domingo, 17 de maio de 2020

Diários de uma pandemia - 9ª semana

Hoje é um dia especial. É o dia dos meus anos. Hoje, se tudo estivesse normal, estaria a celebrar o dia com a família mais próxima, a erguermos juntos um copo de vinho, a cantar desordenadamente os parabéns. Porém, hoje é um dia normal num contexto anormal e adaptar as circunstâncias aos factos que nos transcendem é apenas mais uma etapa num processo cujo fim preciso não se conhece, mas do qual nos vão abrindo portas de esperança, baptizadas de desconfinamento, revistas a cada 15 dias e que, face aos últimos números, parece fazer crescer alguma esperança de dias melhores, que passarão a ser a nova rotina se cada um fizer a sua parte e cumprir as regras para as quais, como cidadãos, temos vindo a ser recrutados desde que foi decretado o estado de emergência.

As muitas mensagens e telefonemas ajudam a passar o dia o melhor possível e se as prendas quase todas se encontra, por força das circunstâncias, em trânsito nos correios pelo menos o bom tempo fez questão de se fazer notar, possibilitando um repasto no jardim com um fondue "à moda antiga", num dia que havia começado com uma sala inteiramente decorada com balões verdes e brancos (nada por acaso) e dizeres escritos pela C. e pela X., daquelas que um pai/marido tem de se "equilibrar" para não "ir abaixo" ao mesmo tempo que a nossa mente vai desejando que o tempo, este tempo, fique suspenso e se repita todos os dias. Ao J. couberam as honras do gelado que se seguiu ao repasto.

Este dia será também aquele que corresponderá, espero, ao ultimo diário (semanal) na medida em que formalmente fomos "convocados" a regressar à normalidade laboral, mesmo que antecipadamente ao termo do regime de obrigatoriedade de teletrabalho, e por isso mesmo se estes escritos começaram como se suspendeu o trabalho presencial terminarão agora com o seu retorno, não porque a pandemia tenha cessado ou alguém decretado o seu fim, mas porque o dever assim o determina, na esperança que o optimismo não venha uma vez mais a dar lugar ao realismo, e tenhamos de regressar "à base" de onde, porventura, estaremos a sair prematuramente.

Para trás, embora não totalmente, ficam 9 semanas de confinamento forçado, que permitiram perceber que é possível conciliar o trabalho com a qualidade de vida, responder a e-mail ao mesmo tempo que se olham para os pássaros a comer as migalhas de pão ali deixadas propositadamente, ganhando eles próprios um à-vontade típico de quem percebeu duas coisas: que ali há comida para eles e que ali ninguém lhes fará mal, nem os gatos que todos os dias nos visitam, ou simplesmente não ter de fazer horas semanais de trânsito que desgastam, tiram saúde e sobretudo nos tiram tempo uns com os outros ou tempo para fazer o que mais gostamos, nem que seja dar uma corridinha ao fim da tarde, tantas vezes adiada por cansaço acumulado.

Mas também fica claro que a produtividade não é um conceito diretamente relacionado com a presença física no escritório. Muitas empresas já o tinham percebido e espero que muita outras o tenham a ficado a perceber. A produtividade é um factor que está ligado à responsabilidade, à competência e à consciência individual. E essa não varia em função da presença num escritório. Mais do que nunca vimo-nos na contingência de prestar um serviço aos Clientes quando tudo parecia desabar. Estreitámos relações profissionais que se tornaram um pouco mais pessoais. Aumentámos a relação de confiança em muitos casos e, sobretudo, em caso algum essa confiança foi quebrada.

Percebemos melhor do que nunca o valor da proximidade daqueles que mais gostamos, fazendo jus à certeza de que só podemos ter saudades daquilo que já se teve antes.

 Haveremos de nos reencontrar, da forma possível, na certeza que quando as pessoas gostam umas das outras não é a presença física, tal como as não idas ao escritório, que nos torna mais distantes. Assim as pessoas o queiram.

E porque de despedidas se trata nada melhor do que fazer uma breve deslocação à praia para ao longe e cumprindo as regras impostas, vermos o mar, essa imagem de horizonte distante e de beleza constante, que nos permite - espera-se - olhar para o futuro com optimismo, antecipar os reencontros, retomar a normalidade.

Neste dia 17 de Maio, dia do meu aniversário, haviam em Portugal 29036 casos confirmados e 1218 óbitos.


domingo, 10 de maio de 2020

Diários de uma pandemia - 8ª semana

A nova semana "prometia" novidades daquelas pelas quais as pessoas começam a tornar cada vez mais visíveis, nomeadamente a necessidade de sair do isolamento forçado e a retoma de alguma normalidade económica, ainda que nesse particular Portugal, talvez fazendo jus aos nossos seculares brandos costumes, nunca tenha sido um verdadeiro exemplo de modelo rigoroso de confinamento ao mesmo tempo que demonstrou ser um bom exemplo de cumprimento das regras impostas, talvez ainda resquícios de uma sociedade que durante quase 50 anos se "habituou" a cumprir ordens sem as questionar.

Levantado o estado de emergência passou-se ao estado de calamidade, típico tema para uma discussão sobre os limites legais da nova realidade, típico tema para discussão por parte daqueles que parecem ser especialistas em tudo e em nada, opinadores profissionais cá do burgo, legisladores de ocasião, a que as redes sociais e alguns orgãos de comunicação tratam de amplificar, como se de verdades absolutas se tratasse, logo num tema cujas variáveis ninguém parece dominar com exatidão.

Mas houve mudanças a vários níveis. Mais pessoas nas ruas, mais carros, algum negócio reaberto, tudo (ou quase) tudo cumprindo fielmente as indicações decorrentes do estado de calamidade ou então o reflexo do velho ditado de que o "gato escaldado de agua fria tem medo", ou seja, que volte tudo ao ponto anterior se o regresso à "normalidade" conduzir à anormalidade dos últimos dois meses, sendo difícil de prever se de um novo retrocesso alguma coisa restará para reabrir mais tarde.

Há por isso mesmo um apelo constante à consciência cívica, conceito genérico, que muitos tratam de ignorar e outros de interpretar de acordo com a conveniência do momento, tomando por certo que uma decisão de ir à praia ou passear numa qualquer marginal é o resultado de um pensamento único e que mais ninguém pensará o mesmo até ao momento em que se percebe que uma e outra estão cheios de iluminados.

O uso de máscaras passou a fazer parte do quotidiano, suprema ironia para quem sempre se "habituou" a olhar com ar de gozo para os cidadãos do extremo oriente que há muito implementaram esse uso, simplesmente não por obrigação mas por dever cívico.

Também na empresa as coisas mudaram, não com a convicção que se anunciava dias antes e posteriormente abandonada quando se conheceu que ao estado de calamidade correspondia também a obrigatoriedade de obrigatoriedade do teletrabalho, facto que gerou uma reunião de trabalho na segunda-feira, quase dois meses após a decisão forçada de "abandono" do posto de trabalho. Talvez por isso mesmo e para nos lembrarmos que ao teletrabalho correspondem diversos aspectos favoráveis, fomos brindados no regresso com um acidente na ponte e 3 horas de espera, algo que em bom rigor nem nos dias "normais" de trabalho sucede.

A esta reunião seguiu-se uma reprogramação das presenças na empresas e por isso mesmo lá estive de plantão durante a manhã nos dois dias seguintes, sem a certeza absoluta de por estar ali me sentiria mais produtivo do que fazendo precisamente o mesmo em casa, uma vez que também ali o distanciamento social ou dito de outra forma, os contactos com os colegas - a génese do trabalho em ambiente de escritório - é escasso e mesmo evitado.

Por casa também houve mudanças desde logo colocaram-se "mãos à obra" para limpar o sótão/escritório nomeadamente os muitos livros acumulados e o pó que tanto gosta de lhes fazer companhia. Desafiado para isso mesmo o J. iniciou a árdua tarefa de catalogar todos os livros.

Em tudo mais o resto foi um pouco mais da "nova rotina" a que se convencionou chamar de "nova normalidade", esperando sobretudo que na avaliação quinzenal o período de hibernação do vírus não venha a desmentir as boas intenções de Presidência e Governo. Porque de nada se aproveita de sermos pessimistas então que se concentre o optimismo no esforço para que tudo corra bem e sobretudo para que no próximo mês possamos gozar as férias agendadas antes da pandemia, espera-se que fora de casa.

Neste dia 10 de Maio haviam em Portugal 27581 casos confirmados e 1135 óbitos.



domingo, 3 de maio de 2020

Diários de uma pandemia - 7ª semana

A nova semana de confinamento "prometia" novidades lá mais para o seu final havendo por essa altura a perspectiva de renovação (ou não) do estado de emergência com tudo o que isso implica em termos de limitações a determinadas liberdades que julgávamos todos por inquestionáveis mas que bem vistas as coisas não decorrem tanto de uma decisão presidencial ratificada pelo Parlamento mas de um dever geral de recolhimento a que apenas alguns resistem a cumprir, não que isso seja estranho posto que em qualquer momento haverá sempre aqueles que entendem haver uma lei geral e uma ausência de lei para eles próprios.

E é sobre liberdade que se deve falar no preciso momento que coincide com duas datas marcantes na vida democrática portuguesa: o 25 de Abril e o 1º de Maio. Em ambos os casos a realização de tais eventos foi desde cedo questionada por alguns, aplaudida por outros, mas admito que ignorada por ninguém. Se ambas as manifestações têm vindo a perder relevância mas não o significado é caso para dizer que este ano o significado superou porventura a relevância dos habituais discursos cada vez mais afastados do que se pretende celebrar e mais um prolongamento da retórica habitual em cada dia de sessão parlamentar.

Não me recordo de tantas manifestações espontâneas de quem entendeu celebrar à sua maneira sobretudo o 25 de Abril, cantando o "Grândola" à janela ou em colunas em alto e bom som, festejando como há muito não se via nas redes sociais. Talvez mais do que nunca as pessoas percebam o valor de sermos responsáveis pelos nossos destinos ou o significado de serem outros a dizer quais as nossas liberdades. Se calhar sempre souberam. Porventura estavam esquecidos. Se assim foi o vírus afinal nem tudo destruiu.

A imagem dessa liberdade tem sido expressa nos animais que à falta de humanos resolver aventurar-se num espaço quase sempre hostil mas que tendo sido deles está mais do que visto um dia voltará a ser deles, assim deixemos nós de os afastar e dar cabo do ambiente. Por aqui essa imagem surge nos gatos que sempre nos visitaram mas aos quais agora conseguimos ver a todo o momento e os pássaros, de tão distintos piares, que quase sempre se confundem com o barulho dos carros mas que agora cantam sem interrupções e se "atrevem" a vir comer umas migalhas de pão deixadas propositadamente sobre a mesa do jardim, sempre atentos a tudo, aos humanos e aos ditos gatos.

A semana anunciava também a perspectiva de um retorno controlado à empresa, numa espécie de regresso à normalidade ou mais propriamente à dita nova normalidade, num regime de escalas que se haveria de consolidar após o anuncio das medidas pós-estado de emergência por parte do Governo quinta-feira e que prevendo um desconfinamento anunciaram também a manutenção do regime obrigatório de tele-trabalho, deitando por terra as boas (embora tímidas) perspectivas de um abandono do posto de trabalho improvisado desde o dia 15 de Março.

Nunca como agora tantas pessoas viveram um momento de tamanha incerteza, perante a necessidade de evitar o alastramento do vírus que se encontra em queda há vários dias e a necessidade de sentir que à vida para além desse vírus que urge retomar, mas cuja duração, tal como no estado de emergência, dependerá afinal de contas de cada um de nós, com um plano que se conhece agora à cabeça alargado ou restringido a cada 15 dias.

Nas janelas vão surgindo os cartazes de um arco-íris que o sol se encarrega de tornar menos colorido e que anuncia que ficaremos todos bem. Será que vamos, ou melhor, será que somos capazes? Há 46 anos colocaram-se vários desafios e o principal seria o que fazer com a liberdade conquistada. Agora, simbolicamente, não será assim tão diferente.

Neste dia 3 de Maio, dia da mãe e inicio do estado de calamidade, haviam 25190 casos registado e 1023 óbitos.

  

domingo, 26 de abril de 2020

Diários de uma pandemia - 6ª semana

Muito se tem falado sobre as possíveis consequências ao nível psicológico devido ao tempo (excessivo) em isolamento social. Não sendo psicólogo de formação mas muito atento aos temas da psicologia dos comportamentos entendo que a questão faz todo o sentido, porque se baseia num pressuposto que é conhecido e reconhecido: o ser humano é por natureza social. Baseia as suas relações num contexto de comunidade. Não se trata de ter ou não um perfil numa rede social. É, antes de mais, perceber que a maioria de nós necessita do contacto com outros.

A questão é que isso, nos tempos que correm, não só não é aconselhável, como pode nem ser possível. O estado de emergência e o encerramento de grande parte de tudo aquilo que fazia parte das nossas rotinas criou uma disrupção abrupta para a qual não estávamos preparados, e mesmo que estivéssemos minimamente alertados para o que se poderia seguir, não há "treino" que resista ao perfeito desconhecido e ao avolumar de números dantescos de mortes e infetados, de novos desempregados, da necessidade de libertar presos, do aumento da violência doméstica que agora não se vê apenas se sente, dos idosos em lares que indefesos sucumbem ao vírus.

Não descobri e por isso não venho aqui anunciar a "cura" ou a solução para este problema, só posso ditar aquilo que me parece ser a opção "smart" ao longo destas semanas: manter as rotinas e criar pequenos planos por exemplo para o fim-de-semana.

Manter as rotinas significa reduzir o efeito de disrupção. Se normalmente entramos ao trabalho às 9h então que assim continue, se vamos entregar o euro milhões à terça-feira (ou noutro dia qualquer) então que se mantenha esse habito. Que se mantenham os contactos com os Clientes, as Seguradoras, os amigos a quem sempre se ligou (para não ser coisa de ocasião), os telefonemas à família que deixou de nos poder visitar (ou vice-versa), mas também aproveitar para ajudar - nem que seja apenas partilhando o assunto - nos temas de trabalho que invariavelmente acabam por ser partilhados de uma forma como nunca o foram no passado.

Ao final do dia vem o estudo da ultima disciplina do MBA que prolonga o dia de trabalho até perto da meia-noite quase todos os dias, logo a seguir ao jantar. Manter rotinas. Nada de novo. Igual ao anteriormente.

Se estas são as rotinas "boas" para a nossa sanidade mental, então que se alimente essa sanidade quebrando sempre que possível essas rotinas. Se não podemos planear para onde viajar, então que se planeie o que comer no fim-de-semana e que nos apetece afinal tanto, porque normalmente o fazíamos num qualquer restaurante. Ver um filme é o substituto do cinema agora fechado. Mas o melhor de tudo é mesmo planear o que iremos fazer depois da "tempestade" passar. Que viagens faremos? A que restaurantes iremos regressar? Pensar positivo ajuda a afastar todo a carga negativa do contexto.

A verdade é que as semanas parecem passar a correr, muito mais do que nos tempos de trabalho "normal". Não sei explicar o porquê? Será porque afinal se trabalha mais? Será porque se perde um pouco a noção dos dias? Tornou-se um pouco indiferente se estamos numa terça-feira ou sexta-feira. Deixou de haver motivos para resmungar com as segundas-feiras. Mas não podemos desesperar porque o fim-de-semana não será assim tão diferente dos restantes dias. O "segredo" é tentar mante-lo diferente.

Por aqui as rotinas são quebradas sobretudo ao fim-de-semana comendo uma boa da "carocolada" que agora voltou em força, ou mantendo hábitos de algum exercício físico, seja nas aulas de ginástica quase diárias da X. e da C. ou de uma corridas de curta duração nas redondezas, tornando aqueles 3,5kms uma prova de longa duração, a que nem o J. desta vez deixou de se associar.

Este mesmo regresso à escrita também é parte dessa nova rotina que nos mantém ocupados mentalmente e nos distrai de toda a informação negativa que invariavelmente as televisões passam a todo o momento ou até mesmo observar o desfilar de gatos e pássaros que todos os dias nos "visitam" por saberem que lhes daremos de comer, apesar de não termos qualquer retorno de empatia dos próprios nem que seja para uma pequena festinha na cabeça como se fosse a forma de nos agradecerem.

Temos de procurar fazer o bem, aos outros e a nós próprios. Melhores dias virão e anuncia-se a abertura progressiva, mas repleta de receios, da economia a partir de Maio, afinal de conta, esta foi a semana em que Portugal começou a ganhar a sua liberdade em 1974.

Neste dia 26 de Abril haviam 23864 casos registados e 903 óbitos.







domingo, 19 de abril de 2020

Diários de uma pandemia - 5ª semana

Faz esta semana precisamente um mês que fomos colocados em regime de tele-trabalho face ao agravar da situação e sobretudo aos receios do eventual impacto na operação da empresa no caso de um ou mais colegas ficarem infectados.

E se desde o primeiro momento a nossa missão era clara já a forma como podemos, individualmente, contribuir para diminuir as consequências do problema não é tão exacta, sendo que por um lado sentimos que contribuímos com o nosso isolamento e mantendo a empresa a funcionar o que já não é pouco, mas por outro pensamos sempre em que medida podemos fazer mais.

Da nossa parte a opção foi então de manter os compromissos que tínhamos antes com que sempre nos apoiou e que, por via da interrupção da actividade normal, se viram forçados interromper de todo essa mesma actividade, deixando de prestar o serviço habitual, seja a Academia de Jiu-Jitsu ou o ATL, os quais prontamente informaram que não iriam cobrar a mensalidade.


É aqui se coloca a questão da solidariedade e onde podemos de facto ajudar, pelo que sem excepção decidimos na primeira hora não aceitar tal disponibilidade, mantendo o pagamento das mensalidades tal como sucederia se nada se passasse de anormal nas nossas vidas. É este o contributo que podemos dar sem sair de casa, isto é, ajudar quem mais precisa a sobreviver a esta fase sem esperar nada em troca mais tarde. O mesmo se diga, claro está, ao assegurar o pagamento do salário da empregada doméstica, também ele suspenso, mas também o de dar preferência aos comerciantes do antes que queremos sejam os do depois.

A vida corre, pois, sem grandes sobressaltos. O estado de emergência foi prolongado até ao inicio do mês de Maio o que significa que estes diários semanais vão ter continuidade por mais algum tempo.

O tempo tem estado incerto onde não faltou uma granizada valente que temi pudesse destruir a minha produção de ameixas, logo agora que parecem destinadas a ser colhidas em bom numero este ano. Não foi o caso felizmente, embora tenham deixado algumas marcas.

O J. terminou mais um puzzle de 1500 peças na semana em que retomaram as aulas, sem que se perceba muito bem o que é que restará deste ano lectivo, em particular daqueles que estão em vias de ingressar na universidade. Falar-se no regresso presencial durante o mês de Maio. Veremos.

Também em Maio está previsto o retomar de uma certa "normalidade" na economia talvez mais por se perceber que corremos sérios riscos de não morrer da doença mas ficar definitivamente paralisados com os cuidados primários, posto que a cura não parece chegar tão cedo.

À falta de uma máquina de cortar relva a X. e a C. puseram mãos à obra e fizeram uma espécie de corte de cabelo à pastagem à custa de bolhas nas mãos. O fim-de-semana serviu também para matar saudades de um prato típico do norte, a francesinha, encomendado lá está no comerciante onde habitualmente vamos beber o café ao fim-de-semana.

Em vésperas de semana comemorativa do 25 de Abril há que pensar nos seu princípios, desde logo a solidariedade que este mundo cada vez mais individualista e exposto a populismos grotescos parece potenciar, sem que se perceba bem onde poderá acabar. Talvez seja como a musica cantada na voz do Chico Buarque "andamos a carregar pedras para construir tenebrosas catedrais".

Neste dia 19 de Abril haviam 20.206 casos registados e 714 óbitos.





domingo, 12 de abril de 2020

Diários de uma pandemia - 4ª semana

Vivemos tempos muito estranhos. Nada de novo, já o eram antes da pandemia, só se tornaram mais evidentes depois da dita. As pessoas deixaram de circular na rua, não se cumprimentam, não se encontram, tudo em prol da saúde pública. 

Resta saber como será depois de tudo isto passar isto no pressuposto mais assente numa esperança do que numa realidade prática que me leve a achar que o fim - no bom sentido, entenda-se - está próximo. Sejamos, pois, prudentes, que a coisa está para durar e já se fala, com elevada probabilidade tendo em conta quem o diz, que o estado de emergência nunca deixará de o ser antes do mês de Maio.

Esta semana é também aquela que acarreta pessoalmente uma maior carga simbólica, pois seria aquela onde parte dos planos para este ano se começariam a materializar, especialmente no que diz respeito ao ambicioso - e agora um mero sonho - de efectuar algumas viagens em família, um dos hobbies que mais apreciamos e mais gostamos de, sempre que possível, realizar.

Senão veja-se, desde logo em Abril, nesta mesma semana, deveríamos estar a caminho do Dubai para participar no Abu Dhabi World Youth Jiu-Jitsu Championship, desejo antigo da C. e de nós próprios, e com viagem até já reservada e paga e posteriormente cancelada, obrigado agora à penosa tarefa de pelo menos reaver o dinheiro, para que o prejuízo financeiro não se some ao prejuízo lúdico.

Seguidamente iríamos visitar um fim-de-semana a famosa Feria de Abril, em Sevilha, local no qual por coincidência e em trabalho havia estado no ano anterior e que despertou uma curiosidade suficientemente grande para ir lá de propósito para apreciar aquele ambiente festivo, colorido e bem bebido, sem os exageros da Oktoberfest de Munich.

Se o 25 de Abril seria em Sevilha já o ambicioso plano passava no 1º de Maio por ir 3 dias a Londres, aproveitando ao máximo o tempo disponível para ver tanto em tão pouco tempo, também cumprindo um desejo dos jovens ao qual nós claramente não nos opusemos, pois Londres será sempre Londres.

No mês seguinte seria um momento igualmente especial quando algures em meados desse mesmo mês iríamos a Washington receber das mãos do grande Jack Welch o certificado do diploma de MBA começado precisamente três anos antes, num momento muito especial na minha vida (tão especial que não cabe neste texto) e que culminará nesse mês. Contudo, este evento parecia já ensombrado por uma aura pouco propícia que, para quem nisso acredita, antecipava coisa pouco boa.

Desde logo a perspectiva de podermos passar o dia 13, dia de anos do meu pai, em Washington esfumou-se quando se percebeu que os meus sogros já haviam agendado uma viagem para essa mesma altura (entretanto também ela não confirmada, fruto das circunstâncias) pelo que alguém teria de ficar em casa a cuidar dos jovens. O segundo revés foi a notícia surgida durante o mês de Março do falecimento do próprio Jack Welch, com 84 anos, embora não relacionada com a pandemia que actualmente mata nos EUA mais do que em qualquer outro local no mundo.

O epílogo desta história triste foi o inevitável adiamento do evento para o Outono. Veremos se sim. Esperemos que sim.

Por cá os tempos correm com esta estranha normalidade. O trabalho segue o seu curso há medida que se percebe que muito antes de melhorar ainda há-de piorar, nomeadamente para as empresas, quem nelas trabalha o que necessariamente irá afectar a nossa própria operação, muito ligada ao crescimento ou retracção do mercado.

Em tudo o resto discute-se se a escola há-de recomeçar e de que forma, tendo as decisões tomadas, surpreendentemente do agrado de todos, dependente do evoluir da pandemia que permitirá ou o regresso faseado dos alunos que tinham previsto a realização de exames finais, particularmente relevante para o J. empenhado no acesso à universidade ao curso que escolheu.

Compreensivelmente a C. está mais impaciente. É menos dada a contemplações e por isso houve necessidade de dar espaço à criatividade oferecendo-lhe tudo aquilo que precisa para pintar, entenda-se o quadro, os pincéis e as tintas. O resultado promete. Eu não faria melhor. Eu nunca fiz melhor.

O tempo está como o vírus, não se percebe para onde vai. Tanto chove copiosamente como faz sol. O sol é a nossa praia e aproveita-se para o gozar, em que até os gatos parecem saborear esta estranha liberdade precária e também deu para assar uns frangos no churrasco, aproveitando o tempo favorável no fim-de-semana.

Desportivamente a X. e a C. vão alinhando nos treinos agendados pelo PT da empresa em formato digital tendo eu optado por começar a saltar à corda, até perceber rapidamente que me estava a dar cabo dos calcanhares de Aquiles, tornando evidente que se é para me magoar mais vale nada fazer. Não foi exemplarmente o caso pois voltei a dar umas pequenas corridas nas redondezas, breves 3 kms de desporto ou melhor ainda, 20 minutos de comprazimento ao ar livre. O regresso aos treinos de Jiu-Jitsu por parte do J. e da C. é, para já, uma miragem que facilmente se confunde com uma esperança.

Neste último dia da semana é também aquele em que os meus pais fazem 50 anos de casados. Infelizmente a distância e a necessidade de confinamento ainda mais agravado no período da Páscoa impediram uma reunião familiar todos juntos, como pertence. A opção mais "simples" e sobretudo mais atual foi o recurso às "novas tecnologias", juntando virtualmente o que o vírus insiste em distanciar (algo diferente de separar). Espera-se que daqui a um ano tudo isto seja apenas uma recordação distante de um tempo muito próximo. 

No final dessa semana, dia 12 de Abril, haviam 16585 casos confirmados e 504 óbitos.















terça-feira, 7 de abril de 2020

Diários de uma pandemia - 3ª semana

Se alguma expectativa houvesse sobre a possibilidade do atual estado de coisas se resolver em 15 dias, rapidamente se percebeu que, bem pelo contrário, a confinamento está reservado para um tempo indeterminado e nem se diga que as notícias que se vão ouvindo permita perceber que, tal como diz a famosa expressão também aqui já se vê "uma luz ao fundo do túnel".

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Por volta das 12 horas passou a haver uma espécie de novela contemporânea onde a directora da Direcção Geral de Saúde e a Ministra da Saúde, ou o seu ministro adjunto, nos colocam a par dos mais recentes números que mesmo não sendo ao nível da catástrofe que se vai vivendo noutros países, não deixa de ser alarmante.

O trabalho vai correndo no dia-a-dia dentro de uma estranha normalidade a que até pode parecer mas não nos conseguimos habituar e ajuda a colocar as coisas em perspectiva e, mesmo que trabalhar a partir de casa implique também algum acréscimo de qualidade de vida a verdade é que facilmente se compreende que provavelmente até podemos aceitar regressar ao stress do dia-a-dia uma vez que esta nova qualidade de vida acarreta uma incerteza futura demasiado pesada para podermos achar que é preferível à certeza dos dias anteriores à pandemia.

As comunicações entre a equipa são todas por escrito com raras excepções, uma vez por semana, em que agendamos uma reunião por zoom, que invariavelmente corre para uns em pleno, para outros sem imagem e, por fim para outros sem uma coisa e outra, mas pelo menos dá para perceber que lá vamos estando animados, embora não se fale propriamente de trabalho.

As escolas encerradas há duas semanas estão agora oficialmente suspensas por férias da Páscoa sem certezas sobre a sua reabertura futura e sem certezas qual a forma de ensinar e cumprir o período final do ano lectivo. Se até aqui ainda tinham uma ocupação diária agora nem isso e por isso tendem a resignar-se às suas próprias rotinas ao computador ou ao telemóvel, dado que não parecem haver grandes condições para efectuar treinos de Jiu-Jitsu ainda que Mestre António Neto tenha ensaiado um treino virtual via Zoom que não se revelou efectivo, apesar da boa vontade do J. e da C. em estarem equipado a rigor à hora agendada para o dito treino.

As compras necessárias voltaram a ser feitas na manhã de sábado, aproveitando o menor fluxo de pessoas. Acompanhando as boas recomendações só um de nós fica na fila e o outro aguarda no carro, se bem que nem o tempo parece disposto a dar algum alento pois ao sol dos dias anteriores sobrou uma chuva intensa que ditou o adiamento de mais uma "churrascada", desta vez de frango convenientemente adquirido nesse dia para esse mesmo propósito.

Lamentavelmente não foram essas condições atmosféricas que obstaram a poder tratar do jardim, cuja relva cresce a olhos vistos uma vez que por coincidência do destino a máquina de cortar resolveu avariar ao fim de 14 anos de uso, pelo as boas intenções de tratar de alguns temas sucessivamente adiados se ficou pela limpeza do quintal enquanto se fazem planos de substituir algumas árvores por duas árvores de fruto. Talvez o resultado mental do confinamento leve a pensar meios de subsistência de cultivo próprio.

Infelizmente não poderei fazer com a relva o que fiz com o cabelo uma semana antes e cortar a direito com a máquina em pente curto, rezando para que também ela não avariasse e de um momento para o outro ficasse com um corte típico de alguém com um problema mental grave.

No final dessa semana, dia 5 de Abril, haviam 11279 casos confirmados e 295 óbitos.