À boa maneira da política portuguesa, as cerimónias do 25 de Abril na Assembleia da República (AR) ficaram marcadas, nos dias que as antecederam, por um diálogo pouco digno entre a Dra. Assunção Esteves e o Coronel Vasco Lourenço, a primeira como guardiã regimental dos preceitos parlamentares e o segundo como presuntivo guardião dos "valores do 25 de Abril" à luz dos quais pretenderia fazer uso da palavra no hemiciclo situação que, aparentemente, o regimento da AR não permite.
Deixando de lado um certa teoria conspiratória de que na base da recusa possa ter estado o incómodo dos partidos da maioria em escutar as palavras normalmente inflamadas e sobretudo dirigidas especialmente aos próprios por parte dos "capitães de Abril", interessa-me sobretudo remeter para esta questão do formalismo que norteia a intervenção pública na "casa da democracia" que, uma vez mais aparentemente, parece não admitir excepções.
No fundo, aquilo que parece relevante será perceber, afinal de contas, o que representará para uma parte substancial da população este local onde se encontram precisamente os seus representantes eleitos, começando precisamente por este aspecto.
Ora se em 1975 a abstenção eleitoral na eleição para a AR se situou em 8,5% - situação amplamente justificável pela "novidade" do acto para grande parte dos portugueses mas igualmente pela consequência lógica de se seguirem à revolução do ano anterior - já em 2011 (data das últimas legislativas) fixou-se em 41,9%, ou seja, em bom rigor e sem grandes "exercícios" de análise à realidade deste número, a verdade é que é líquido afirmar que os deputados da Nação "apenas" representam cerca de 50% dos cidadãos eleitores.
Daqui decorre um segundo aspecto que será o de perceber o motivo pelo qual 42% das pessoas com capacidade para tal optam por não contribuir para a sua própria representação no Parlamento e, nesse aspecto - entre muitos outros, certamente - releva a convicção que essa representação não tem uma concretização prática, na medida em que se por um lado os deputados sendo eleitos por círculos eleitorais não representam - à luz da lei eleitoral - os cidadãos desse mesmo círculo (como sucede, por exemplo, na Inglaterra) por outro lado, é perceptível a crescente convicção que o lugar de Deputado não será mais do que um cargo cujo principal beneficiário é o eleito e não o eleitor.
Esta convicção resulta da falta de transparência associada à actividade parlamentar, nomeadamente as relações despudoradas com sociedades de advogados ou formas igualmente menos perceptíveis de lobby, do qual resulta em termos práticos um trabalho legislativo "adaptado" a necessidades casuística e não necessariamente ao "bem comum", porventura expresso na forma como a justiça - que não faz mais do que aplicar as leis emanadas dos órgãos com competência legislativa - parece diferenciar-se entre ricos e pobres à luz da noção de que quem melhor saberá interpretar a lei será precisamente aquele que esteve na sua feitura.
Um terceiro aspecto que considero relevante é o da "imagem" que os cidadãos têm da AR, desde logo pelo aspecto "despido" com que muitas vezes se apresenta o hemiciclo, não sendo suficiente "explicar" que estarão a fazer trabalho numa qualquer comissão ou noutros "afazeres" parlamentares.
Mas a esta "imagem" também podemos associar o "som", isto é, o despudorado ruído que existe permanentemente na AR por parte de Deputados que não estão a fazer o "uso da palavra" em direcção precisamente a quem o está a fazer nesse momento, seja com o irritante "Muito bem" ou o deselegante atropelo com o recurso aos denominados "apartes".
Em matéria de "som" será igualmente relevante que o silêncio que não existe o hemiciclo é escrupulosamente cumprido no que às galerias diz respeito, nas quais a absolutamente ninguém é permitido fazer um som, seja de aprovação ou de indignação, sendo que se o fizer será "convidado" pela Presidente da AR a sair daquele espaço, devidamente "acompanhado" por um agente de segurança.
Analisados todos estes pontos, aos quais certamente se poderiam acrescentar outros mais ou menos evidentes, resta a confirmação de algo que é cada vez mais evidente, isto é, a Assembleia da República está a tornar-se, de forma acelerada, num espaço de cada vez menor representação dos Cidadãos. Ora, se assim é, não deveria ser essa a principal preocupação regimental da AR e da sua Presidente? Aparentemente, não. Assim vão as cousas.
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