domingo, 27 de julho de 2014

BES Run Challenge Costa da Caparica

A terceira etapa do BES Run Challenge levou-me até à praia da Caparica embora não fosse necessariamente para ali tomar um banho, mas sim para dar continuidade ao desafio das quatro provas que compunham a totalidade do Challenge.  


O facto mais relevante era, contudo, o da prova se realizar no meu dia de aniversário pelo que tive direito a um convite especial da organização para poder usufruir do espaço VIP o que foi, no mínimo, simpático.


Para além disso recebi igualmente um dorsal especial alusivo ao dia.





No final das contas o calor acabou por "atrapalhar" um dia perfeito resultando numa classificação aquém das expectativas, ainda que dentro da primeira metade (lugar nº 1009 entre 2169 participantes) com um tempo oficial de 00:53:20 (apesar de um belo tempos aos 5kms) e o lugar nº 206 entre 367 atletas do  escalão V40.  
Fica apenas a faltar uma prova para completar a tetralogia. Agora será em Lisboa.




domingo, 6 de julho de 2014

BES Run Challenge Sintra

A prova "rainha" deste circuito de 4 provas. 


Um trajecto espectacular com passagem pelas principais referências turisticas de Sintra que, para quem conhece o local, significa um trajecto quase sempre a subir com inclinações significativas, incluindo duas subidas ao Palácio da Pena.



A parte final, apesar de ser a descer de forma quase vertiginosa e sob paralelos para São Pedro de Sintra permitiu recuperar algum do tempo perdido no quilometro anterior.


O objectivo de ficar abaixo da hora foi cumprido, com um 859º lugar entre 2123 participantes e o lugar 181 entre 369 no escalão V40, com um tempo oficial de 00:58:31.

A próxima prova promete ser mais tranquila e junto ao mar....

domingo, 15 de junho de 2014

Last but not least

É justo que referir que algumas das coisas boas que nos vão sucedendo resultam, de forma antagónica, de uma boa discussão e foi, precisamente nessa base que, há cerca de quatro anos atrás, a ânsia de escrever teve o seu inicio, materializando-se em forma de blogue, porventura uma das formas mais livres de comunicação.

Da referida discussão surgiu a "necessidade" de semanalmente transmitir - seguindo uma metodologia de publicação dominical - tudo aquilo (ou boa parte) daquilo que é a minha visão sobre este Portugal, com uma boa dose de análise política - sem ser uma escrita política - mas também sobre o tudo aquilo que nos rodeia, com uma especial incidência nos temas da cidadania e da cultura, enfim, sobre um conceito próprio de Sociedade.

A preocupação maior foi sempre a de reflectir e fazer reflectir sobre cada um dos temas, afastando-me - sempre que possível - de tudo aquilo que já era objecto de análise da generalidade dos cronistas, constituindo esse o meu maior desafio semanal, isto é, evitar a repetição, facilmente confundível com o mero plágio.

Desta forma de perspectivar a crónica, resulta necessariamente algo a que aludi nas apresentações dos livros que "nasceram" das sucessivas crónicas, isto é, um crescimento exponencial da exposição das convicções pessoais e, por arrastamento, à critica sobre as mesmas.

Tal nunca foi, ainda assim, uma preocupação que transcendesse uma preocupação "maior" de escrever com o maior rigor possível e, tarefa quase impossível, de forma preferencialmente isenta, sem deixar em momento algum que a abstracção pudesse criar uma sensação de inocuidade, como se dessa forma quisesse evitar uma exposição pessoal algo que, manifestamente, não era meu objectivo.

Aliás, os livros acabam por ser a consequência "lógica" dessa vontade de partilhar de forma talvez ingénua - reconheço - tudo aquilo que parecia agora demasiado pequeno para se circunscrever à blogosfera, algo a que as quase 10000 visualizações de página pareciam obrigar, ainda que com plena convicção que o risco de falhar seria substancialmente acrescido a partir do momento em que fosse dado este novo passo.

Contudo, esse risco só deixa de existir quando se opta por não tentar, como se dessa forma se procurasse evitar a consequência de algo cuja causa próxima já não era possível ignorar.

Por isso mesmo, a noção de que tudo aquilo que teve um principio terá, infalivelmente, um fim, resulta também de uma análise interior de que não se encontrando "tudo dito" não fará sentido tentar encontrar de forma mecânica algo mais para dizer.

É precisamente por esta perspectiva que, neste quarto aniversário do blogue e mais de 200 crónicas depois, chegou a "hora" de dizer adeus ou "até já", para que dessa forma possam livremente fluir novos desafios pessoais, sejam eles dedicados ou não à escrita.

Não obstante, há algo que fica para sempre e que, bem vistas as coisas, já "estava" comigo há muitos anos, sem porventura me aperceber de tal. Esse "algo" que fica é um gosto pela escrita que se juntou ao gosto pela leitura, sendo uma e outra agora inseparáveis.

O futuro fica "reservado" - como sempre sucede - para o que não conhecemos mas que gostamos de antecipar e, nesse aspecto, não duvido que haverá sempre motivo para uma "boa discussão" que conduza uma vez mais ao ponto de partida aguardando, como num cruzamento, que algo nos diga qual o caminho seguinte a percorrer, mesmo ignorando aonde o mesmo me irá levar. Assim vão as cousas.
  

domingo, 8 de junho de 2014

O fim do sonho

Muito sem tem dito e escrito a propósito do resultado das últimas eleições europeias, seja ao nível interno seja ao nível dos países-membros da União Europeia e, de um modo geral, parece ser notório o sentimento de preocupação relativamente à grande conclusão que é possível tirar desses mesmos resultados, ou seja, a ascensão "meteórica" dos denominados partidos "euro cépticos" e dos partidos extremistas, sejam eles de direita ou esquerda.

Sobre este tema a minha conclusão é simples: as eleições do passado dia 25 de Maio ditaram o inicio do fim da União Europeia tal como a conhecemos, restando apenas saber que Europa "existirá" quando novamente os europeus forem chamados a um novo escrutínio daqui a 5 anos.

Aquilo que parece, contudo, continuar ausente das preocupações assumidas pelos principais lideres europeus é perceber a "natureza" do sentido de voto - e foram tão poucos os que o fizeram - em quase todos os territórios e tal só se compreenderá porque parte da insatisfação reside precisamente na actuação desses mesmos líderes.

Por isso mesmo a conclusão de natureza eminentemente pessimista sobre o futuro da Europa reside numa dupla perspectiva que, como tantas vezes sucede, remete para uma causa e uma consequência, ou seja, a segunda é a razão directa da primeira.

A causa maior que é possível retirar resulta do comportamento das instituições europeias e dos governos de cada um dos estados na gestão da crise financeira de 2008 e os efeitos devastadores globais da mesma mas que, de um modo geral, parece ter sido ultrapassada de forma mais célere um pouco por todo o lado do que na União Europeia, precisamente o espaço onde supostamente estariam criadas as condições para que sucedesse precisamente o oposto.

Não foi, contudo, esse o resultado, e num ápice a crise financeira tornou-se numa crise de dívida pública, originando a quase impossibilidade de pagamento ou refinanciamento dessa mesma dívida sem a ajuda de terceiros, levando à necessidade de intervenção externa por parte de um triunvirato de credores que haverá de ficar conhecido para sempre como "troika".

A incapacidade de resposta imediata da União Europeia só teve uma forma de reacção a partir de 2010 quando se tornou evidente que o denominado "efeito de contágio" haveria, mais tarde ou mais cedo, de atingir as mais importantes economias europeias, tornando inviável a manutenção do Euro.

Sucede, porém, que a "cura" encontrada foi a aplicação de medidas de austeridade generalizada - com especial incidência nos países intervencionados - levando a um crescimento da sensação de insatisfação das populações, uma vez que tais medidas incidiam especialmente sobre o denominado "estado social".

Essa insatisfação foi o resultado "natural" do aumento exponencial do desemprego, ausência de investimento fruto de uma redução brutal do consumo, elevadas restrições ao crédito por via das elevadas perdas do sector bancário, entre muitas outras consequências altamente lesivas do bem-estar dos cidadãos, algo que pareceria impensável num espaço que, afinal de contas, deveria ser de União e, sobretudo, um espaço solidário.

Este efeito associado à fragilidade da Comissão Europeia (e do seu presidente), da aparente inacção do Parlamento Europeu e a inquestionável ausência de uma politica comum para as principais questões e conflitos fora do espaço europeu, criaram um "caldeirão" que tem historicamente o mesmo resultado e que, na prática, se traduz na consequência inicialmente referida.

A instabilidade política e as situações de insatisfação social devido ao aumento do desemprego e dos níveis de pobreza foi sempre o "campo fértil" para o ressurgimento de movimentos populistas que se apresentam normalmente no lado oposto ao poder "tradicional", não por via de um programa político consistente mas precisamente por colocarem a incidência do seu discurso contra esse mesmo poder, mas não só.

Centram igualmente a sua acção politica no ataque a questões como a emigração, retomando a "lógica" do inimigo comum que se sabia existir mas a quem não se conhecia (ou se quis ignorar) a força que poderia passar a ter numa circunstância como a actual.

As mais recentes medidas políticas tomadas pelas líderes da UE e, em especial, do BCE, contribuíram uma uma retoma económica que tarda em reflectir-se na realidade do cidadão europeu e, por isso mesmo, os seus eventuais efeitos positivos não se reflectiram de forma alguma na altura de votar.

Porque é que então o futuro da União Europeia está comprometido? Simplesmente porque por um lado deixou de haver uma maioria clara que eleja um líder forte e carismático para a Comissão Europeia nos próximos 5 anos e, por outro, não é sustentável uma lógica de união quando uma parte substancial dos deputados eleitos se auto-denomina anti-União Europeia.

O que seguirá será a necessidade de intervenção imediata da Comissão Europeia, que agora surge a falar abundantemente de combate ao desemprego, na resolução dos problemas sociais criados pelas políticas de austeridade face ao "peso" crescente da ala extremista no Parlamento Europeu que centrará precisamente o seu discurso na denuncia desses mesmos problemas.

O "resultado" desta equação ditará não apenas a viabilidade futura da União Europeia mas, mais relevante ainda, a manutenção da paz na própria Europa, porque a última coisa que podemos esquecer é que o último grande conflito mundial surgiu precisamente após uma crise económica da qual resultou a ascensão dos extremismos. Nada de novo, portanto. Assim vão as cousas. 

domingo, 1 de junho de 2014

Nero revisitado


Sem quaisquer “floreados” estilísticos sobre a síntese que se poderá fazer relativamente às conclusões do último acto eleitoral para o Parlamento Europeu, é minha convicção que as recções que se seguiram a esse mesmo acto justificam, num duplo sentido, todo o afastamento que se verifica entre os cidadãos e as instituições europeias e, em particular, entre tais cidadãos e os políticos que os representam.
Seria expectável que, num tal momento, as forças partidárias – nomeadamente as principais - procurassem reflectir sobre a causa da redução da sua base eleitoral numa bastante evidente “troca” de votos para correntes de discurso extremista e antieuropeísta – ou eurocético, conforme melhor aprouver a cada um – ou ainda a razão pela qual os dois partidos que sustentam o Governo obtiveram o pior resultado de sempre desde que o regime é democrático (com a particularidade de que o CDS provavelmente não teria eleito qualquer eurodeputado se tivesse concorrido sozinho se efectuada a devida ponderação eleitoral dos votos na coligação).
A verdade é que nada disso se passou, pois todo o foco mediático rapidamente se deslocalizou para o partido vencedor das eleições o qual, feitos os discursos de vitória, rapidamente se viu envolvido numa disputa interna do poder, normalmente mais associado a um qualquer partido que tenha perdido a disputa eleitoral.
O triste espetáculo que se seguiu e continuará a seguir-se à noite do passado Domingo teve como epicentro uma manifestação por parte do Dr. António Costa não de forma clara para liderar o partido mas de que estaria “disponível para assumir responsabilidade”, presumindo-se que uma e outra coisa queiram dizer precisamente o mesmo mas, também aqui, os políticos insistem em utilizar uma verbalização não comprometida nem comprometedora para si próprio, deixando a cada um também a disponibilidade para as interpretarem como bem entenderem.
Desta manifestação até à convicção de que estaria instalada uma espécie de “guerra interna” ou “tentativa de golpe de estado” entre as diversas facções dentro do Partido Socialista (PS) foi apenas um ápice.
Ao invés de procurar capitalizar a vitória eleitoral, o PS “conseguiu” em poucas horas auto-derrotar-se eleitoralmente, à luz de um resultado eleitoral que não sendo esmagador havia, ainda assim, sido superior ao da totalidade dos votos na direita tradicional e que, em bom rigor, atinge precisamente os mesmos resultados que, 5 anos antes, haviam dado a vitoria ao PSD – então na oposição – e a derrota ao PS – então no Governo – sem que se tenha colocado em causa a legitimidade do então candidato a Primeiro-Ministro Dr. Pedro Passos Coelho por uma vitória que naquela altura como agora não poderia ser catalogada de “histórica”.
O “comportamento” das principais figuras dentro do PS tem sido, sem que provavelmente se apercebam de tal facto, de auto-flagelação, permitindo aos seus adversários “chegar” a duas possíveis conclusões: ou o actual líder não tem “mão” no partido ou a imaturidade revelada no momento da vitória é ela própria a confirmação que o PS poderá não estar ainda em condições de regressar ao poder, isto é, de governar.
O tacitismo das facções internas e o oportunismo em causa própria de um proto-candidato, não sendo exclusivas do PS, revelam algo que é por demais evidente, a militância partidária é, antes de mais, uma soma de interesses próprios não necessariamente alinhados com a causa única dessa mesma militância, ou seja, a conquista do poder, algo que necessariamente pressupõe a luta por uma causa comum e a união à volta dessa mesma causa.
Percebe-se, desta forma, a razão pela qual as pessoas deixaram de acreditar nos políticos e começam a “desviar” os seus votos para outras forças partidárias que, podendo até não dispor de qualquer programa de governo ou estrutura militante que o suporte, baseiam precisamente o seu discurso na (pelo menos aparente) lógica contrária a tais políticos. No fundo, as pessoas preferem – e isso é perfeitamente entendível – quem, pelo menos nas palavras, lhes dedique um pouco mais da sua atenção e um pouco menos da sua própria ambição. Assim vão as cousas.

domingo, 25 de maio de 2014

Minimalismo

Na semana que agora termina os europeus e os portugueses de uma forma muito particular tomaram conhecimento do chumbo em referendo por parte dos suíços de uma proposta legislativa que propunha o aumento do salário mínimo nacional para um valor equivalente a 3.300 euros ou, dito de outra forma, a possibilidade de alguns dos seus habitantes passarem a usufruir do maior salário mínimo nacional do Mundo!

O "espanto" desta notícia em Portugal dever-se-á, sobretudo, ao facto de actualmente se encontrar em discussão o possível aumento dessa mesma referência de salário para 500 euros, processo que entre avanços e recuos parece agora destinado a conhecer alguma viabilidade futura, muito à custa do período eleitoral "preenchido" que se avizinha, transformando o assunto num novo tema de debate político quando, a meu ver, o mesmo deveria estar sempre à margem das questões politico-partidárias.

Essa convicção carece, portanto, de ser explicada e, talvez a melhor forma de o fazer é tentar perceber porque é que este salário de que tanto se fala é, afinal de contas, "mínimo".

Para tal é necessário começar por se perceber que este conceito não existia até 1974 momento a partir do qual se passou a entender que legalmente não seria admissível um qualquer funcionário ser pago por um valor abaixo daquele que viesse a ser definido administrativamente.

O objectivo dessa medida era o de fazer cessar (ou pretender fazer cessar) duas desigualdades sociais recorrentes, por um lado eliminar as situações de exploração no trabalho e, por outro, a desigualdade de remuneração entre homens e mulheres ou entre trabalhadores novos e mais antigos, algo que era muito evidente sobretudo na actividade industrial.

Ou seja, o conceito de salário mínimo tem na sua génese um base de justiça social mas igualmente uma convicção que o valor definido nessa base representa ele próprio o mínimo considerado como aceitável numa Sociedade para garantir as condições mínimas de vida e de subsistência reduzindo dessa forma, presume-se, a pobreza, algo que a nova Constituição democrática de então se apressou a consagrar no seu artigo 59º com parte das incumbências do Estado.

Não falta neste como noutros temas quem defenda os prós e os contras da existência de um salário mínimo e mesmo sobre a sua eficácia, discussão essa que presumo venha a perpetuar-se no tempo, sem que daí decorra sequer necessariamente um mal especial.

O problema, contudo, é que se esta discussão pode assumir um carácter quase empírico na Suiça que dispõe de um dos maiores níveis de vida do planeta e onde existe formalmente um salário mínimo, a questão ganha outros contornos se analisada à luz da realidade portuguesa que formalmente apresenta um cenário de manifestas desigualdades sociais na vertente da distribuição dos rendimentos ou, para um melhor entendimento, em que a distância (ou fosso) entre os mais ricos e os mais pobres é mais acentuada, sendo mesmo uma das mais elevadas de todo os espaço da União Europeia (*).

Para alguns, este efeito de desigualdade será expectável e provavelmente aceite como natural numa economia competitiva (ou de mercado) mas, para outros, este facto é simplesmente inaceitável numa sociedade justa e equitativa.

Nem o será, tão-pouco, à luz dessa mesma competitividade, porque ela própria deve assentar antes de mais em factores em que o custo do trabalho deve ser proporcional ao nível de competência de um qualquer trabalhador e, nessa medida, a lei da oferta e da procura deveria (previsivelmente) inverter a lógica habitual, ou seja, a concorrência deveria levar a um aumento do nível salarial tendo em vista a manutenção dos quadros mais qualificados na empresa e não a sua substituição por um mão-de-obra mais "barata".

A infeliz e recorrente associação deste conceito de "mão-de-obra barata" à maior ou menor competitividade do país é, em si mesmo, uma falácia, uma vez que ela deve assentar antes de mais em factores como a inovação, qualificação e qualidade do produto (entre outros) algo que, curiosamente, algumas empresas que haviam deslocalizado as suas unidades de produção para o continente asiático - paradigma deste conceito - parecem estar agora a perceber ao regressar ao "local de partida" precisamente o menor custo de produção raramente compensa a ausência dos factores atrás referidos.

A questão do salário mínimo representa, portanto, uma questão de dignidade pessoal, de um patamar mínimo que separa a qualidade de vida (mesmo que ela própria mínima) e a pobreza e, por isso mesmo, nunca deveria constituir uma "arma de arremesso político" numa qualquer Sociedade e, em especial, numa Sociedade especialmente fragilizada como a Portuguesa sobretudo porque, aqueles que o fazem, jamais souberam ou previsivelmente saberão o que significa sobreviver (e não viver) com uma tal coisa de salário mínimo. Assim vão as cousas.

domingo, 18 de maio de 2014

Manifesto(-me)

Como quase sempre sucede, é no final da "festa" que se faz o respectivo resumo, isto é, uma espécie de balanço daquilo que ficou para trás, normalmente com uma divisão relativamente simplista entre aquilo que correu bem e aquilo que correu menos bem, se quisermos relativizar a sua importância ou, não sendo esse o caso, ir logo direito ao assunto e perceber, de facto, o que correu mesmo mal.

Por isso mesmo não é de estranhar a sucessão de "resumos" sobre o resultado prático da intervenção da troika em Portugal, nomeadamente o impacto da implementação das medidas constantes do memorando que determinou as linhas essenciais da sua "estadia" em Portugal ainda que, porventura legitimamente", se vá afirmando que o dia 17 de Maio terá apenas correspondido à data formal de saída mas que, de forma mais ou menos visível, por cá andarão mais algum tempo.

Não sendo meu propósito efectuar uma tal análise, pretenderei unicamente situar-me num dos pontos certamente mais complexos desse mesmo período que será aquele que remete para o custo dos juros da dívida pública directa, suportados anualmente pelo Orçamento de Estado, e que resultam do facto extraordinário dessa mesma dívida pública se situar actualmente em cerca de 130% do PIB o que, em termos práticos configura uma subida de 56pp desde 2008, ou seja, o ano em que deflagrou a crise internacional.

Significa isto, em termos práticos, que boa parte da dose de esforço que os portugueses genericamente tiveram de suportar em consequência directa da necessidade de intervenção externa serve, não para o equilíbrio das contas públicas, mas sim para suportar o custo dos juros da dívida pública os quais, para que se perceba exactamente a que é que correspondem numa representação numérica a 7.239 mil milhões de euros só no corrente ano ou, dito de outra forma, representa um valor que é superior ao Orçamento de Estado da Saúde ou da Educação.

Ora, sobre esta questão da maior relevância surgiu há não muito tempo um movimento reconhecido por uma designação numérica correspondente ao número de subscritores do referido movimento que sinteticamente afirmava que, tal como está, a dívida pública não é simplesmente sustentável, ou seja, não é passível de ser paga no curto, médio ou longo prazo e, nesse sentido, propõe um conjunto genérico de princípios que têm como pressuposto a necessidade de reestruturação da dívida.

Esse tal manifesto foi imediatamente "alvo", como habitualmente em Portugal, de uma série de "ataques" ao seu conteúdo, transformando-o rapidamente em mais um argumento de querela politico-partidária que, no essencial, mais não fez do que afastar a discussão sobre o tema, admitindo que parte significativa daqueles que o fizeram não tenham, sequer, efectuado uma leitura do documento que, afinal de contas, não tem mais do que 3 páginas.

Não foi esse o meu caso, pois entre a opção de ser desmentido pela realidade e o de passar por ignorante, "prefiro" em qualquer dos casos a primeira opção e, por isso mesmo, não tive outro remédio que não fosse o de ler um documento que, entre os epítetos de "masoquista" e "inoportuno" ou, no pólo oposto, de documento de "bom senso", parece estranhamente (ou não) ter caído em pleno esquecimento.

Desta forma a análise que faço ao manifesto dividir-se-à em três critérios distintos que procurarei abordar de forma sucinta.

O primeiro critério será o da oportunidade, isto é, aquele que remete para o momento em que o manifesto foi tornado público e que, por coincidir com uma das ultimas avaliações da troika poderia conduzir a um entendimento de que Portugal não pretenderia simplesmente pagar a dívida.

A questão é que a noção de oportunidade não pode ser aferida por uma única parte, nomeadamente aquela a quem não interessa ser directamente questionada e, nesse sentido, não creio que a mesma possa fazer sentido, uma vez que concorde-se ou não com os princípios do manifesto a questão - a colocar-se - apenas faria sentido tendo em vista precisamente o período pós-troika.

Acresce a este facto que, numa democracia, o debate de ideias e de opiniões não está dependente do sentido de oportunidade de cada um porque é inerente a essa mesma democracia e, nunca é demais recordar, corresponde a um direito constitucionalmente garantido (vide artigo 37º), não me constando que os direitos constitucionais se encontrem suspensos, ainda que aparentemente não falte quem assim o quisesse.

O segundo critério é o da razoabilidade. É evidente que não "cai bem", nomeadamente perante qualquer credor, a perspectiva de que esse mesmo crédito possa não vir a ser pago no futuro ou que o custo acordado para esse mesmo pagamento possa ser inferior ao que seria expectável.

A questão é que nesta coisas como em quase tudo na vida, podemos ser enganados ou enganar-mo-nos a nós próprios, o que no caso vertente não significa nada mais do que algo que parece evidente a qualquer pessoa dotada de bom senso, isto é, do ponto de vista orçamental efectivamente a dívida pública só é "pagável" se, durante os próximos (largos) anos, forem criados excedentes orçamentais de tal ordem que, para que se perceba o enquadramento, nunca existiram em toda a história contemporânea de Portugal e não se prevêem futuramente em qualquer documento de estratégia orçamental conhecido ou mesmo nas perspectivas que regularmente são anunciadas, seja nos relatórios do Banco de Portugal, da OCDE, do FMI ou mesmo do próprio Governo.

Parece, pois, no mínimo razoável que se coloque a dúvida sobre a sustentabilidade da dívida pública e sobretudo a limitação ao próprio desenvolvimento do país, nomeadamente os sacrifícios que se torna necessário fazer para se pagarem os juros de um dívida que, em termos concretos, nunca mais é amortizada porque se "alimenta" a ela própria como novos juros...

O último critério que entendo dever referir é o que remete para a utilidade do documento. Para isso importa ter presente que o mesmo foi subscrito por individualidades situados entre a direita mais conservadora e a esquerda mais radical facto que, reconheçamos, não é exactamente o paradigma da politica portuguesa.

Mas não só, os seus subscritores são igualmente pessoas que de um modo geral ligados à economia, tendo alguns deles desempenhado o cargo de Ministro das Finanças ou da Economia (ou os dois) sendo pelo menos aceitável que se atribua a necessária margem de credibilidade às suas posições públicas, independentemente de maior ou menor grau de concordância com as mesmas, ao invés de imediatamente se questionar se na base do respectivo apoio ao memorando não estaria, por exemplo, um interesse próprio mais ou menos obscuro, nomeadamente a salvaguarda das suas próprias reformas.

A verdade é que a "juntar à festa" surgiram mais uma quantas personalidades, desta vez estrangeiras mas igualmente identificadas numericamente a dar o seu apoio a este manifesto, grupo este que era constituído exclusivamente por economistas (incluindo com cargos no FMI) a contestar os princípios da denominada "recessão curativa" ou da "austeridade expansionista" que, de acordo com os mesmos, são a causa e a consequência do agravamento da dívida pública e da actual crise social.

A utilidade subjacente ao manifesto e aos seus apoiantes será - ou deveria ser - o de, pelo menos contribuir para a discussão de um tema que parece gerar, por uma vez que seja, os tais consensos que alguns tanto gostam de apregoar mas que, pelos vistos, parecem menos dispostos a concretizar.

E, no entanto, a questão até pareceria "simples" e relativamente pacífica, bastando para o efeito a capacidade de perceber que na base da necessidade de auxilio externo esteve precisamente uma percepção de insustentabilidade da dívida pública do qual resultou o agravamento exponencial da capacidade de financiamento do Estado Português e que, com uma divida pública situada 56pp acima do referencial que determinou a referida necessidade, não será muito difícil imaginar que, a curto prazo, alguém volte a questionar essa mesma sustentabilidade. Assim vão as cousas.  

domingo, 11 de maio de 2014

Limpeza

A discussão sobre os méritos da denominada "saída limpa" em relação ao amplamente debatido sem que em bom rigor se tenha alguma vez sabido em que consistiria o "plano cautelar" parece encaixar na perfeição numa expressão utilizada pelo líder da bancada parlamentar do PSD que, conscientemente ou não, afirmou em tempos que "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor".

De facto, creio ser virtualmente impossível melhor sintetizar o resultados práticos das implementação das medidas previstas no memorando de entendimento, para além de todas aquelas que não sendo sequer referidas em tal documento foram sucessivamente sendo referidas como se de facto fizessem, como se essa mera referência fosse em si mesmo o seu próprio justificativo.

Não me deterei, portanto, na escalpelização dos diversos factores que no entender de uns serão motivo de regozijo e de acordo com outros corresponderá a uma profunda preocupação.

Interessa-me, isso sim, perceber em que motivo poderá numa qualquer circunstância ocorrer um tal momento em que um país possa estar "muito melhor" mas em que as pessoas que aí vivem "não está melhor".

À cabeça surge-me então a imagem de uma cidade em que, fruto das especiais circunstâncias, todas as pessoas que nela viviam morreram ou tiveram de a abandonar mas em que o facto de todas as casas se terem mantido intactas é o principal motivo de satisfação.

A analogia é necessariamente forçada mas ilustra, a meu ver, aquilo que parece traduzir a afirmação do Dr. Luís Montenegro.

A questão que parece escapar ao próprio é que não é possível equacionar um país melhor onde as pessoas estejam piores, simplesmente porque por definição são precisamente as pessoas a substancia de qualquer país.

São eles individual ou colectivamente que configuram a natureza de qualquer país, o garante do seu desenvolvimento ou a causa da sua regressão e, por isso mesmo, nunca uma realidade poderá dissociar-se da outra.

Ou talvez não, embora pelos piores motivos.

Existem, de facto, países reconhecidamente "ricos" mas onde a generalidade das populações vive abaixo do limiar da pobreza em que, porventura, a lógica do Dr. Luís Montenegro poderá ter alguma razão de ser.

Esses países são aqueles onde existem os maiores níveis de desequilibro na distribuição da riqueza, em que a produção do país é canalizada em favor de uns (poucos) e em desfavor de outros (muitos) que não beneficiam em nada com a riqueza produzida pelo seu próprio país.

Este cenário é particularmente evidente em países dotados de especiais riquezas naturais, todos eles situados fora da Europa, cuja fruição dessa mesma riqueza é do domínio exclusivo do poder dominante e de todos aqueles que o "alimentam" e dele são os principais beneficiários.

O "problema" é que não é este certamente o caso de Portugal que, no domínio das riquezas naturais, continua tão dependente nos "tempos que correm" como antigamente, por isso mesmo, não será igualmente por aqui que se perceberá em que medida se tornou possível a concorrência simultânea da melhoria do país em desfavor do empobrecimento geral.

O resultado desta equação encontra-se, provavelmente, na capacidade em responder a uma "simples" questão: porque é que em 2011 os mercados questionavam a sustentabilidade da dívida pública portuguesa e, três anos depois, esses mesmos mercados parecem não duvidar da sustentabilidade de uma dívida que se agravou substancialmente.

O que parece afinal ter mudado "para melhor" não terá sido exactamente o próprio País mas a percepção especulativa sobre as condições desse mesmo País, situação, aliás, da qual têm vindo a "beneficiar" a generalidade dos países periféricos, incluindo a cada vez mais endividada Grécia.

É que, contrariamente ao que o Dr. Luís Montenegro (entre outros) poderá julgar, o bem geral nunca poderá ser o resultado do empobrecimento progressivo do país. Assim vão as cousas.

domingo, 4 de maio de 2014

Um mundo à parte

À boa maneira da política portuguesa, as cerimónias do 25 de Abril na Assembleia da República (AR) ficaram marcadas, nos dias que as antecederam, por um diálogo pouco digno entre a Dra. Assunção Esteves e o Coronel Vasco Lourenço, a primeira como guardiã regimental dos preceitos parlamentares e o segundo como presuntivo guardião dos "valores do 25 de Abril" à luz dos quais pretenderia fazer uso da palavra no hemiciclo situação que, aparentemente, o regimento da AR não permite.

Deixando de lado um certa teoria conspiratória de que na base da recusa possa ter estado o incómodo dos partidos da maioria em escutar as palavras normalmente inflamadas e sobretudo dirigidas especialmente aos próprios por parte dos "capitães de Abril", interessa-me sobretudo remeter para esta questão do formalismo que norteia a intervenção pública na "casa da democracia" que, uma vez mais aparentemente, parece não admitir excepções.

No fundo, aquilo que parece relevante será perceber, afinal de contas, o que representará para uma parte substancial da população este local onde se encontram precisamente os seus representantes eleitos, começando precisamente por este aspecto.

Ora se em 1975 a abstenção eleitoral na eleição para a AR se situou em 8,5% - situação amplamente justificável pela "novidade" do acto para grande parte dos portugueses mas igualmente pela consequência lógica de se seguirem à revolução do ano anterior - já em 2011 (data das últimas legislativas) fixou-se em 41,9%, ou seja, em bom rigor e sem grandes "exercícios" de análise à realidade deste número, a verdade é que é líquido afirmar que os deputados da Nação "apenas" representam cerca de 50% dos cidadãos eleitores.

Daqui decorre um segundo aspecto que será o de perceber o motivo pelo qual 42% das pessoas com capacidade para tal optam por não contribuir para a sua própria representação no Parlamento e, nesse aspecto - entre muitos outros, certamente - releva a convicção que essa representação não tem uma concretização prática, na medida em que se por um lado os deputados sendo eleitos por círculos eleitorais não representam - à luz da lei eleitoral - os cidadãos desse mesmo círculo (como sucede, por exemplo, na Inglaterra) por outro lado, é perceptível a crescente convicção que o lugar de Deputado não será mais do que um cargo cujo principal beneficiário é o eleito e não o eleitor.

Esta convicção resulta da falta de transparência associada à actividade parlamentar, nomeadamente as relações despudoradas com sociedades de advogados ou formas igualmente menos perceptíveis de lobby, do qual resulta em termos práticos um trabalho legislativo "adaptado" a necessidades casuística e não necessariamente ao "bem comum", porventura expresso na forma como a justiça - que não faz mais do que aplicar as leis emanadas dos órgãos com competência legislativa - parece diferenciar-se entre ricos e pobres à luz da noção de que quem melhor saberá interpretar a lei será precisamente aquele que esteve na sua feitura. 

Um terceiro aspecto que considero relevante é o da "imagem" que os cidadãos têm da AR, desde logo pelo aspecto "despido" com que muitas vezes se apresenta o hemiciclo, não sendo suficiente "explicar" que estarão a fazer trabalho numa qualquer comissão ou noutros "afazeres" parlamentares.

Mas a esta "imagem" também podemos associar o "som", isto é, o despudorado ruído que existe permanentemente na AR por parte de Deputados que não estão a fazer o "uso da palavra" em direcção precisamente a quem o está a fazer nesse momento, seja com o irritante "Muito bem" ou o deselegante atropelo com o recurso aos denominados "apartes".

Em matéria de "som" será igualmente relevante que o silêncio que não existe o hemiciclo é escrupulosamente cumprido no que às galerias diz respeito, nas quais a absolutamente ninguém é permitido fazer um som, seja de aprovação ou de indignação, sendo que se o fizer será "convidado" pela Presidente da AR a sair daquele espaço, devidamente "acompanhado" por um agente de segurança.

Analisados todos estes pontos, aos quais certamente se poderiam acrescentar outros mais ou menos evidentes, resta a confirmação de algo que é cada vez mais evidente, isto é, a Assembleia da República está a tornar-se, de forma acelerada, num espaço de cada vez menor representação dos Cidadãos. Ora, se assim é, não deveria ser essa a principal preocupação regimental da AR e da sua Presidente? Aparentemente, não. Assim vão as cousas.

sábado, 26 de abril de 2014

O dia inicial

O momento mais patético da vida de um qualquer ditador é aquele em que o próprio perde a noção de que o seu "reinado" terminou, normalmente à luz dos tempos que conduzem ao fim dessa mesma ditadura.

Assim, se ficaram "famosas" as circunstâncias que levavam Hitler a julgar no interior do bunker onde - segundo rezam as crónicas - se haveria de suicidar, que a Alemanha ainda haveria de ganhar uma guerra à qual já se havia nessa altura rendido, também Salazar julgou até ao momento da sua morte que ainda conduzia os destinos de um país que já lhe havia arranjado sucessor.

Ora essa tal personagem que lhe havia de suceder, carregou também consigo uma espécie de opus final quando, já no exílio, afirmou que o golpe de Estado do 25 de Abril foi o principio do fim de uma "nação que estava a caminho de se transformar numa Suiça".

Talvez seja então necessário perceber que Suiça era esta de que falava o sucessor de Salazar de forma a se perceber em que medida o Portugal de 24 de Abril de 1974 estaria próximo de se tornar num espécie de "estado-gémeo" daquele país da Europa Central.

A verdade é que a Suiça com que Marcello Caetano "sonhava" era, já nessa altura, um estado democrático, pacífico (fruto de uma política de neutralidade histórica), uma economia prospera e moderna, com uma muito baixa taxa de desemprego e um elevado nível de competitividade (devido à elevada formação e escolaridade da generalidade dos seus habitantes).

Sem dispor de riquezas naturais - excepto a água - e com um muito reduzido peso da agricultura, a Suiça tinha então (como hoje) um dos PIB's per capita mais elevados do mundo, baseado sobretudo no sector financeiro mas igualmente numa industria especializada em alta tecnologia.

Em suma, a Suiça era à data da revolução de 1974 - como hoje - uma das economias mais competitivas do Mundo.

Será então razoável admitir que um país que no final dos anos 60 se encontrava em situação de colapso económico fruto da politica de isolacionismo e do custo do esforço de guerra em África, onde parte significativa da população vivia uma situação de analfabetismo, em que uma percentagem ínfima frequentava o ensino secundário, onde a população era essencialmente rural destituída dos mais elementares parâmetros mínimos de competências, estaria de facto a "caminho de se transformar numa Suiça"?

Poderia uma das mais duradouras ditaduras da Europa ocidental pretender comparar-se em termos futuros com um Estado onde, por exemplo, vigora um dos exemplos mais completos de "democracia directa" a partir do qual as principais questões do país são decidas por via de referendo (algumas, aliás, bem controversas)?

A resposta é demasiado óbvia para poder ser contestada e por isso mesmo, não é de estranhar que precisamente fosse a Suiça um dos Estados de eleição da onda de emigrantes que por essa altura saíam do país em fuga de um regime ditatorial e de uma total falta de perspectivas futuras.

Ninguém, para além de Marcello Caetano, poderia perspectivar que o regime que o próprio ajudou a perpetuar, poderia ser algo mais do que um país muito mais próximo do 3º mundo do que qualquer outro Estado democrático europeu, os tais que nessa altura já se haviam distanciado desse mesmo regime.

Para perceber o distanciamento entre a realidade e  os motivos pelos quais a queda de um regime se havia feito sem o disparar de um único tiro e com o apoio generalizado da população, cito precisamente um realizador suíço - Lionel Baier - que afirmava então "Quando somos pequenos e suíços a democracia é coisa normal. Os primeiros que me fizeram ter consciência do preço da democracia foram os portugueses.".

Suprema ironia, os tais suíços em que supostamente nos haveríamos de tornar, tinham uma percepção mais lúcida da realidade do que estertorante regime.

Tal como tive ocasião de afirmar em dissertações anteriores, a realidade histórica será sempre o principal "inimigo" de todos aqueles que, por ignorância ou por mera incapacidade de acompanhar essa mesma realidade, pretendem nega-la a todo o custo, "construindo" uma realidade paralela que, tal como a Suiça de Marcello Caetano, apenas existe nas suas próprias cabeças. Assim vão as cousas.

domingo, 20 de abril de 2014

Aquele Domingo

O Domingo de Páscoa nunca teve para mim um qualquer significado especial, nomeadamente em relação àquilo que faz deste dia um dia de celebração para o mundo cristão.

Contudo, à minha mente ocorre sempre o facto deste mesmo dia coincidir - antigamente como nos dias de hoje - com um período de férias escolares que, quase sempre, eram passados em casa dos avós, pelo que a tradição de celebrar a Páscoa tem para mim um significado que não se "confunde" com a convicção que dá o mote a esta crónica.

De facto, a celebração do período Pascal era especialmente vincado nesses tempos idos da minha infância passados naquela remota aldeia do Distrito de Leiria e a solenidade do momento transformava aquele Domingo num momento em que a rotina se transformava totalmente.

Nesse dia o Sr. Prior haveria de fazer a visita à casa das pessoas e abençoar cada lar.

Num ápice tudo mudava e a informalidade típica de uma casa de aldeia transformava-se numa espécie de altar improvisado onde se aprimorava tudo aquilo que parecia quase irrelevante nos restantes dias.

Tudo parecia limpo como nunca.

As melhores roupas, aquelas que quase nunca saiam do armário e que se diria apenas os próprios se lembrariam da sua existência, pois à excepção dos momentos festivos de um casamento ou baptizado jamais tinham o uso para o qual haviam sido adquiridos, ganhavam neste dia o seu humilde esplendor.

Habituados a passar os dias num estado quase "selvagem", também a nós nos "calhava" a obrigação de vestir a roupa que tinha sido colocada na mala de viagem precisamente para aquele dia.

Os degraus da porta principal que não abria nunca excepto naquele dia e que dava para uma sala de refeições onde não me recordo igualmente de alguma vez ter comido ou jantado, era coberta com folhas de eucalipto por onde o padre da aldeia e os seus acólitos haveriam de passar.

Não obstante esta solenidade incaracterística, nada parecia forçado neste momento, mas sim parte de um hábito anterior à existência de todos aqueles que nele participavam, como se de uma herança se tratasse e que cada um dos lares estivesse "condenado" a perpetua-lo à luz de um profundo sentimento religioso que já então me parecia estranho mas que creio sempre ter compreendido.

Feita a bênção, era então o momento em que o Sr. Padre, essa figura tutelar de uma aldeia, objecto de um respeito absoluto que facilmente se confundia com o temor reverencial que define a linha entre a perdição e a salvação, dirigia umas breves palavras aos presentes, traduzindo os desejos de uma Santa Páscoa em que, quase sempre, a sua atenção acabaria por se dirigir para nós próprios, aqueles que ali se encontravam porque a interrupção da escola assim o obrigava.

Nunca soube o que responder às perguntas de circunstância que me eram dirigidas, apesar de não duvidar das respostas que era suposto dar. 

A reverência prestada àquela figura vestida de branco, os paramentos, o crucifixo ou mesmo a presença de pessoas que não conhecíamos de lado algum e que agora entravam por um porta sempre fechada e onde pessoa alguma acedia, de acordo com os bons costumes, sem ser convidada, a sala na qual não podíamos brincar, as roupas que pareciam transformar qualquer Diabo num Anjo, criavam apenas o efeito do silêncio apenas interrompidas pelo "convite" às respostas por parte das restantes pessoas que, invariavelmente, redundavam num pouco convicto "sim" ou "não" como se nada mais houvesse a dizer.

No final havia uma espécie de "troca" em que meia-dúzia de amêndoas distribuídas pelo Sr. Padre dava lugar a uma singela oferta dos avós para bem das obras na igreja.

Terminado o acto que apesar de tão preparado parecia apenas demorar um tempo ínfimo, voltava tudo à "normalidade", as roupas ao armário e a porta que se voltava a encerrar, provavelmente até ao ano seguinte.

Tudo era parte de um ritual, cumprido com convicção por toda a gente ao qual, querendo ou não, nos associávamos na certeza que, nessa altura, jamais poderia imaginar que um dia mais tarde e pleno de nostalgia, ainda haveria de escrever sobre isto. Assim vão as cousas.

sábado, 19 de abril de 2014

BES Run Challenge Cascais

Este ano decidi-me a enfrentar o desafio de participar nas 4 provas que compõem o BES Run Challenge, os quais têm uma extensão total equivalente a uma maratona, muito embora o prémio que estará destinando aos primeiros lugares não seja exactamente do meu "campeonato". 






Devo confessar que a minha disponibilidade para esta primeira prova com uma extensão de 12,195kms não era exactamente a melhor pela "concorrência" de umas condições meteorológicas totalmente adversas e uma forte dor de cabeça. 

























Por isso mesmo o meu "objectivo" era relativamente modesto e passava por  conseguir um tempo entre os 60 minutos e uma hora e cinco minutos. 


Nesse sentido, o objectivo foi cumprido com um tempo oficial de 01:04:23 (tempo do chip de 01:03:50) que haveria de corresponder ao lugar 1099 entre 2409 participantes e um 224 lugar entre 422 no respectivo escalão. 

O próximo Challenge será em Sintra e garantidamente não será sempre a descer....

domingo, 13 de abril de 2014

Memória selectiva

O (ainda) presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso "recordou-nos" recentemente, entre as muitas intervenções públicas com que tem "brindado" os portugueses nos últimos tempos - sem que se perceba exactamente em que contexto é que o faz - a "cultura de excelência do ensino" no Portugal antes da Democracia.

Poder-se-ia, desde logo, questionar se uma e outra coisa não serão em si mesmo contraditórias mas, fundamentalmente aquilo que parece escapar neste sentimento de súbita nostalgia do Dr. Durão Barroso é que se quase tudo na vida tende para a mudança, posto que o próprio também entendeu em momentos da sua vida, antes da sua "conversão" à social-democracia e às virtudes do capitalismo, que a via para a felicidade seria a do Marxismo-Leninismo, incluindo um "célebre" roubo de mobília da Faculdade de Direito de Lisboa.

Ora, se algo há que nunca muda, é que qualquer comparação minimamente credível só poderá ser aquela que permita comparar aquilo que é comparável e, de facto, o "exercício" de análise histórica do Dr. Durão Barroso peca, tal como o seu curto governo, por ser curta e sem qualquer relevância futura.

Para que um tal "exercício" pudesse ficar completo o Dr. Durão Barroso haveria de ter igualmente referido que a partir de 1926 a Educação foi precisamente uma espécie de inimiga do regime pois é certo e sabido que uma Sociedade instruída e culta tendencialmente mais facilmente irá questionar os fundamentos de um regime de natureza ditatorial, não sendo por isso de estranhar que o tal período de "excelência" fosse pródigo em analfabetismo e num conceito que ao povo bastaria "saber ler, escrever e contar".

Assim e ao mesmo tempo que as escolas se enchiam de crucifixos e da imagem do ditador, 39% das mulheres e 27% dos homens vivia em 1960 em estado de total analfabetismo e onde 80% da restante população apenas tinha frequentado o 1º ciclo, sendo que unicamente 1,3% acedia ao ensino secundário (*). Estas percentagens são, portanto, o reflexo da realidade do ensino em Portugal onde, por exemplo, não cabe sequer a Universidade, à qual apenas acedia uma ínfima parte da população.

Sou, portanto, forçado a concluir que a "excelência de ensino" de que fala o Dr. Durão Barroso era baseado num modelo de presumíveis excelentes professores, muitos dos quais impunham na sala de aula um regime de autoridade convencional nesse tempo baseada em princípios de violência física e moral, mas com poucos alunos para ensinar.

Tenho, por essa mesma via, de concluir que o sistema de ensino terá perdido a aludida "excelência" porque, por um lado, passou a ser acessível a todos os portugueses mas igualmente porque os métodos disciplinares até então aceites como "normais" se tornaram intoleráveis.

Não pretendo, de forma alguma, "esconder" o facto de existir nos tempos actuais uma tendência acentuada para o facilitismo, à qual não é alheia uma eventual menor preparação para o ensino por parte de alguns professores fruto da massificação do acesso à profissão e ao alheamento dos pais/encarregados de educação relativamente à exigência de maior rigor no ensino aos diversos "agentes" começando pelos seus próprios filhos/educandos.

Contudo, fundamentalmente, a situação actual não se deve, conforme parece pretender insinuar o Dr. Durão Barroso a um qualquer efeito perverso da Democracia sobre o ensino. Deve-se, antes de mais, à incapacidade do poder político em manter uma linha de orientação desse mesmo ensino que não "flutue" em função de critérios eleitorais ou de princípios mais ou menos liberais consoante o Governo em funções em cada momento.

A sucessão de supostas e quase sempre inconsequentes "reformas" do ensino em Portugal são a "fonte" única da actual da situação do ensino em Portugal e não a Democracia em si mesmo e, por isso mesmo, talvez o Dr. Durão Barroso devesse, antes de mais, questionar a manifesta redução da qualidade dos políticos em Portugal onde a excelência de personalidades como Sá Carneiro, Mário Soares, Ramalho Eanes ou mesmo Álvaro Cunhal foram progressivamente substituídos por um conjunto de políticos manifestamente medíocres, entre os quais o próprio Dr. Durão Barroso se inclui. Assim vão as cousas.

(*) Fonte: Pordata

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Meia-Maratona de Lisboa 2014

O maior e mais difícil desafio da minha "carreira" consistiu em, pela primeira vez na vida, percorrer uma distância de 21 kms em menos de 2 horas o que, em termos práticos, correspondia precisamente ao principal objectivo pessoal. 

Tendo a anteceder a prova uma série de 35 sessões de treino em 54 dias em principio estaria "garantida" a forma física necessária a esta distância embora nada nos prepare realmente para os 3/4 kms finais onde o esforço acumulado começa a fazer-se notar. 


Por isso mesmo o tempo pessoal de 01:58:36 correspondente a um 4335 lugar entre 9629 participantes e o 748 lugar entre 1418 atletas do Escalão 40 é, sem sombra de dúvida, o resultado de mais um desafio pessoal ultrapassado. 





domingo, 6 de abril de 2014

Ser ou não ser

"Tudo poderia ter sido outra coisa, e seria um elemento igualmente importante."
Tennessee Williams




Na minha qualidade de "amante" do cinema tenho, entre os muitos filmes que tenho oportunidade de ver a cada ano que passa, adquirido um especial prazer em poder desfrutar de algumas obras relativamente às quais a minha própria expectativa seria baixa ou mesmo nula, admitindo que o efeito contrário a uma tal expectativa seja aquilo a que se convencionou apelidar de "efeito surpresa".

Não está em causa, muitas das vezes, sequer a elevada qualidade cinematográfica das películas em causa como facto justificante da referida surpresa mas, de uma forma muito simples, o facto das mesmas nos obrigarem a reflectir sobre a mensagem que esse mesmo filme nos transmite ao ponto de, como é o caso vertente e não sendo sequer a primeira vez em que tal sucede, justificar uma dissertação sobre a referida mensagem, num exercício que, no fundo, é eminentemente pessoal ao ponto de se deslocar do enredo do próprio filme.

Foi este o caso do efeito que retive ao visionar um filme datado de 2009, chamado Sr. Ninguém, que passou discretamente pelas salas de cinema portuguesas no ano 2012, certamente "esmagado" como tantos outros pela catadupa de estreias semanais, quase todas elas sem qualquer interesse, seja ele objectivo ou subjectivo.

Ora, precisamente este filme poderá ser descrito como um ensaio sobre uma questão que, estou em crer, já terá sido colocada por todo e qualquer ser humano, independentemente da fase de maturidade em que se encontra, ou seja, a questão fundamental que só é possível de colocar após qualquer decisão tomada e que, sinteticamente, se resume a um "E SE?".

O referido filme utiliza, para o efeito, o exemplar caso de um homem que se apresenta como sendo o último humano mortal, num futuro longínquo, e que estando prestes a falecer faz uma espécie de retrospectiva da sua vida passada, mas que se revela incapaz de discernir qual tenha sido essa mesma vida.

Por isso mesmo, os episódios da sua vida são baseados na perspectiva do que teria sido a sua vida SE as suas opções tivessem sido umas e não outras, sem que o próprio tenha a certeza - nem o espectador - de qual tenha sido de facto o caminho que a sua vida levou, confundindo-se a realidade com um simples sonho.

Aquilo que para mim é então relevante é este exercício daquilo que é ou poderia ser a nossa vida SE em dado momento as nossas opções fossem outras que não aquelas que, consciente ou inconscientemente, todos acabamos por tomar.

Nesse sentido, a afirmação de que somos aquilo que sempre quisemos ser e nada se mudaria enquanto tal é algo que não é possível afirmar em absoluto, pois tal como a vida - imaginária ou não - do improvável herói de 118 anos do filme, todas as suas vidas possíveis continham momentos de felicidade mas ao mesmo tempo momentos do sentimento oposto, "dificultando" ainda mais a "escolha" sobre qual foi de facto a opção correcta na sua vida.

É relativamente fácil a cada um de nós perceber aquilo que teria "perdido" fossem outras as escolhas passadas porque a realidade confere-nos a possibilidade de poder avaliar a dimensão da referida perda. Situação diferente e bem mais complexa é o de pensar o que ficou por "ganhar" se as opções tivessem sido outras.

Este filme coloca-nos perante essa mesma questão e, no fundo, remete para algo que algumas pessoas gostam (ou preferem) afirmar de que "não se arrependem de nada" do que fizeram até ao momento. Nada mais falso. Haverá sempre algo de que nos arrependemos e relativamente às quais gostaríamos, SE fosse possível, de dispor de uma segunda oportunidade para o corrigir.

Pessoalmente não fujo à certeza de que nem sempre terei tomado as melhores opções na vida e que essa mesma vida - como a dos comuns mortais - é a soma das boas com as más opções que vamos tomando (presumo que a felicidade seja o saldo "positivo" entre ambas e a infelicidade o seu contrário), pelo que, não podendo "fugir" à realidade, a "construção" de uma vida alternativa é o resultado exclusivo de um sonho, em que o SE é absolutamente possível a cada um de nós, restando-nos apenas a esperança de poder dispor da capacidade de saber discernir entre o sonho e a realidade. Assim vão as cousas. 

domingo, 30 de março de 2014

A minha Europa

A política, já todos sabermos, é fértil na utilização de palavras "caras", pressupondo que o ouvinte ou o leitor, consoante o meio pelo qual acede à informação, optará quase sempre por não questionar (ou questionar-se) sobre o respectivo sentido, tudo se passando como se, no fundo, essas mesmas palavras tivessem um alcance de tal maneira substantiva que a sua não compreensão deixa de ser um "problema" do respectivo emissor mas do correspondente receptor.

No caso vertente refiro-me em particular a uma expressão que surge frequentemente por alturas das eleições europeias, período durante o qual os partidos e os cidadãos são "chamados" a discutir as "questões europeias", operando dessa forma a separação entre tais políticas e a política mais vulgarmente discutida de carácter "caseiro" que, por essa mesma via, deverá ser relegada para um "segundo plano".

O próprio Presidente da República na sua comunicação ao país anunciando a data do plebiscito fez questão de fazer um "aviso à navegação" de que os portugueses têm "o direito de ser esclarecidos" sobre as questões europeias na medida em que estas são "demasiado sérias", tudo isto porque as eleições irão decorrer num "momento de complexidade nacional".

Detenho-me, portanto e por uma razão de consciência pessoal, a pensar quais serão, de facto, as "questões europeias" que os portugueses devem debater que não se confundam com questões da política interna do país e, por mais que seja o meu esforço, confesso-me incapaz de chegar a uma conclusão que justifique esta "divisão" a que o Prof. Cavaco Silva, entre outros, alude.

Não existe sequer uma só razão para que não seja possível dissociar as duas realidades de tão estreitas que elas são e com particular acuidade no contexto actual da sociedade portuguesa mas, bem pelo contrário, quanto mais me debruço sobre o assunto mais sou forçado a concluir que nunca como agora as "questões europeias" são as verdadeiras "questões nacionais".

Já nem me refiro ao facto de Portugal ter "libertado" desde o inicio da integração europeia uma parte substancial da sua soberania junto das instituições Europeias, desde logo ao prescindir da sua moeda nacional em favor de uma outra que, desde então, terá, segundo alguns, criado uma situação de insustentabilidade por parte de Portugal em acompanhar o ritmo dos países mais ricos da Europa.

Refiro-me, em particular, ao facto destas eleições europeias ocorrerem num momento em que Portugal se encontra em pleno cumprimento de um programa de resgate do qual fazem parte duas instituições europeias, ou seja, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, facto que os torna objectivamente credores de Portugal.

Foram estas duas instituições (conjuntamente com o FMI) que avaliaram as contas de Portugal e definiram os termos do memorando de entendimento com o Governo de então que, de lá para cá, determinaram as tristemente famosas medidas de austeridade dos quais poucos ou nenhuns - embora em diferentes medidas e pesos - conseguiram "escapar".

Fosse só este o caso e já não seria razoável separar as "questões europeias" daquilo que se vai passando "cá dentro", mas dificilmente se poderá entender como o único e, para tal, bastará reflectir sobre a recente decisão relativa à União Bancária na base da qual passará a haver um mecanismo de supervisão dos bancos de cada Estado-Membro incluindo o processo de liquidação de instituições financeiras (algo que falhou, como é sabido, em toda a linha e do qual resultou a falência de diversos bancos), pressupondo que - supostamente - deixarão de ser os contribuintes a suportar os custos futuros dessa mesma liquidação.

Ora, neste contexto o papel do BCE tem ganho um especial relevo seja ao nível da política monetária da União, mantendo em simultâneo as taxas de juro em níveis historicamente baixos sem que daí resulte uma tendência inflacionista bem ao contrário do que o anterior responsável pelo BCE perspectivava, com as consequências que são conhecidas.

Mais importante ainda, o BCE tem optado por uma forte intervenção na aquisição de activos obrigacionistas - leia-se de dívida soberana - o que, em termos práticos, tem um duplo efeito: limita por um lado a apetência especulativa dos "mercados" ou, conforme usualmente se refere sem que se saiba exactamente o que significa, a volatilidade dos ditos mercados e, por outro, acaba por funcionar com um "escudo" invisível que favorece a percepção a esses mesmos mercados relativamente à real situação da divida soberana de cada Estado, na medida em que "transmite" uma "mensagem" de confiança à luz da qual, supostamente, quem se dispõe a adquirir parcelas significativas da divida de Estados com endividamento excessivo é porque, em principio, tem garantias de cumprimento futuro por parte desses mesmos Estados.

Poderia, sem sombra de dúvida, adicionar muitos e diversos motivos pelos quais não é possível simplesmente separar as "questões europeias" que deverão ser "discutidas" no período eleitoral relativamente às suas homologas "questões nacionais". Por isso mesmo a questão mantém-se: qual o motivo pelo qual alguém pretenderá fazer essa separação?

De acordo com a minha percepção a resposta a essa questão é relativamente simples. O que se pretende é que precisamente não se fale durante o período que se avizinha das "questões nacionais" não cheguem as pessoas à conclusão que essas mesmas questões são, em grande parte, o resultado da inexistência durante largos anos de verdadeiras "questões europeias". Assim vão as cousas.

domingo, 23 de março de 2014

Demokratia?

Um dos grandes "erros" das democracias ocidentais ao longo do século XX e nesta primeira década do século XXI foi o de olhar para União Soviética, para a China ou, mais recentemente, para boa parte dos países islâmicos à luz da sua própria noção de democracia, procurando estender a sua influência a um tal ponto que, no limite, essas mesmas noções seriam a base da refundação da base desses mesmos estados que passariam, dessa forma, a reger-se não apenas pelas "regras" da democracia económica mas igualmente, como corolário das primeiras, pelos ditames da democracia social e politica.

O "problema" de uma tal visão baseia-se, contudo, numa premissa absolutamente falível que a Europa mas sobretudo os EUA parecem não compreender, facto que se justificará plenamente pela ausência de uma verdadeira tradição histórica americana que, tendo surgido apenas "recentemente", tiveram precisamente na base da sua independência aquelas que seriam as linhas orientadoras da revolução francesa, entre outras.

Tais linhas consagravam o direito à independência e à livre escolha de cada pessoa, os direitos individuais dos cidadãos e o equilíbrio entre os diversos poderes, ou seja, o povo americano sempre se "habituou" a viver sob a "manta" de uma Constituição de matriz democrática.

Ora, nada disto foi alguma vez uma realidade no Império Russo, no "Gigante Asiático" ou no "mundo islâmico", tomando-se como exemplo para o caso vertente o fim do Império Russo que terminou em 1917 com a revolução desse mesmo ano que destronou o Czar Nicolau II na fase final da 1ª Grande Guerra, da qual resultaria a formação da URSS.

Em termos concretos, a Rússia transita de um estado de poder absoluto de um imperador autocrático (o Czar) para as mãos dos bolcheviques rapidamente "substituídos" e em grande parte eliminados após a revolução russa de 1918 que trouxe para a primeira linha da politica mundial as figuras de Lenine e mais tarde de uma dos mais "relevantes" ditadores da história da Humanidade, de seu nome Josef Estaline, responsável pela morte de um número não consensual de mortes de tão elevada que é, mas que se estima em 9 milhões de forma directa e entre 6 a 8 milhões por causa da fome.

Também após 1917 diversos Estados até então independentes foram anexados à União Soviética.

O final da segunda Guerra Mundial coincidiu com a surgimento da União Soviética como uma das super potências mundiais, nomeadamente no domínio militar, passando a dispor de um arsenal nuclear que rivalizava com o seu principal "inimigo", os EUA, mas que em termos prácticos permitia uma anulação mútua da possibilidade de uma guerra a esse nível, época que haveria de ser apelidada por isso mesmo de "guerra fria".

Do lado americano as relações com a Rússia foram sempre vistas na perspectiva não apenas da ameaça nuclear mas do ponto de vista dos perigos do prolongamento territorial da sua influência de um regime de cariz comunista, bem "visível" nalguns territórios da América central e do sul, em colónias africanas mas, sobretudo, na Europa de Leste, onde as lideranças eram exclusivamente alinhadas com a União Soviética à luz do chamado "Pacto de Varsóvia", cuja separação com o Ocidente era simbolizada por um muro que separava as duas Alemanhas ou por uma "cortina" que era visualizada como de ferro, isto é, algo que simbolicamente parecia inquebrável.

Nessa altura, o então Conselheiro de Segurança Nacional americano nas Administrações Kennedy e Johnson - Zibgniew Brezinski - haveria de chamar a Rússia de "buraco negro", não necessariamente na perspectiva cientifica que actualmente designa este fenómeno cósmico.

Os anos 80 "trouxeram" a abertura do regime pelas mãos de Mikhail Gorbachev e um desanuviamento da tensão militar com a redução do armamento mutuo de russos e americanos mas igualmente a desintegração (pacífica) da União Soviética através de um processo de independência de diversos Estados, em função da natureza cultural de cada região mas, não menos importante, tendo em conta as riquezas naturais de cada região.

Não demorou muito tempo até que um novo líder - de seu nome Vladimir Putin, curiosamente ou não um ex-agente da polícia política do antigo regime, o KGB - surgisse no meio de uma Federação que "ameaçava" desintegrar-se ainda mais.

A "receita" de Putin é relativamente "simples", isto é, aumento exponencial do progresso económico e da estabilidade política os quais, em bom rigor, residem sobre si mesmo, seja no papel de Presidente ou de Primeiro-Ministro, num processo que muitos consideram assentar uma progressiva regressão democrática, autoritarismo e uma visão de independência em relação aos EUA e da própria Europa, onde parte do território russo se integra.

Este quase regresso ao passado permitiu a Putin absorver uma enorme popularidade junto da população russa, igualmente fruto da "eliminação" (por vezes literal) da oposição interna, que parece rever-se cada vez mais na figura tutelar de um líder forte e determinado, disposto a retomar habilmente o controlo sobre a extensão da sua influência politica e militar, nomeadamente em territórios que anteriormente lhe pertenciam.

O "erro" do Ocidente foi, portanto, este, isto é, o de "pensar" que seria possível mudar a mentalidade de quem, no essencial nunca viveu em democracia nem tão pouco a base das suas fundações assentou alguma vez em princípios de tal ordem. 

Por isso mesmo, constata-se com espanto e receios fundados a politica expansionista da Rússia na Crimeia ou na Geórgia e ameaça de extensão a outros territórios com a oposição internacional mas com o aparente beneplácito dos cidadãos locais, muitos deles precisamente de maioria russa.

Talvez seja então correcto admitir que Brezinski terá tido razão (antes de tempo) ao proclamar a Rússia como um "buraco negro", ou seja, aquela região do qual nada nem ninguém pode escapar. Não se diga, pois, que não fomos avisados. Assim vão as cousas.