havendo propriamente nada de particularmente relevante que resulte deste dia ou da cidade visitada, é oportuno, como noutras circunstâncias, entreter o tempo falando dos hábitos e costumes locais de "nuestros hermanos" nossos vizinhos, mas claramente distantes em quase tudo o resto.

Desde logo nos horários, seja de abertura de qualquer loja (quase sempre depois das 10h) ou à "famosa" hora da sesta que, em termos práticos encerra grande parte das lojas e empresas entre as 13h e as 16h, algo aparentemente impensável em terras lusas.

Outro aspecto que varia consideravelmente é a alimentação "típica" local. Não é que não exista, mas basicamente consiste em variações de qualquer coisa com presunto, ou "jamon", espécie de palavra omnipresente em qualquer ementa.

De resto o menu "típico" inclui um primeiro prato que mais parece um segundo tal a quantidade de comida, o segundo prato propriamente dito e, finalmenente, a sobremesa. Café, sim, mas quase sempre de qualidade que não dispensa o açúcar.

É também necessário referir que de um modo geral os espanhóis almoçam e jantam relativamente tarde face aos hábitos portugueses.

Finalmente quanto ao factor humano os espanhóis são relativamente simpáticos e afáveis, sendo normalmente fácil a comunicação em "portunhol", quase sempre compreendido pelos nossos interlocutores sem qualquer necessidade de um esgar de sorriso cinico resultante de uma eventual calinada ingénua.

Amanhã, é tempo de conhecer Oviedo e algo mais. 

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Picos da Europa - Posada de Valdeon, Cain, Fuente Dé

A Vila de Posada de Valdeon é o típico local cuja tranquilidade é claramente a imagem de uma terra habituada a isolar-se do resto do mundo quando a neve é suficientemente alta para nem se entrar nem dela se conseguir sair.

Esta característica nota-se pela ausência de qualquer agitação durante o dia ou durante a noite, como se por estes lados não houvesse pressa para iniciar ou concluir cada novo dia, onde até o sol apenas surge no horizonte algumas horas depois de nascer, "escondendo-se" literalmente atrás das montanhas que formam uma espécie de fronteira natural desta pequena terra.

Curiosamente o destino seguinte, sendo ainda mais pequeno, era consideravelmente mais agitado, e com toda a propriedade.

Trata-se da localidade de Cain, não tanto pela população em si mesmo, mas pelo facto de dali se dar início a um percurso pedestre cuja distância a percorrer de ida e volta depende de cada um dos caminhantes e, diga-se, são muitos e de todas as idades, mas facilmente se percebe porquê.

Cain é banhado pelo rio Cares que é possível acompanhar, conforme referido, ao longo de um impressionante percurso, a espaços entrecruzado por pequenas pontes, num cenário absolutamente idílico, quase sempre em caminhos escavados dentro de rocha no sopé das montanhas que se erguem lado a lado como se fossem os guardiões da longínqua garganta que as separa.

Tudo o resto é maravilhoso à vista é um desafio profundo aos sentidos e à noção de beleza natural que, mais uma vez, parecem difíceis de descrever em breves palavras sem recorrer a ornamentações de estilo para melhor fazer entender este local e ainda assim correr o risco de pecar por escasso.

Concluídos os 7,7 kms que haveríamos de percorrer era tempo de dirigir-mo-nos a outra localidade, Fuente Dé, cuja "fama" deriva da existência neste local de um teleférico que se ergue no ponto mais alto a 900mts de altura, insuficientes, contudo, para se dizer que coincidem com a altura máxima da montanha, posto que esta se ergue uns bons metros mais acima.

Neste local a neve, mesmo não em abundância, permitiu os habituais "jogos" indiferentes ao gelar das mãos que atiram bolas uns contra os outros, como que lembrando que nem todas diversões carecem de corrente eléctrica para garantir o comprazimento de quem por momentos regressa a uma certa infância por vezes tão esquecida.

Era agora hora de descer naquele teleférico que se eleva tão alto que dificilmente entusiasmará quem tenha aversão a alturas, como que anunciando a despedida simbólica dos Picos da Europa.

A viagem, essa, há-de continuar.

domingo, 9 de abril de 2017

Picos da Europa - Cangas de Onis, Covadonga, Bulnes e Posada de Valdeon

A Historia descreve os feitos heróicos de um guerreiro tornado Rei - Pelayo - na reconquista da Península ibérica aos mouros, a partir de um local situado nas Astúrias, de seu nome Covadonga.

Este evento histórico associado à lenda do aparecimento da virgem tornaram este local num dos mais movimentados marcos de peregrinação dos fiéis da religião católica.

A ele nos dirigimos bem cedo após deixar para trás a pacata, embora bem animada durante o dia, vila de Cangas de Onis, opção que se revelou totalmente acertada face ao movimento que ali se instala a partir de certa hora, numa fusão de turismo com devoção.

No alto ergue-se a magnífica catedral, no seu tom rosa avermelhado que, diga-se, é bem mais impressionante vista por fora do que propriamente pela riqueza do seu interior.

Bastante próximo fica a Cova da Virgem, local onde se crê tenha ocorrido a dita aparição, a que se acede através de um túnel que desemboca numa imagem ricamente decorada da Virgem, numa espécie de altar improvisado com algumas - poucas - cadeiras destinadas à oração.

Verificando-se ser impossível visitar os lagos de Covadonga por carro devido à "concorrência" da Semana Santa, optou-se por um pequeno bus unicamente afecto ao nosso igualmente pequeno grupo, que nos leva em pouco mais de meia hora aos ditos Lagos, dois mais precisamente, num dos momentos altos da viagem, tão bela é a paisagem que rodeia os lagos para além da beleza natural dos mesmos. 

Não se tratou, portanto, de uma boa ou má opção mas apenas de uma contingência.

Duas horas depois era então tempo de nos dirigirmos a Bulnes onde um teleférico (bem caro, por sinal) nos eleva a 2200 metros de altura a um local onde podemos efectuar breves caminhadas em direcção às poucas casas e ainda menos habitantes que ainda existem naquele local. 

A vista, essa, é difícil de descrever, por palavras e ainda menos de forma escrita, porventura evidência de uma verdadeira incapacidade para tal por parte do autor destas linhas mas, quero crer, por não ser possível sem falsear a realidade descrever a beleza de tudo aquilo que se vê, entre montanhas pontiagudas - ou não fossem estes os Picos da Europa - com traços de neve que tarda em desaparecer apesar do calor fora do comum para o mês de Abril ou por serem demasiado altas para que chegue a tornar-se pelas leis da física em água, e paredes que fazem a delicia de alpinistas ou verdadeiras gargantas que separam cada pico.

O destino final era agora Posada de Valdeon, não sem antes percorrer uma estrada ziguezagueante denominada de Desfiladero de los Breyos, cujas montanhas literalmente se debruçam sobre essa mesma estrada, configurando uma beleza anacronicamente assustadora, mas que nunca cansa a vista apesar do desafio constante para quem conduz.

O dia termina, portanto, em Posada de Valdeon, onde há-de começar amanhã.

sábado, 8 de abril de 2017

Picos da Europa - Leon e Cangas de Onis

Aviso prévio, o roteiro que se há-de seguir a tantos outros será sempre precedido por um mesmo título, adoptando adequadamente o nome de "Picos da Europa" por ser, afinal de contas, esse e não outro o objectivo de mais um trajecto que nos levará ao ponto mais a norte de Espanha e da Península Ibérica.

Significa isto que nem sempre os locais mencionados nesse mesmo trajecto se situarão necessariamente na região das Astúrias, havendo de passar por outra região autónoma dos nossos amigos, para uns, ou arqui-inimigos, para outros, "vizinhos" espanhóis.

A segunda nota prévia a que fará sentido aludir é que a região dos "Picos da Europa" não fica próxima, nem a ela se chega de avião, pelo que o meio mais adequado para percorrer os quase 900 kms de distancia será por meio de automóvel.

Para isso, como não podia deixar de ser, é necessário duas coisas: levantar cedo e espírito forte para interiorizar que até ao destino serão necessárias umas 8 ou 9 horas de condução, consoante os tempos de paragem e, claro está, o tempo necessário ao repasto pelo meio, vulgo almoço.

No caso vertente optou-se igualmente por aproveitar esse mesmo almoço para conhecer a cidade de Leon, ou Leão conforme nos é ensinado na escola, centro ancestral da história dos reinos de Espanha, juntamente com Castela, Navarra e Aragão.

Esta bonita cidade tem como ponto central a magnífica catedral que, apesar de bastante danificada durante um incêndio nos anos sessenta do século passado, parece não querer demonstrar que algumas das suas características são afinal mais recentes do que parecem, destacando-se a sua nave central mas, sobretudo, os 1800 m2 de vitrais absolutamente divinos, que conferem um colorido interior digno de ser visitado.

A cidade de Leon apresenta-se como uma mistura entre a antiguidade e a modernidade, com uma população bastante jovem que também ela contrasta nas ruas pela sua animação e mesmo indiscrição com os preparativos da Semana Santa em Espanha, como se também neste aspecto o sagrado e o profano andassem de mãos dadas.

A partir de Leon toda a paisagem muda radicalmente como se de uma fronteira natural se tratasse, momento em que as verdes planícies dão lugar às montanhas como que anunciando que o destino do roteiro se aproximava a cada novo quilometro percorrido.

O trajecto inicial termina em Cangas de Onis, antecâmara ou Porta de Entrada dos Picos da Europa, etapa seguinte deste roteiro.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Roteiros - Pelos caminhos dos Orgãos de Soberania

Tradicionalmente o cidadão tende a olhar para os locais representativos dos órgãos de soberania como encontrando-se num patamar de inacessibilidade que, aliás, é transposto de forma ainda mais significativa para a forma como nos relacionamos com aqueles que curiosamente escolhemos para nos representar.

Ora não querendo entrar em matérias cuja natureza não remete directamente para a lógica dos roteiros importa, nesse caso, procurar dar a conhecer a circunstância de que, de facto, quase todos os locais onde os referidos órgãos de soberania têm assento são visitáveis.





Não vale isto por dizer que o acesso a tais locais é imediato e não requer alguma demanda da parte de quem esteja interessado em conhecer estes espaço, posto que em quase todos os casos é necessário agendamento prévio, na medida em que como parece mais ou menos óbvio mais do que locais em funcionamento permanente, são sobretudo locais onde não seria razoável admitir ser possível circular sem qualquer controlo de segurança.

Assim sendo o roteiro de hoje há-de circular entre a Presidência da República e o Parlamento.

No primeiro dos casos, o mais emblemático dos locais visitáveis corresponde ao famoso Palácio de Belém, carregado de simbolismo de tantas são as vezes que nos habituamos a ver aquele local na televisão e por onde passam quase diariamente as mais altas individualidades quer de Portugal quer dos países com que Portugal tem relações.

Trata-se de um belíssimo palácio, ricamente decorado, cheio de simbolismo e onde são notórias as marcas que cada presidente deixou por ali ficar, não obstante quase nenhum deles escolher este local para propriamente habitar, como aliás o poderiam fazer de pleno direito.

Não sendo possível a recolha de fotografias no seu interior - o que se estranha, por se tratar de um dos locais mais fotografados e filmados de todo o país - teremos de nos ficar pelo mero exercício de sugestão visual, algo que não será necessário em relação aos igualmente belos jardins, cuidadosamente tratados, sempre vigiados pelos agentes da autoridade.

No final da visita ao Palácio sugere-se igual visita pelo Museu da Presidência, o qual fica precisamente no mesmo espaço, local onde se encontram guardadas as memórias de mais de 100 anos de regime presidencial, nomeadamente as inúmeras e ímpares recordações que cada um dos Chefes de Estado recebeu de oferta de seus homónimos ou de outros representantes de Estado.

Numa outra zona bem distinta fica o outro pólo da Presidência da República, mais exactamente em Cascais, no Palácio da Cidadela desta cidade, uma fortificação onde hoje funciona em paralelo uma pousada, mas onde é igualmente possível visitar um palacete do tempo dos Reis, que funcionava então como casa de férias, e que assim continuou já depois da implantação da república.

Tendo caído em desuso durante o período do Estado Novo veio a ser recuperado já em anos recentes, sendo o acervo actual quase todo constituído por obras que integravam as reservas de outros museus, nomeadamente o Museu Nacional de Arte Antiga.

Não se julgue, contudo, que a harmonia e a coerência do espaço ficam a perder com esta aparente falta de ligação dos objectos a esse mesmo espaço, pois em momento algum essa situação transparece a quem visita o palácio.

Diga-se, a propósito, que o Palácio da Cidadela de Cascais parece ao olhar de quem o visita, como facilmente habitável, e com razão na medida em que é muito frequente ser a residência temporária da personalidades quando em visita a Portugal.

Por fim, o roteiro pelos órgãos de soberania passará, inevitavelmente, pela casa da Democracia, o Parlamento, antigo convento, convertido em local de representação dos cidadãos através dos deputados eleitos para esse fim, ainda que nem sempre de forma evidente.

Sendo a entrada livre, como não podia deixar de ser, a visita percorre todos os espaços emblemáticos do Parlamento, incluindo a possibilidade de, por breves momentos, nos sentarmos nos mesmos locais que durante a semana são ocupados pelos deputados.

É um espaço muito distinto e cheio de elegância, destacando-se os famosos "Passos Perdidos" e uma espécie de hemiciclo mais pequeno, onde normalmente funcionam as comissões, mas curiosamente porventura mais interessante do que o local mais conhecido do Parlamento, aquele que diariamente entra pelas televisões.

Podemos "acusar", como se refere inicialmente, os órgãos de soberania de algum afastamento em relação aos cidadãos, mas o afastamento dos cidadãos em relação aos espaços que esses mesmos órgãos ocupam só pode ser imputado a quem podendo visita-los não o faz por opção própria. E é pena que assim seja.













segunda-feira, 27 de março de 2017

Roteiros - Um olhar pela Estrela

Existe um tipo de turismo para quem, como eu, procura de forma organizada locais que marcam uma qualquer cidade que, porventura, estará fora das cogitações da generalidade dos visitantes mas não estarão ausentes de uma certa curiosidade quase voyeurista de quem se habituou a caminhar por essas mesmas cidades à procura das suas principais marcas, mas igualmente daquilo que as distingue das demais.

Trata-se, por assim dizer, de um turismo alternativo, menos evidente certamente, que vai buscar a identidade histórica de cada local ao local onde repousam as suas grandes figuras, isto é, aos seus cemitérios.

Existem, pelo menos, duas referencias na Europa deste tipo de locais que se tornaram igualmente pontos de peregrinação para quem pretende antes de mais apreciar o contexto histórico deste tipo de locais ao invés de os julgar pelo seu carácter aparentemente mórbido.

Um desses locais é o cemitério "Père Lachaise" em Paris sendo o outro o Wiener Zentralfriedhof, o cemitério central de Viena, onde podemos encontrar referencias culturais da historia de cada um destes países, devidamente sinalizadas através de um mapa que nos guia por estes quase intermináveis espaços, quais cidades onde já ninguém vive.

Outros exemplos de cemitérios famosos são aqueles que guardam a memória daqueles que morreram em guerras, sendo normalmente espaços ajardinados que impressionam pela sua dimensão e pelo numero incontável e indistinto de cruzes que sinalizam as igualmente incontáveis mortes causadas pela ação auto-destruidora do Homem.

A região da Normandia é, neste especto, um dos melhores exemplos desta marca que envergonha, ou deveria envergonhar, todo o ser humano.

Tendo-me distanciado geograficamente da cidade de Lisboa importa a ela voltar fazendo a ponte sobre este mesmo tema, na medida em que também é possível encontrar um local que, embora de dimensões consideravelmente menores, apresenta uma contextualização histórica que justifica a visita a um cemitério, no caso vertente o cemitério dos Prazeres.

Este local é um verdadeiro ponto de encontro da memoria cultural, arquitectónica e politica de Portugal, onde é possível verificar que ali jazem grandes vultos da arte, seja qual for a sua forma, inúmeros registos de políticos da maior relevância histórica, seja no período da monarquia seja na forma seguinte, a republicana (entre os quais mais recentemente do Dr. Mário Soares), quase todos eles sob autenticas obras-primas de arquitetura, com a assinatura de alguns dos mais relevantes arquitectos de Portugal, não faltando inúmeras referencias à Maçonaria que, até ali, desperta a curiosidade sobre a simbologia associada ao "secretismo" sempre associado a esta organização.

Bem perto deste local encontramos um dos ex-libris da capital, a Basílica da Estrela, um imponente local católico, cujo interior impressiona pela sua dimensão e beleza dos seus mármores e pinturas, ao estilo barroco e neoclássico embora tenha sido construído no ultimo quartel do século XVIII, onde não falta um grande órgão e até mesmo o famoso presépio de Machado de Castro.

No exterior (e no interior) a imponente cúpula destaca-se no conjunto arquitectónico geral.

Mesmo em frente à Basílica existe um pequeno mas bastante rico jardim, "decorado" com variadas espécies arbóreas, cujas longas raízes antecipam a sua vetustez e onde também não falta o lago central onde se banham algumas aves características destes espaços, onde em tempos não muito distantes não era possível circular sem as necessárias cautelas devido a uma frequência menos adequada deste espaço, algo que aparentemente já não se verifica atualmente.


Como não podia deixar de ser a sugestão gastronómica termina o presente roteiro e, por isso, mesmo o restaurante Bota Velha, bem junto à Basílica, serve petiscos bons e variados a um custo simpático.





 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Roteiros - O charme de Cascais

Devolvendo os caminhos destes roteiros a geografias não muito distantes da cidade de Lisboa, pareceria improvável senão mesmo inaceitável não incluir nos mesmos parte daquilo que uma das mais belas vilas de Portugal tem para oferecer, situada no preciso local onde termina a não menos conhecida marginal de Lisboa, esse pedaço de estrada que acompanha o imenso oceano atlântico entre a foz do Tejo e a dita vila, que já se percebeu, dá pelo nome de Cascais.

 

Apreciar aquele imenso mar que banha a vila de Cascais, o seu charme e elegância ou a possibilidade de passear pelas suas ruas seria em si mesmo um convite a um roteiro que poderia dispensar a visita a locais culturais pré-determinados e, diga-se, será precisamente isso que atrai tantos turistas a este local, e nem se diga que será por se tratar de uma zona acessível a todas as carteiras, algo que já nem é novo nem recente, posto que já os nossos reis a frequentavam durante os seus períodos de férias.
 

Mas como estes roteiros não "vivem" sem referências museológicas não fará sentido terminar este dia por aqui, como se aquilo que antes se referiu se bastasse a si mesmo para o objectivo subjacente a estas linhas.

 

Por isso mesmo o roteiro teve início numa curiosidade pessoal, dita desta forma por corresponder a um local pelo qual tantas vezes havia passado, admirado a sua beleza exterior e intrigado pelo seu interior.

 

Refiro-me ao Museu Condes Castro de Guimarães, situado no denominado Quarteirão dos Museus - uma interessante forma de organização cultural bastante comum noutros quadrantes - onde emerge um imponente palácio de cor amarela, ladeado por um riacho e por um bonito jardim onde, aliás, podemos encontrar os túmulos da família que dá o nome ao palácio e que durante anos ali viveu.

 


Importante mesmo era então matar a curiosidade sobre o seu conteúdo e, diga-se, esse mesmo conteúdo é inteiramente merecedor de uma visita.


 


Trata-se de um espaço que é o resultado da vontade dos seus ilustres e abastados donos em dispor de uma coleção de obras de arte que, ainda que não obedecendo a um critério facilmente associado a único período ou estilo é, antes de mais, a expressão de um extremo bom gosto, a que não falta sequer um bonito órgão de igreja cuja instalação "obrigou" à eliminação do primeiro andar da sala de estar, demonstração clara de uma certa ostentação que deveria fazer as delícias de quem visitava, noutros tempos e noutro contexto bem distinto, aquela família.

 


Hoje em dia o espaço é gerido por uma fundação e, ironia do destino, debate-se com alguns problemas financeiros que impedem algumas obras de conservação do espaço, nomeadamente ao nível do telhado.

 

Admito perfeitamente que o facto de para muita gente este espaço ser muito mais associado à curiosidade exterior do próprio palácio sem uma percepção de que o mesmo é visitável acabe por afastar muitos turistas, nacionais ou não o que, a confirmar-se, constitui naturalmente um sério revês à sustentabilidade futura deste belo museu. Espera-se que não.


 


Bem perto deste museu podemos encontrar dois espaços que se encontram de certa forma interligados e que justificam ambos a curiosidade da visita.


 


Refiro-me em primeiro lugar à Casa de Santa Maria, um exemplo da arquitetura do mestre Raúl Lino, autor da mesma, situada na confluência do oceano com o riacho anteriormente referido.

 


Não sendo especialmente rica em decoração - não tem qualquer "recheio" - é particularmente interessante em função dos seus azulejos e pinturas de parede e, sobretudo, no andar superior uns tectos decorados ao estilo de algumas igrejas, com belíssimas pinturas que tornam este espaço numa descoberta que merece ser visitado.


 

Um pouco mais ao lado encontramos o Farol de Santa Maria de onde podemos observar o oceano em todo o seu esplendor e bravura, razão fundamental para existência deste mesmo farol, com a sua ancestral função de alerta das embarcações que ainda hoje por ali navegam, cruzando o mar em direção ao rio Tejo.

 

Não muito distante deste local a proposta deste novo roteiro passa pela visita à denominada "Casa das Histórias", espaço dedicado exclusivamente à artista Paula Rêgo, que desde logo apela aos sentidos por via da forma invulgar da respectiva arquitectura cuja inconvencionalidade acaba por ser coerente com a própria obra desta pintora.


 


Devo, contudo, confessar que o número de obras alí expostas deixa um certo travo de desilusão, por ser manifestamente pouco vasto, tendo em conta o volume da referida obra, algo que creio estar relacionado com a perda de apoios estatais à Fundação que suporta este museu.


 

Ainda assim é possível observar um conjunto de obras - todas elas subordinadas às ditas "histórias" - bastante interessante e sem dúvida representativas da forma peculiar de abordar essas mesmas histórias. 

 

Feitas as visitas programadas e porque o dia era sobretudo reservado a curiosidades assim haveria de acabar ao sabor de um excelente Irish Coffee num bar em plena marina de Cascais, que chama atenção por lembrar outras paragens, nomeadamente os típicos bares ingleses, quer na sua típica apresentação exterior quer sobretudo pelo seu ambiente interior, de seu nome John Bull que, segundo nos informam, faz agora meio século que ali se instalou.


 


Haveremos de voltar a Cascais noutro contexto, mas sempre com o mesmo objectivo, conhecer e dar a conhecer um novo roteiro.