domingo, 14 de outubro de 2012

Uma "aventura" no hemiciclo

No passado dia 4 deste mesmo mês, o plenário da Assembleia da República debateu, votou e, por fim, chumbou, não uma mas duas moções de censura apresentadas pelo PCP e pelo BE.

O “destino” de ambas as moções era, aliás, previamente conhecido, não apenas pelo facto do outro partido da oposição se ter previamente demarcado das mesmas, através do recurso à figura regimental da abstenção, mas fundamentalmente porque no hemiciclo existe uma maioria parlamentar que, só por si, inviabilizaria qualquer veleidade de fazer “cair” o Governo por esta via.

O recurso a esta forma de manifestação de desagrado com a actuação de qualquer Governo tem raízes muito profundas no sistema político português ainda que, curiosamente, apenas uma tenha tido o efeito desejado, isto é, o de derrubar o executivo, quando em 1988 um partido com uma ascensão meteórica até então, “decidiu” apresentar uma moção de censura que haveria de ter como consequência a quase hegemonização do cavaquismo e a extinção da curto prazo do PRD, assim se chamava o partido em questão.

De facto, ao longo da história parlamentar portuguesa subsequente ao advento da Democracia, muitas foram as ocasiões em que esta iniciativa parlamentar foi usada como “arma de arremesso” contra os Governos embora, tal como atrás se referiu, com uma consequência quase sempre comum, de serem votados ao insucesso, excepção feita ao efeito mediático instantâneo daí resultante.

A razão de ser desta quase impossibilidade prática de resultado útil tem, na sua génese, diversas razões sendo que uma delas foi já aqui referida, isto é, o de carecer de uma maioria absoluta de votos a favor, situação que seja pelos votos da maioria ou da abstenção da outra maioria (a do principal partido da oposição), impede a sua viabilização.

A posição de abstenção é, alias, bastante curiosa, na medida em que normalmente o partido que se abstém comunga no essencial com as críticas expressas pelo partido que interpõem a moção de censura, contudo, porque normalmente se situam em espectros políticos opostos, raramente acompanham o sentido de voto face à “colagem” que evidentemente daí resultaria a entre partidos políticos que no essencial divergem em tudo o resto.

Por outro lado, existe quase sempre (e na passada quinta-feira não foi diferente) o entendimento por parte de algum dos partidos que o momento e as circunstância para apresentar uma moção de censura vão contribuir para uma crise politica à qual o respectivo partido não se quer associar.

Por isso mesmo, recorre normalmente à referida abstenção, quase sempre “carregada” com um sentido crítico próprio de quem, afinal, parece estar mais inclinado para uma votação favorável à moção de censura do que aquela espécie de limbo que é, no essencial, a abstenção (posição curiosa para quem critica a crescente abstenção aos actos eleitoriais).

O ponto quase sempre comum a este tipo de iniciativas é que, quase sempre, tiveram a sua origem nas denominadas bancadas situadas “mais à esquerda” do Parlamento, o que significa em termos práticos que PCP e BE são os principais usuários deste mecanismo de censura ao Governo.

O “problema” é que, sem excepção, a actuação destes dois partidos, partindo de uma base eventualmente correcta, isto é, de que a sua censura é a voz dos cidadãos que eles representam, não tem tido outra consequência que não seja a de “assistirem” na oposição à sucessão de governos, sejam eles do PSD ou do PS, fruto de uma expressão eleitoral que permanece praticamente inalterada de eleição para eleição.

A realidade que parece hoje evidente, é que o actual espectro partidário estará cada vez mais distante de representar as reais aspirações de quem neles vota e, por isso mesmo, idealmente, deveria resultar dos actuais movimentos sociais a materialização numa nova representação parlamentar.

Não creio, contudo, que tal venha efectivamente a suceder. O conformismo colectivo parece revelar-se sempre maior do que a censura individual. Assim vão as cousas.

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