domingo, 11 de maio de 2014

Limpeza

A discussão sobre os méritos da denominada "saída limpa" em relação ao amplamente debatido sem que em bom rigor se tenha alguma vez sabido em que consistiria o "plano cautelar" parece encaixar na perfeição numa expressão utilizada pelo líder da bancada parlamentar do PSD que, conscientemente ou não, afirmou em tempos que "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor".

De facto, creio ser virtualmente impossível melhor sintetizar o resultados práticos das implementação das medidas previstas no memorando de entendimento, para além de todas aquelas que não sendo sequer referidas em tal documento foram sucessivamente sendo referidas como se de facto fizessem, como se essa mera referência fosse em si mesmo o seu próprio justificativo.

Não me deterei, portanto, na escalpelização dos diversos factores que no entender de uns serão motivo de regozijo e de acordo com outros corresponderá a uma profunda preocupação.

Interessa-me, isso sim, perceber em que motivo poderá numa qualquer circunstância ocorrer um tal momento em que um país possa estar "muito melhor" mas em que as pessoas que aí vivem "não está melhor".

À cabeça surge-me então a imagem de uma cidade em que, fruto das especiais circunstâncias, todas as pessoas que nela viviam morreram ou tiveram de a abandonar mas em que o facto de todas as casas se terem mantido intactas é o principal motivo de satisfação.

A analogia é necessariamente forçada mas ilustra, a meu ver, aquilo que parece traduzir a afirmação do Dr. Luís Montenegro.

A questão que parece escapar ao próprio é que não é possível equacionar um país melhor onde as pessoas estejam piores, simplesmente porque por definição são precisamente as pessoas a substancia de qualquer país.

São eles individual ou colectivamente que configuram a natureza de qualquer país, o garante do seu desenvolvimento ou a causa da sua regressão e, por isso mesmo, nunca uma realidade poderá dissociar-se da outra.

Ou talvez não, embora pelos piores motivos.

Existem, de facto, países reconhecidamente "ricos" mas onde a generalidade das populações vive abaixo do limiar da pobreza em que, porventura, a lógica do Dr. Luís Montenegro poderá ter alguma razão de ser.

Esses países são aqueles onde existem os maiores níveis de desequilibro na distribuição da riqueza, em que a produção do país é canalizada em favor de uns (poucos) e em desfavor de outros (muitos) que não beneficiam em nada com a riqueza produzida pelo seu próprio país.

Este cenário é particularmente evidente em países dotados de especiais riquezas naturais, todos eles situados fora da Europa, cuja fruição dessa mesma riqueza é do domínio exclusivo do poder dominante e de todos aqueles que o "alimentam" e dele são os principais beneficiários.

O "problema" é que não é este certamente o caso de Portugal que, no domínio das riquezas naturais, continua tão dependente nos "tempos que correm" como antigamente, por isso mesmo, não será igualmente por aqui que se perceberá em que medida se tornou possível a concorrência simultânea da melhoria do país em desfavor do empobrecimento geral.

O resultado desta equação encontra-se, provavelmente, na capacidade em responder a uma "simples" questão: porque é que em 2011 os mercados questionavam a sustentabilidade da dívida pública portuguesa e, três anos depois, esses mesmos mercados parecem não duvidar da sustentabilidade de uma dívida que se agravou substancialmente.

O que parece afinal ter mudado "para melhor" não terá sido exactamente o próprio País mas a percepção especulativa sobre as condições desse mesmo País, situação, aliás, da qual têm vindo a "beneficiar" a generalidade dos países periféricos, incluindo a cada vez mais endividada Grécia.

É que, contrariamente ao que o Dr. Luís Montenegro (entre outros) poderá julgar, o bem geral nunca poderá ser o resultado do empobrecimento progressivo do país. Assim vão as cousas.

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