O novo regime jurídico das Taxas
Moderadoras elaborado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) em meados deste
ano, tem como “ponto de partida” um estudo elaborado pela mesma, a partir do qual se conclui
que de 2011 para 2013 se “registou uma redução na utilização global de
consultas médicas presenciais nos cuidados de saúde primários” e que esta
realidade “poderá decorrer de um efeito de redução global do consumo de bens e
serviços, face às actuais dificuldades económicas em Portugal”.
Mais ou menos coincidente
temporalmente com este estudo ficou a saber-se que os “idosos compraram menos
13% de medicamentos em 2012”
facto que, não obstante a reconhecida descida dos preços dos medicamentos,
colide com o congelamento das reformas e pensões desde 2011 e o impacto do
corte nos subsídios de férias e de Natal, do qual resultou uma evidente redução
do poder de compra dos reformados e pensionistas, situação aliás comum à
generalidade dos portugueses.
Neste mesmo sentido tem vindo a
agravar-se o acesso a alguns medicamentos por “falhas no abastecimento” das
farmácias por motivos que não cabem na presente dissertação.
A consequência transversal a estes
sinais preocupantes no “estado da saúde” em Portugal é a mais do que evidente
alteração dos cuidados médicos e medicamentosos por parte de uma parte
significativa da população que ou deixa de ir ao médico quando precisa ou, por
outro lado, altera ou abandona mesmo a toma de medicamentos, sendo que em ambos os casos o faz por manifesta insuficiência financeira.
Aquilo que ainda não vi suficientemente abordado é
a possível/provável consequência em termos futuros de um tal cenário para a saúde
pública e é precisamente isso que me proponho, por esta via, fazer.
Mas voltemos atrás no tempo,
embora não necessariamente muito atrás, bastando colocar-nos nos anos 40 do
século XX, uma vez que é facilmente perceptível que a situação que doravante se
abordará seria significativamente mais “negra” à medida que formos “recuando”
no tempo.
Com efeito, quase simbolicamente,
a referida década marca uma alteração significativa da esperança de vida à
nascença em Portugal, passando de 49,1 anos nos homens e 53,6 anos para as
mulheres para 73,3 anos nos homens e 80,3 anos nas mulheres no inicio do século
XXI (mais exactamente no ano 2000).
Ora, é sabido que o conceito de
esperança de vida à nascença assenta quase integralmente nas condições de saúde
das populações em cada momento temporal e, nesse aspecto, é evidente que as
alterações verificadas na sociedade portuguesa, nomeadamente no que se refere
ao acesso aos cuidados de saúde e ao desenvolvimento de fármacos eficazes na
cura de determinadas doenças é, em si mesmo, a bússola que nos permite perceber
o motivo pelo qual se passou a morrer “mais tarde”.
Poder-se-á, porventura, afirmar
que neste capítulo a saúde democratizou-se primeiro que o resto do país, algo
que viria a ser consolidado anos mais tarde com o advento da democracia e a
criação do Serviço Nacional de Saúde.
Mas há ainda um outro factor
decisivo que se prende com uma questão temporalmente mais recente relacionada
com a diminuição drástica da mortalidade infantil (entendida até aos 15 anos),
nomeadamente a partir dos ano 80 do século passado, colocando Portugal num
relevante lugar de destaque neste capítulo no seio da EU.
A importância da Saúde numa
sociedade plena foi, aliás, plasmada na actualmente tão mal-tratada Constituição
da República Portuguesa, onde se introduz a premissa – porventura desnecessária
numa sociedade civilizada – de que “todos têm direito à protecção da saúde e o
dever de a defender e promover” sendo essa uma função prioritária do Estado.
Creio, portanto é à luz de tudo
aquilo que atrás é referido, que estamos na iminência de um retrocesso civilizacional,
em que a crise económica e financeira e o respectivo impacto nos mais
desfavorecidos, determinará, no espaço de uma geração, uma reversão da qualidade
de vida dos Portugueses, fruto de uma incapacidade financeira de parte
significativa dos mesmos em aceder aos cuidados primários de saúde e às
respectivas terapias.
Assiste-se cada vez com mais
frequência à inimaginável “troca” entre um consulta ou um remédio por um
alimentos ou para poder pagar a conta da luz ou do gás, sendo este um dado
oficial do relatório do Observatório Português dos Sistemas da Saúde publicado
igualmente este ano.
A conclusão é simples, o abandono
dos tratamentos resultará forçosamente no aumento da mortalidade ou de outras
situações relacionadas com a diminuição das capacidades físicas das pessoas. É
assim mesmo e só não vê quem não quer. Assim vão as cousas.