domingo, 28 de outubro de 2012

Tratado sobre a incerteza


Recentemente revi umas velhas películas de 8mm agora devidamente transpostas para um suporte bem mais contemporâneo. 

Essas imagens, todas elas sem som e com uma tonalidade que claramente denunciam a sua antiguidade, mostram bucólicas imagens familiares, espelhando – é assim que eu as vejo – um misto de felicidade e de inocência, adequadas a qualquer infância digna do epíteto de feliz.

Também nelas surgem os pais dessa criança que eu era então, quais “actores” desse mesmo cenário, isento de falhas ou de cortes próprios de uma qualquer filme que apenas junta as partes que o realizador considera formarem um todo coerente.

Agora, na qualidade de espectador desses momentos que haviam fugido da minha memória há (demasiado) tempo, coloco-me na pele de quem os resgatava para a posteridade ou neles intervêm como se de um “actor/actriz” secundário, à margem da atenção do foco principal da câmara.

Esse deslocamento do centro das atenções, por parte de alguém que está longe de ser o de um mero figurante, é aquele que contém em si mesmo todas as angústias subjacentes à dúvida sobre quais os “papéis” que virão, um dia mais tarde, a desempenhar ao longo da vida aqueles que agora são os centros inquestionáveis da sua atenção.

É nesse momento, perante aqueles para os quais agora não existe qualquer preocupação que pareça afectar as suas vidas, que se colocam todas as questões sobre as decisões que se tomam e que se tomarão e em que medida aquelas são mesmo as mais adequadas ou se não poderiam (e deveriam) ter sido outras

A palavra-chave é, naquele momento como no actual, o da dúvida que parte da nossa própria incapacidade de antecipar todos os “cenários” que a vida nos reserva e, por essa via, escolher em cada momento aquela que será considerada para sempre a mais adequada.

É extremamente penoso pensar-se que a partir de certo momento tal já não será mais possível, como se uma cápsula do tempo em que se vivia até então se rasgasse definitivamente expondo-nos a tudo aquilo que nos é exterior e que até então parecíamos ignorar.

No fundo é como se o que restava do cordão umbilical que nos agarrava aqueles que nos geraram e cuidaram o mais profundamente possível se quebrasse pela segunda vez, iniciando um afastamento progressivo que não parece nunca querer abrandar.

Resta-nos procurar reter na nossa memória os “filmes” que em cada momento se vão “exibindo” à nossa frente e fazer um uso de um exercício de ponderação por parte da nossa consciência que tudo se fez ao longo do período em tal era possível para suavizar os efeitos daquilo que, de bom e de mal, a todos nos espera.

Ao rever o conteúdo daquelas películas, tal como eu amadurecidas pelo tempo, não posso deixar de confidenciar o impacto profundamente comovente que as mesmas exercem sobre mim, interpretando esse mesmo impacto como o reconhecimento que as decisões de então, ainda que tomadas com as mesmas incertezas que hoje me “assaltam”, foram as melhores.

Atrevo-me a pensar (desejar?), mesmo rodeado de um sentimento de dúvida constante, que, no futuro, aqueles que são os “actores” principais das nossas vidas, possam chegar a esta mesma conclusão. Assim vão as cousas.

domingo, 21 de outubro de 2012

A muleta

Tempos houve em que alguns simpatizantes do regime soviético eram apelidados de idiotas úteis, uma vez que tais pessoas acreditando ser os seus aliados nos países ocidentais, eram na prática desprezados por esses mesmos soviéticos, que os usavam unicamente como bandeira.

Serve este intróito para descrever a minha percepção pessoal sobre o contributo efectivo do Dr. Paulo Portas no actual Governo, muito embora não querendo ser "acusado" de falta de educação para com o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, tenha substituído o pejorativo epíteto de "idiota útil" por aquele que para todos os efeitos dará o nome a esta dissertação.

Desengane-se, contudo, quem pense que a mudança de nomenclatura possa implicar igual mudança do tom substantivo das linhas seguintes pois, bem vistas as coisas, estamos perante um utensílio que ninguém gosta ou quer usar, que apenas o faz quando é absolutamente obrigado e, na primeira oportunidade, o larga.

Talvez desta forma se compreenda melhor o paralelismo que se seguirá à actuação política do Dr. Paulo Portas, nomeadamente após a comunicação ao país do aumento da TSU por parte do Primeiro-Ministro, independentemente de tal medida ter vindo posteriormente a "cair", mas logo substituída por outra que, sabemos hoje, representou para o cidadão comum uma "enorme subida de impostos" (sic).

Mas, vamos por partes.

O Dr. Paulo Portas sempre se considerou a si e ao seu partido como fazendo parte do denominado "arco da governação" não obstante o facto de em circunstância histórica alguma, os portugueses lhe terem "confiado" mais do que terceiro lugar nos votos expressos, a larga distância, diga-se, do segundo partido mais votado, fosse ele qual fosse.

Contudo, na actual circunstância histórica deu-se o caso do partido que havia saído das eleições necessitar de um parceiro de coligação para formar um Governo e uma maioria o que, face à indisponibilidade de PSD e PS se entenderem e perante a incapacidade (ou falta de vontade) do Presidente da República em criar os necessários consensos que pudessem dar lugar àquilo a que se convencionou chamar de "bloco central", tornou inevitável que o partido escolhido fosse o CDS-PP, a quem foram entregues algumas pastas ministeriais cujos titulares parecem cada vez mais "invisíveis".

Os tempos, já se sabe, são de crise e, consequentemente os portugueses habituaram-se nos tempos mais recentes a "viver" com uma palavra porventura pouco conhecida até então pela generalidade das pessoas - a  austeridade - que não se tem traduzido noutra coisa que não seja um sistemático agravamento das condições de vida, fruto do aumento dos impostos (directos e indirectos) e a redução do "contributo" do Estado relativamente às suas principais atribuições, isto é, precisamente aquelas que, supostamente, os impostos deveriam garantir.

Porventura antecipando os efeitos nefastos para o seu partido mas, creio, sobretudo para a sua própria imagem, subsequentes ao anuncio de novas medidas de austeridade, o Dr. Paulo Portas tratou de informar os seus correlegionários (através de carta) que não aceitaria um novo aumento de impostos, passando essa mesma mensagem (embora mais disfarçada) para a opinião pública que, crente como normalmente é, talvez tenha acreditado que o partido mais pequeno da coligação seria o garante de uma espécie de bloqueio a quaisquer novas medidas que ampliassem o sacrifício dos portugueses em geral.

Puro engano, pois conforme ficou claro o PSD decidiu unilateralmente anunciar a subida da TSU, encontrando-se nessa momento o Dr. Paulo Portas no estrangeiro, onde convenientemente sempre refere não querer falar de assuntos internos, numa evidente exaltação de patriotismo demagógico, que nada mais faz do que evitar falar sobre aquilo que não lhe convém falar.

Regressado a Portugal, "refugiou-se" no silêncio para num segundo momento transmitir ao país que mesmo não tendo concordado com a medida anunciada pelo seu parceiro de coligação, aceitou-a no pressuposto que dessa forma estaria a evitar uma crise politica e uma crise na negociação dos os nossos actuais credores da troika.

Tive ocasião de referir nessa ocasião que este entendimento nada mais faz do que o "prender" em termos futuros a quaisquer outras decisões de idêntica natureza por parte do PSD, na medida em que a referida linha de argumentação será igualmente "válida" nessas circunstâncias, goste o Dr. Paulo Portas de tais decisões ou não.

E assim foi de facto, quando em substituição da "medida-tiro-no-pé" do Dr. Pedro Passos Coelho, foram anunciadas as novas medidas de austeridade que, uma vez mais atiraram a auto-estima e confiança dos portugueses para níveis nunca antes vistos, porventura convictos que a "coisa" não há-de ficar por aqui, o Dr. Paulo Portas uma vez mais "engoliu" em seco, nada mais dizendo do que iria esperar que fossem criadas condições do lado da despesa no Orçamento que pudesse minimizar o impacto destas novas medidas, sendo evidente que o fazia sem qualquer convicção e deixando claro que em matéria orçamental o seu grau de influência é absolutamente nulo.

Pelo meio, o Dr. Paulo Portas vai fazendo as "delicias" da comunicação social e dos comentadores políticos, que de forma mais ou menos exacerbada vão dando nota da fragilidade actual da coligação, tendo por base precisamente os silêncios, as meias-palavras ou simplesmente os gestos (todos vistos à lupa) do próprio Dr. Paulo Portas, que terá percebido que o tempo de fugir entre os "pingos da chuva" é algo que já não é manifestamente possível.

Acontece que o Dr. Pedro Passos Coelho e o partido que o suporta sabem que necessitam do Dr. Paulo Portas e do seu partido, tal como o Dr. Paulo Portas saberá que ou fica no Governo como está, ou passa para a oposição a um possível governo futuro que ou será do PSD ou será do PS, mas certamente não será do CDS.

A verdade é que deixou de haver margem para a "habilidade" com que o Dr. Paulo Portas lidou no passado com aquelas situações que podiam "atingi-lo" a ele próprio, normalmente assente num misto de demagogia e populismo.

Por isso mesmo, se todo este sacrifico colectivo não demonstrar de forma inequívoca às pessoas que é o único caminho possível para garantir, a curto prazo, a melhoria das suas condições de vida, o Dr. Paulo Portas corre o sério risco de ver finalmente os votos coincidirem com as sondagens, remetendo o CDS para o último lugar das forças politicas com assento parlamentar. Assim vão as cousas.





domingo, 14 de outubro de 2012

Uma "aventura" no hemiciclo

No passado dia 4 deste mesmo mês, o plenário da Assembleia da República debateu, votou e, por fim, chumbou, não uma mas duas moções de censura apresentadas pelo PCP e pelo BE.

O “destino” de ambas as moções era, aliás, previamente conhecido, não apenas pelo facto do outro partido da oposição se ter previamente demarcado das mesmas, através do recurso à figura regimental da abstenção, mas fundamentalmente porque no hemiciclo existe uma maioria parlamentar que, só por si, inviabilizaria qualquer veleidade de fazer “cair” o Governo por esta via.

O recurso a esta forma de manifestação de desagrado com a actuação de qualquer Governo tem raízes muito profundas no sistema político português ainda que, curiosamente, apenas uma tenha tido o efeito desejado, isto é, o de derrubar o executivo, quando em 1988 um partido com uma ascensão meteórica até então, “decidiu” apresentar uma moção de censura que haveria de ter como consequência a quase hegemonização do cavaquismo e a extinção da curto prazo do PRD, assim se chamava o partido em questão.

De facto, ao longo da história parlamentar portuguesa subsequente ao advento da Democracia, muitas foram as ocasiões em que esta iniciativa parlamentar foi usada como “arma de arremesso” contra os Governos embora, tal como atrás se referiu, com uma consequência quase sempre comum, de serem votados ao insucesso, excepção feita ao efeito mediático instantâneo daí resultante.

A razão de ser desta quase impossibilidade prática de resultado útil tem, na sua génese, diversas razões sendo que uma delas foi já aqui referida, isto é, o de carecer de uma maioria absoluta de votos a favor, situação que seja pelos votos da maioria ou da abstenção da outra maioria (a do principal partido da oposição), impede a sua viabilização.

A posição de abstenção é, alias, bastante curiosa, na medida em que normalmente o partido que se abstém comunga no essencial com as críticas expressas pelo partido que interpõem a moção de censura, contudo, porque normalmente se situam em espectros políticos opostos, raramente acompanham o sentido de voto face à “colagem” que evidentemente daí resultaria a entre partidos políticos que no essencial divergem em tudo o resto.

Por outro lado, existe quase sempre (e na passada quinta-feira não foi diferente) o entendimento por parte de algum dos partidos que o momento e as circunstância para apresentar uma moção de censura vão contribuir para uma crise politica à qual o respectivo partido não se quer associar.

Por isso mesmo, recorre normalmente à referida abstenção, quase sempre “carregada” com um sentido crítico próprio de quem, afinal, parece estar mais inclinado para uma votação favorável à moção de censura do que aquela espécie de limbo que é, no essencial, a abstenção (posição curiosa para quem critica a crescente abstenção aos actos eleitoriais).

O ponto quase sempre comum a este tipo de iniciativas é que, quase sempre, tiveram a sua origem nas denominadas bancadas situadas “mais à esquerda” do Parlamento, o que significa em termos práticos que PCP e BE são os principais usuários deste mecanismo de censura ao Governo.

O “problema” é que, sem excepção, a actuação destes dois partidos, partindo de uma base eventualmente correcta, isto é, de que a sua censura é a voz dos cidadãos que eles representam, não tem tido outra consequência que não seja a de “assistirem” na oposição à sucessão de governos, sejam eles do PSD ou do PS, fruto de uma expressão eleitoral que permanece praticamente inalterada de eleição para eleição.

A realidade que parece hoje evidente, é que o actual espectro partidário estará cada vez mais distante de representar as reais aspirações de quem neles vota e, por isso mesmo, idealmente, deveria resultar dos actuais movimentos sociais a materialização numa nova representação parlamentar.

Não creio, contudo, que tal venha efectivamente a suceder. O conformismo colectivo parece revelar-se sempre maior do que a censura individual. Assim vão as cousas.

domingo, 7 de outubro de 2012

Your highness

Confesso não saber se são os dados do nosso dia-a-dia que constituem o enredo perfeito para qualquer filme ou se, no essencial, não somos efectivamente “actores involuntários de uma pelicula de enredo universal, cujo argumento é continuamente escrito e reescrito.

Feito este introito de teor meta-filosófico creio, cada vez mais, estarmos mais próximos da segunda versão pois, invariavelmente surge no meu firmamento o título ligado à 7ª arte ou uma frase-chave do mesmo para descrever o teor de cada uma das minhas dissertações semanais, como se de argumentos se tratassem.
Desta vez, apetece-me recordar um momento do filme-comédia de Mel Brooks intitulado “Uma Louca História do Mundo” no qual o actor, interpretando o papel de Rei de França diz, reiteradamente e olhando para a câmara, que “It’s good being the King”.
Quem teve ocasião de ver este filme conhece, nesta altura, o contexto em que a frase é proferida, contudo, e para quem o viu e já não se recorda ou não o viu de todo, é necessário explicar que a mesma é a súmula do comportamento do Rei, que nessa condição reina sem qualquer impedimento à sua actuação ou sem aparentar qualquer preocupação relativamente à situação de pobreza do seu reino.
Aonde é que nos leva então esta analogia? Leva-nos precisamente aos eventos que de forma reiterada têm associado alguns comportamentos de algumas casas reais europeias a momentos de pouca – ou nenhuma – dignidade real.
Se outra importância estes factos não tivessem, têm, pelo menos, o condão de fazer reflectir uma parte da população relativamente ao papel de um monarca no contexto da Sociedade actual.
Tendo abordado anteriormente esta questão na perspectiva da legitimidade (ou falta) dela do regime monárquico numa Sociedade democrática onde os seus representantes são legitimados nas suas funções por via eleitoral, pretendo agora analisar o seu papel nas Sociedades em que se integram, salvaguardadas as distâncias que separam algumas monarquias em diferentes zonas do Globo.
Cingir-me-ei, desta forma, às monarquias europeias, as quais, curiosamente ou tal vez não, excedem largamente as que se podem encontrar nos demais continentes, tendo em conta que, por exemplo, a Casa Real Britânica se estende territorialmente muito para além do espaço físico da sua ilha de origem, o Reino Unido.
Feita a necessária introspecção a conclusão a que estou porventura “condenado” a chegar é a da ausência de uma participação efectiva dos monarcas na condução dos destinos dos seus “súbditos” situação que resulta em grande parte da ausência de poderes constitucionalmente relevantes que permitam uma actuação autónoma ao nível legislativo ou executivo.
Em resumo, não dispõem de poderes inerentes à condução dos destinos do país que “governam” e esta constatação transforma-os em meras figuras “decorativas” e, sinceramente, não verifico outra forma de os perspectivar.
Alheados dos referidos poderes poder-se-ia pensar que as Casas Reais em geral e os seus monarcas em particular teriam um papel que estaria para além de tais poderes “terrenos” ainda que aquém dos poderes “divinos”.
Esse papel seria o de guardião da soberania e integridade do estado, uma espécie de incorporação numa só entidade de toda ética, moral e dos e dos bons costumes, em quem os cidadãos se poderiam rever e confiar durante todo o período que durasse o respectivo reinado.
O “problema” é que por debaixo da coroa existe um ser humano igual em muito aspectos a tantos outros e a mão que segura o bastão real não tem um alcance mais longo do que qualquer outra mesmo que pertença a alguém que se encontre sentado num trono.
Por isso mesmo à falta de um papel de relevo na condução dos destinos do país boa parte das Casas Reais europeias dedica-se a exercitar a sua imensa margem de tempo livre e, qual personagem do filme que encima este texto, a actuar sem qualquer responsabilidade pública, a que acresce normalmente uma disponibilidade financeira muito acima do cidadão dito comum.
O resultado é, como não podia deixar, de ser a tendência para o comportamento extravagante, aquele que acaba por corresponder ao estilo de vida que normalmente qualquer pessoa gostaria de ter, mas para o qual não tem condições, fruto da ausência do “famoso” sangue azul.
O que temos visto e ouvido nos últimos tempos é que, até neste capítulo, os tais comportamentos estão muito aquém do que seria desejável.
Prova disso é a recorrente necessidade de recurso ao sempre adequado - em qualquer circunstância – pedido de perdão, o qual parece resumir todo um resquício de humildade  
Não basta, contudo, pedir perdão.
É necessário agir como presuntivos “modelos” das suas próprias Sociedades, as mesmas que nos dias de hoje enfrentam problemas sociais e financeiros bem concretos, bem à margem da ostentação que continua a ser exibida por diversos membros da realeza, situação que, diz-nos a História desta ancestral classe social., dificilmente sucederá. Assim vão as cousas

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Lançamento público do livro "Assim vão as cousas" II


Lançamento público do livro 
"Assim vão as cousas - Livro de Crónicas"

Biblioteca Municipal do Pinhal Novo

22 de Setembro de 2012 - 16:30h

Os vídeos do evento
Vídeo 1 


Vídeo 2

Vídeo 3