domingo, 29 de dezembro de 2013

A verdadeira prova

Em Abril do ano que agora finda fui "desafiado" a tentar completar uma prova de meio-fundo algo que jamais havia tentado fazer na vida ou, de forma mais exacta, sequer imaginado tentar.

Encarei nessa altura este "desafio" como uma quase necessidade de superação pessoal, algo que iria muito para além da distância percorrida, mas como uma questão deliberada de provar a mim próprio que aquilo que parecia impossível num tempo não tão distante como isso era, afinal, possível.

Não é, contudo, o meu objectivo fazer uma espécie balanço do ano - tão usual nestas alturas - tendo por base o resultado das provas ou da distância percorrida de lá para cá (e foi considerável), mas apenas dissertar sobre a natureza de um "desafio" que foi, efectivamente, vencido.

Não se trata sequer de saber se os tempos e as classificações foram as melhores ou se podiam te-lo sido, mas apenas o constatar um facto que resulta da convicção plena de que todos nós devemos, a todo momento, procurar superar-nos, enfrentando qualquer novo possível objectivo não como um obstáculo mas como algo que não podemos deixar de tentar alcançar.

As corridas são, desta forma, o modelo de vida que procuro traçar em todas as demais componentes dessa mesma vida, seja numa perspectiva de realização pessoal ou profissional, quando - como acontece tantas vezes - ambas não coincidem.

A perspectiva de falhar existirá sempre, porém quem poderá dizer ser uma e a mesma coisa falhar mesmo tentando ao invés de falhar sem sequer tentar?

Não é tão-pouco a convicção de que essa mesma tentativa possa estar a ser avaliada por terceiros ou a forma como a eventualidade de não se conseguir um determinado objectivo será posteriormente analisado por outros que verdadeiramente importa.

O que importa de verdade é a convicção da nossa disponibilidade para assumir o risco, nem que esse seja o risco de falhar.

Tudo acaba por parecer mais fácil dessa forma e a consequência imediata de se conseguir alcançar o objectivo pretendido é precisamente o de motivar a predisposição para novos e mais ambiciosos desafios.

Admito que qualquer um de nós esteja, no essencial, sujeito ao "Principio de Peter" também denominado de "Principio da Incompetência", a questão, no fundo, é perceber se somos nós próprios a tentar chegar à conclusão de uma incapacidade própria de ultrapassar as nossas próprias limitações ou se, pelo contrário, serão os outros, por defeito, a fazê-lo por nós.

Só existe a meu ver uma forma de avaliar correctamente esta situação e essa forma é a de nos mantermos em paz com a nossa consciência e, nesse aspecto, a minha vai seguindo tranquila. Assim vão as cousas.   



domingo, 22 de dezembro de 2013

A falsa ideologia

O Governo de matriz conservadora de Mariano Rajoy aprovou na passada semana uma alteração legislativa à lei do aborto que havia sido, por seu turno, anteriormente revista pelo anterior primeiro ministro em 2010, retomando dessa forma as bases de um outro diploma de 1985, a partir do qual a práctica do aborto fica limitado a uma necessidade "por causa de um grave perigo de vida ou da saúde física e psicológica da mulher ou que a gravidez tenha sido consequência de um delito contra a liberdade ou integridade sexual da mulher".

Este tema, que em Portugal teve igualmente um desenvolvimento legislativo relativamente recente durante a anterior legislatura, integra o elenco dos denominados "temas fracturantes" por configurar uma questão que dificilmente colocará alguém na posição de indiferença mas, bem pelo contrário, remete para extremos bem opostos a opinião que cada um tem sobre o mesmo.

Creio, ainda assim e de forma antagónica, poder afirmar que o conceito de aborto é, em si mesmo, um conceito bastante aglutinador de uma mesma opinião, na medida em que entendo que dificilmente alguém será - em abstracto - favorável à sua práctica.

O problema é que a questão é muito mais do que abstracta e tem contornos bem concretos para que, de facto, exista uma profunda divergência quanto à sua admissibilidade.

Pessoalmente enumero - pelo menos - duas circunstâncias que determinam o epíteto de "fracturante" de que é apelidado este tema.

Em primeiro lugar a questão em si mesmo remete para a matriz cristã da sociedade ocidental que foi "ensinada" (e bem) a considerar o direito à vida como um direito sagrado (literalmente) sendo essa concepção de vida estendida até ao momento da concepção.

A progressiva laicização dos Estados aliado à igualmente progressiva alteração do posicionamento das pessoas face à igreja - por vezes em resultado de uma certa radicalização/ortodoxia do discurso "oficial" - implicou um afastamento a esse mesmo discurso com a consequente opção pelo ateísmo ou agnosticismo, sendo esta em que - como é sabido - me revejo pessoalmente.

Em segundo lugar surge a politização do tema, passando por uma tendência/convicção de que o tema do aborto é uma "coisa" de esquerda que - vá lá saber-se porquê - é genericamente vista como favorável ao aborto ao passo que a direita terá uma opção ideológica em sentido contrário.

Também aqui admito que a razão desta aparente separação tem sobretudo a ver com a matriz conservadora de alguns sectores da direita em oposição à tendencial matriz mais liberal (não no sentido económico do termo) de alguma esquerda, também ela normalmente associada a uma menor ligação às "coisas" da igreja, presunção que, creio, não corresponder inteiramente à verdade nem sequer naquilo que diz respeito à esquerda mais radical.

Poderia ainda acrescentar uma terceira circunstância às duas anteriores que resulta do facto de se entender - por vezes - que se trata de um tema "das mulheres" e que aos homens é vetado o direito de decidir sobre o tema pelo simples facto da natureza não lhes ter facultado a mesma capacidade de poder gerar novas vidas.

Esta última "visão" é, a meu ver, a mais falaciosa de todas, pois para a concepção não conseguiu ainda a ciência criar condições para que a vida possa ser gerada sem o "recurso" à fertilização - mesmo que artificial - do óvulo por parte de uma célula reprodutora masculina, de nome espermatozóide.

Resumidas as duas questões (que afinal são três) que entendo contribuírem - de certa forma interligadas - para a profunda divisão que existe em quase todas as sociedades sobre este tema é chegado o momento de eu próprio exprimir a minha opinião sobre o mesmo.

Deixando de lado as questões que (ainda assim) são mais ou menos consensuais nesta matéria e que remetem para a admissibilidade do aborto em casos de violação ou de malformação do feto ou de perigo de vida para a mãe, creio que a questão não pode nem deve ser vista - racionalmente - do ponto de vista da religião, da política ou de se poder ou não "dar à luz".

A questão é a da percepção que cada um de nós tem sobre a maior ou menor visibilidade relativamente ao tema.

O tema do aborto não é recente, mas durante muito tempo andou "escondido" por detrás da vergonha e da ausência de qualquer dado estatístico que permitisse aferir quantas eram as mulheres que efectivamente recorriam a essa práctica e, não menos importante, em que condições é que o faziam.

Por isso mesmo, porventura fazendo jus ao ditado de que aquilo que os olhos não vêm o coração não sente, quando o tema se tornou assunto de Estado as pessoas foram imediatamente colocadas perante a necessidade de escolha face um tema que sabiam existir mas sobre o qual não se falava abertamente.

Se a este facto se juntar a constatação de que em diversos países a práctica de aborto é considerada simplesmente um crime, percebe-se que existem mais do que motivos para que o tema "não exista" oficialmente em tais territórios.

Ora, quando tal sucede, as pessoas acabam, conforme referi, por ter de fazer opções e, nesse sentido, estarão certamente inclinadas a fazê-lo em função das suas convicções religiosas, politicas e mesmo da sua condição de mulher ou de homem.

Quando um qualquer Estado faz uma opção pela descriminalização do aborto ou o alargamento da tipificação das circunstâncias em que o mesmo pode ocorrer (incluindo o prazo) chamando a si a responsabilidade de zelar pela saúde de quem decide recorrer ao aborto, abre uma "ferida" nas convicções de cada um e, talvez por isso mesmo, tenda a querer vincular os cidadãos a essa mesma decisão por via da realização de referendos.

Por isso mesmo a decisão tomada pelo Governo Espanhol - independentemente do maior ou menor apoio à mesma - não implicará a diminuição do número de abortos, porque eles voltarão a ser realizados de forma "escondida" em condições precárias ou, no limite, passarão a ser efectuados noutros países onde a legislação seja menos restritiva.

Por tudo isto a minha convicção é simples. O que está em causa não são as nossas convicções sobre o significado do direito à vida de um feto, o que está em causa é a certeza que temas há que não é a mera proibição que os elimina ou, dito de outra forma, não é por cada um de nós fechar o olhos com o objectivo de não ver o que se passa à nossa volta que a vida mas também a morte deixam de existir. Assim vão as cousas. 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Partido ao meio

Coisa rara em Portugal parece estar prestes a surgir um novo partido político pela mão de alguns "dissidentes" do Bloco de Esquerda que, aparentemente de forma simbólica, se há-de chamar de LIVRE querendo, ao que parece, efectuar uma espécie de sintese de um sector esquerda portuguesa que, presume-se, estará, pelo contrário PRESA.
 
Não é, contudo, o propósito das linhas seguintes abordar as origens e motivões deste novo partido mas sim analisar o seu surgimento num duplo contexto, isto é, o seu enquadramento histórico e as suas bases futuras.
 
A questão dos partidos políticos encontra-se normalmente "resolvida" em períodos de diminuição das liberdades e garantias de associação, vulgo ditadura, durante os quais vigora a "lógica" do regime de partido único ou se outros existem, tal resulta sobretudo de uma certa "tolerância" desse mesmo regime, certo que o conceito de oposição não é certamente aquele que colocará em causa a sua subsistência.
 
Por isso mesmo, terminado esse período de duração variável, é normal suceder uma proliferação de novos partidos políticos, expressão de um impulso democrático a partir do qual todo e qualquer um poderá associar-se e candidatar-se a elevar a sua representatividade ao local onde, por excelência, a mesma conflui, isto é, o Parlamento.
 
Esse efeito foi particularmente "visivel" no período da 1ª República de onde emergiu um conjunto significativo de pequenos partidos sem expressão social relevante, com uma existência de cariz ideológica distinta daquela que actualmente se conhece (esquerda/direita), encarnando sobretudo as tendências do momento, isto é, distinguindo-se em função do seu alinhamento com o regime repúblicano ou o monárquico.
 
Curiosamente e em resultado da fragilidade do sistema político, o único partido representado na Constituinte em 1910 haveria de ser o Partido Repúblicano, sendo que a incapacidade dos partidos de então em responder às principais necessidades económicas e sociais de um país acabado de saír de uma guerra mundial haveria de propiciar sucessivas alterações do governo (com uma ditaduta militar pelo meio) e, por fim, conduzir ao movimento militar de 28 de Maio de 1926, com a consequente dissolução do Parlamento.
 
O período seguinte - denominado de Estado Novo - impos a atrás referida politica de "partido único" que determinou que, entre 1926 e 1974, a oposição ao regime fosse feita - quase exclusivamente - não pela via partidária mas sim por movimentos na clandestinidade, dentro e fora do país, algo que se alteraria radicalmente precisamente a partir de 1974.
 
Nessa ocasião, nomeadamente no momento das primeiras eleições para a Constituinte em 1975 (que teve, diga-se, uma afluência histórica de 91%) determinou que os 250 lugares do parlamento fossem "divididos" por 7 partidos, embora muitos outros de menor dimensão tivessem sido criados.
 
Os anos seguintes, de consolidação da democracia, operaram uma estabilização do voto popular em 6 partidos, sendo que um deles apenas detém representação parlamentar por via de uma coligação "tradicional" com o Partido Comunista Português.
 
Pelo meio o país viu "desaparecer" cerca de 30 partidos políticos, existindo ainda 13 partidos que nunca conseguem obter o número de votos necessário para passarem a estar presentados no Parlamento.
 
Ora, a quase cristalização da tendência de voto por um número reduzido de partidos tem operado um duplo efeito de "convite" ao não surgimento de novas estruturas partidárias fruto da dificuldade em dispor dos meios suficientes para fazer parte de uma "guerra" que dificilmente poderá ser ganha, na medida em que raramente resultam da dissenção de qualquer dos principais partidos políticos ou da aglutinação de dois ou mais partidos que, no conjunto, poderão somar os votos necessários à referida representação, por pequena que seja.
 
Exemplo disso mesmo são os exemplos mais recentes do PRD e do BE, sendo que o primeiro intregra precisamente o elenco de partidos que entretanto se dissolveram.
 
O segundo efeito a que atrás me refiro e que é particulamente "visivel" nos dias de hoje, nomeadamente para consecutiva redução da expressão da participação popular nos actos eleitorais é o facto das pessoas parecerem começar a "cansar-se" do actual expectro partidário, demonstrando-o pela referida abstenção mas também pela adesão a uma certa tendência para a prevalência de movimentos de cidadãos - vulgo independentes - que fazem do discurso do distanciamento ao status quo partidário precisamente a sua principal força.
 
Este efeito ficou bem patente nas mais recentes eleições autárquicas, ainda que em certas situações os tais movimentos de cidadãos fossem - de forma oportunista - encabeçados por ex-dirigentes partidários que parecem ter assimilidado a oportunidade do distanciamento dos partidos a que anteriormente estavam ligados e que, em bom rigor, são a causa da sua notariedade.
 
Neste contexto fará sentido o surgimento de um novo partido?
 
Em bom rigor e sem dispor de qualquer noção sobre as respectivas normas programáticas para além das que o colocam o partido LIVRE algures entre o PS e o BE, admito que tal possa revelar-se como oportuno, embora tenha sérias dúvidas sobre a capacidade de mobilização no actual contexto.
 
A minha principal preocupação é, contudo, outra. A minha preocupação resulta da percepção que o distanciamento das populações em relação ao regime partidário "force", de certa forma, a convicção geral de que o regime democrático não necessita de partidos, algo que não compaginável com um modelo de regime democrático.
 
Um pouco por toda a Europa vão surgindo novos movimentos políticos que, precisamente à luz deste principio, vão disseminando mensagens de cariz anti-democrático que têm como principal mensagem o ataque ao sistema político dito convencional, num regresso a uma retórica já antes vista e cujas consequências se conhecem mas, sobretudo, não se podem nem devem ignorar. Assim vão as cousas.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Corrida dos Descobrimentos 2013

Um frio intenso foi o anfitrião de mais uma prova que haveria de correr de forma bastante agradável, desde logo porque "consegui" iniciar a corrida praticamente em cima da linha de partida pelo que o tempo oficial e de chip são quase coincidentes. 


Um excelente 362º lugar entre 1150 atletas e o 49º lugar no escalão 40-44 com um tempo de 00:53:07 deu para "aquecer" o estado de espírito. 


A época termina já a seguir com o ano também a dizer adeus.








domingo, 8 de dezembro de 2013

Falsa partida

Na semana em que a troika nos faz pela 10ª vez uma "visita" a propósito das pré-agendadas avaliações periódicas da implementação do "famoso" Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, doravante designado pelo acrónimo MESCOPE ou simplesmente por Memorando de Entendimento, dou por mim a exercitar os meus conhecimento básicos ou, dito outra forma, dei-me ao trabalho de ler o referido documento de uma ponta à outra.

Talvez pudesse e devesse te-lo feito antes na medida em que, não raras vezes, a ele me refiro nas minhas dissertações ainda que, valha a verdade, não o tenha alguma feito na perspectiva de dissertar sobre alguma das suas cláusulas, sob pena de rapidamente ser desmentido, preferindo antes uma abordagem ao documento de forma conceptual que, no fundo, é aquela que o mais comum dos mortais fará, sem que sequer possa ser censurado por isso.

A primeira constatação é que, por mera coincidência do destino, o MESCOPE apresenta uma data que é coincidente com a aquela que, pelo calendário, é também a minha data aniversaria, pelo que doravante não deixarei de me lembrar que nesta mesma data, uns anos antes, o então governo demissionário do Eng. José Sócrates com a supervisão de PSD pela mão do Dr. Eduardo Catroga e do CDS pelo inevitável Dr. Paulo Portas, assinaram um documento que visava, nas "palavras" do próprio documento a "concessão de assistência financeira" a Portugal, temática a que voltarei na parte final do presente texto.

Sem querer também agora entrar a fundo em cada uma das clausulas que compõem o Memorando entendo ainda assim e quase inevitavelmente, extrair do seu conteúdo geral quatro grandes conclusões, a que seguidamente darei forma.

A primeira resulta desde logo da dimensão do MESCOPE, na medida em que seria minha convicção - e provavelmente da esmagadora maioria das pessoas - que um documento de compromisso que, no essencial, prevê o resgate do país por uma nada despiciente soma de 80 mil milhões de euros, teria um volume de páginas considerável, deixando a cada um dos leitores a definição de "considerável" mas que, na minha opinião, deveria ser pelo menos superior ao Orçamento de Estado, na medida em que se este se destina a vigorar pelo prazo de um ano já o Memorando tem uma "validade" de um pouco mais de 3 anos.

A verdade é que não é bem assim pois afinal o Memorando de Entendimento apresenta umas singelas 35 páginas o que, em bom rigor, significa que o meu próprio contrato de empréstimo tem um volume superior quando afinal de contas envolve valores consideravelmente mais... humildes.

O motivo para que tal suceda é, no fundo, a segunda grande conclusão, isto é, aquela que remete para o tempo verbal mais utilizado em todo o texto que, para quem ainda se lembra dos tempos de escola, é  o da terceira pessoa do singular do futuro do presente do indicativo e, dito isto, desafio cada um a pesquisar que conjugação verbal será esta.

Abrindo, contudo, a porta deste mistério, diga-se que o que o MESCOPE define não são os normativos que hão-de ser seguidos durante o período do resgate mas sim a definição do que ao Governo compete fazer para o conseguir, numa base cronologicamente datada por cada trimestre, isto é, aqueles que coincidirão com a visita da troika para verificar o nível de implementação das políticas para o cumprimento do Programa de Assistência.

Por isso mesmo e esta é a terceira conclusão não será fácil ao leitor encontrar no documento algumas das medidas mais "emblemáticas" da politica de austeridade do Governo na medida em que, simplesmente, elas não estão lá, razão que justifica a frase proferida por alguns de que o executivo foi ou terá ido para "além do memorando".

Dando como exemplo - entre muitos outros possíveis - nada consta no documento sobre a subida do IVA ou o corte dos subsídios de férias e de Natal, pelo que apenas nos é possível concluir que não sendo imposições da troika são, antes de mais, o resultado do entendimento do Governo sobre a forma de dar corpo e substancia a algo que se encontra repleto de enunciados gerais.

Ora este poder discricionário na aplicação das medidas contidas no MESCOPE leva-me a retomar a questão que havia ficando em suspenso no inicio do texto e que servirá, para todos os efeitos, como última grande conclusão, sendo forçado a concluir que o simples facto dos principais partidos do chamado "arco da governação" terem participado na sua formulação deveria ter levado a um compromisso de alargado - senão mesmo uma grande coligação - tendo em vista a definição das politicas para implementação do Memorando de Entendimento que teriam por base um consenso alargado e, nessa medida, provavelmente mais aceitáveis pela generalidade dos cidadãos.

Não foi, para nosso infortúnio, nada disso que se passou pela confluência de diversos factores, tendo por um lado o descrédito que nessa altura caíra sobre o Governo Sócrates, por outro a mais do evidente ânsia pelo poder da dupla Passos Coelho/Paulo Portas e, finalmente, a ausência de um verdadeiro empenhamento por parte do Presidente da República em ser o "mediador" dessa necessidade.

O resultado é o conhecido e, talvez por isso mesmo, à luz de uma perspectiva nada animadora de um segundo resgate ou de um plano cautelar (algo que ainda ninguém sabe muito bem o que será) se volte a falar na necessidade de consensos para daqui a 7 meses, isto é, coincidindo com o fim do MESCOPE.

Não creio, contudo, que tal seja possível sem a realização de eleições antecipadas, uma vez que é fácil de perceber que o principal partido da oposição não estará disposto, razoavelmente, a simplesmente aderir a um plano negociado pelos partidos da coligação. 

Ora, precisamente nesse aspecto Portugal terá muito a aprender com o modelo alemão após as recentes eleições legislativas, em que os dois principais partidos - à falta de uma maioria absoluta - concorreram isoladamente a essas mesmas eleições para seguidamente se coligarem, claro está, a bem da Nação. Assim vão as cousas.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Velhos hábitos

Num destes últimos dias tive ocasião de observar uma colagem fotográfica que “comparava” as situações de publica indignação em alguns dos locais mais “quentes” da actualidade – nomeadamente na Grécia, Brasil e Espanha – com uma imagem, de certa forma caricatural, da equivalente manifestação desse mesmo “estado de espírito” em Portugal no qual, bem ao contrário das referidas imagens de exacerbamento social, remetia para uma bonomia e paz de espírito.
Creio, contudo, que a imagem reflectia algo mais do que tais situações de complacência uma vez que o que se pretenderia afirmar seria, afinal de contas, um estado de indiferença perante situações que tendo natureza diferente têm consequências bastante próximas.
Dito de outra forma, parece vir ao de cima a “célebre” afirmação que nos “acompanha” à largos anos, a partir do qual o povo português é definido como sendo de “brandos costumes”.
Não deixa, ainda assim, de ser curioso que nesta mesma fase da nossa sociedade parece haver um certo recrudescimento de um estado de alguma agitação social, bem patente no crescimento do número de manifestações públicas de contestação ao Governo, incluindo uma “simbólica” subida das escadarias do Parlamento, independentemente do significado que cada um queira atribuir a esse momento, mas também de um discurso político de certas esferas do poder político que, sem aparente hesitação, repetem sucessivamente a palavra “violência”, também aqui sem um entendimento uniforme se tal representará um aviso ou uma verdadeira ameaça.
A verdade é que a “genética” portuguesa é bem mais conciliável com o epíteto dos “bons costumes” do que com uma reacção violenta às adversidades, como parece verificar-se noutros quadrantes geográficos, nomeadamente na “velha Europa”.
Esta perspectiva assenta em factos históricos mais ou menos contemporâneos, tomando por exemplo por base o facto de em toda a nossa “tradição” não haver registo, excepto no virar do regime monárquico para o republicano, de um caso de regicídio ou, mais recentemente, da forma “pacífica” como Portugal enfrentou 48 anos de ditadura até que alguém teve a coragem de dizer “basta”.
De lá para cá o mais que houve foram pequenas amostras de indignação mais exaltada, constituintes elas próprias de uma situação mais de excepção do que verdadeira regra.
Aquilo que parece, na minha análise, ser coincidente com os dois momentos fundamentais da nossa história contemporânea, isto é, a queda da monarquia e da ditadura, é que os mesmos acontecem em momentos em que o modelo social se havia tornado insustentável, não apenas pela evidente limitação de direitos elementares democráticos por via das ditaduras de João Franco ou de Salazar/Marcelo, mas pelo facto de socialmente o desfasamento entre Portugal e os demais estados europeus ao nível do desenvolvimento ser de tal maneira evidente que, para lá das habituais teorias da conspiração, o que se tornou evidente foi a necessidade de mudança imediata, mesmo sem uma verdadeira consciência dos desafios que em ambos os casos se haveriam de seguir.
Creio, portanto, que a noção de brandos costumes se deve, antes de mais, a um sentido de medo generalizado das consequências de uma determinada actuação cívica, fruto de uma “política de medo” muito própria das ditaduras, ou seja, os movimentos da sociedade não confluem num objectivo comum em virtude do receio das consequências que dai poderão advir para cada um dos membros desse movimento.
Por isso mesmo, aquilo que qualquer regime deve fundamentalmente temer não são as ameaças mais ou menos “incendiadas” de um recurso à violência ou sequer a exibição de uma qualquer forma de manifestação pública de insatisfação.
Aquilo que qualquer regime deve temer – este ou qualquer outro – é o momento em que essa fronteira deixa de existir, simplesmente porque as pessoas já não têm nada a perder. E,  sendo esta uma lição da nossa própria história, confesso não ter absoluta certeza não possa estar já prestes a acontecer. Assim vão as cousas.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

São Silvestre de Lisboa 2013

A última corrida do ano esteve para não acontecer devido a um problema de saúde denominado Síndrome da Banda Ilio-tibial também conhecida por "Síndrome do Corredor" que, em bom rigor, faz com que a partir de determinada distância ocorra uma inflamação da banda iliotibial, provavelmente provocada pela falta de flexibilidade da banda ílio-tibial. 








Por isso mesmo o objectivo para esta corrida era conseguir terminar - de preferência sem dores - e, se possível, dentro dos 60 minutos. 


Apesar das dores intensas a partir do 6 km foi possível concluir a prova dentro do objectivo, muito à custa de um "reforço" da carga no pé direito, com um tempo de chip de 57:41 a que corresponde um tempo oficial de 58:28. 


Na geral um lugar 3979 entre 6535 participantes e um 742 lugar entre 968 participantes do escalão "veterano 2". 






Agora é recuperar para enfrentar novas corridas/desafios em 2014.

Corre Jamor 2013

À 10ª corrida um quase passeio pelo campo nos limites da cidade de Lisboa, num percurso bem diversificado, sinuoso e com suficientes subidas para tornar esta prova uma das mais duras na qual já participei.



Ainda assim uma das provas mais interessantes "so far" com muito frio à mistura. 


Um 733º lugar na geral entre 1428 participantes e o 121º lugar entre 203 participantes no escalão "veterano 2" são o reflexo de uma prova a meio-termo entre o cansaço e a convicção de ser possível fazer melhor, com um tempo oficial de 57:05.



domingo, 24 de novembro de 2013

O auto da estupidez


A liberdade de expressão é uma das consequências prácticas de qualquer estado de direito democrático e, no essencial, atribui a cada um o direito de se expressar livremente, sem que por tal facto possa vir a sofrer consequências desfavoráveis para si próprio.
Pessoalmente, actuo neste espaço precisamente no pressuposto que atrás referi sabendo, contudo, que a referida liberdade não é incondicional, não no sentido de se encontrar limitada enquanto conceito abstracto, mas porque em termos concretos, a minha liberdade não deve colidir com igual liberdade de outrem, condicionando-a ou limitando-a.
Dessa situação resultaria uma óbvia subversão do princípio que lhe subjaz e, não querendo contribuir para uma tal alteração deste paradigma, procuro não recorrer ao insulto “fácil” ou sequer ao “lançamento” de falsos argumentos, não só pela convicção de que dessa forma seriam facilmente rebatidos, mas igualmente pela percepção de que não é justificável procurar “chegar” a uma determinada conclusão com base em argumentos pouco credíveis.
Tal facto não impede que, semanalmente, emita a minha opinião e os argumentos que a fundamentam e que os mesmos sejam – espero sinceramente – passíveis de gerar opinião contraditória, ainda que consciente de que o espaço que escolhi para o efeito dispõe de uma menor exposição mediática do que outros canais.
A este respeito dediquei-me a analisar a recorrente tendência para algumas personalidades, mais ou menos relevantes da nossa vida pública, para emitirem opiniões de natureza pessoal rapidamente apelidadas de “polémicas” porque, no essencial, remetem quase todas elas para uma visão – igualmente pessoal – da contextualização social do actual período de crise.
E fazem-no – aparentemente – sem qualquer pudor, “atravessando” dessa forma a “fronteira” inicialmente referida em que a opinião pessoal ofende directamente um conjunto alargado de pessoas que são normalmente o “alvo” de tais polémicas.
A parte relativamente curiosa da questão é que a reacção “viral” (conforme é corrente apelidar-se nos tempos que correm) é quase sempre unanime em repúdio de tais afirmações o que, poderá significar uma de duas coisas: ou a pessoa que as profere está errada ou todos os demais estão enganados e, nestas coisas, cada um que escolha a versão que mais lhe agradar.
A celeridade com que, nos tempos mais recentes, este tipo de afirmações tem vindo a ser veiculado torna, porém, difícil uma selecção “justa” em função do respectivo grau de importância ou, no caso vertente, da reacção que delas emergiu, pelo que a opção correcta será a de contextualizar de forma abstracta essas mesmas afirmações.
Dessa forma e no que toca à política salarial portuguesa retenho a afirmação (entre muitas outras) do falecido Dr. António Borges que, do alto do seu “magnífico” salário, afirmava que “diminuir salário não é uma política é uma urgência”. Contudo, este “princípio” não era universal já que para alguns sectores – nomeadamente para os políticos – a resposta à questão se deveriam ser melhor remunerados foi, sem hesitação, que “não tenho dúvida nenhuma”.
Ainda de acordo com este especialista em frases infelizes não haveria um “regime melhor do que a ditadura iluminada”, citando a esse propósito o exemplo de Singapura, curiosamente um Estado onde vigora uma modelo de sociedade que não é certamente um paradigma de democracia.
Neste mesmo aspecto da moderação salarial veio mais recentemente a terreiro o economista João César das Neves afirmar que o aumento da retribuição mínima seria a pior forma de “estragar a vida aos pobres”, apelidando mesmo de “criminoso” a ideia de criação de um movimento de opinião que defenda esta medida.
Não adianta contestar que em si mesmo a afirmação é contraditória pois não se perceberá de que forma a vida de alguém que já é catalogável como pobre possa ter a sua vida ainda mais “estragada” pelo simples facto de lhe aumentarem a remuneração (mínima).
Parece, alias, que este tema é demasiado “rico” para sobre ele dissertarem poucas pessoas e, nesse aspecto, também o Eng. Belmiro de Azevedo – um dos homens mais ricos de Portugal – afirmou em tempos que “sem mão-de-obra barata não há emprego”.
Não posso, por fim, deixar de referir a expressão recente da romancista cor-de-rosa Margarida Rebelo Pinto que, entre outras preciosidades” afirmou a sua “repulsa” por quem – legitimamente, presume-se – se manifesta contra os cortes salariais porque no seu entender ela própria “como toda a gente” teve cortes e que nada mais nos resta do que “aprender a viver com menos”.
Diga-se, contudo, que a própria condição de pobreza parece ser “fonte” de alguma verbalização menos conseguida e, também aqui, por mais do que uma “personalidade” pública.
Veja-se o exemplo de Cristina Toscano Rico, da família Espirito Santo (uma das mais abastadas de Portugal) que afirmou a propósito da praia da Comporta que ali se vivia “em estado mais puro” para a seguir referir que tal seria como “brincar aos pobrezinhos”.
Não obstante e em abono da verdade a própria autora desta expressão haveria mais tarde de pedir desculpas pela infelicidade “descontextualizada” das suas afirmações. É coisa rara, mas fica bem.
Voltando a João César da Neves ficámos a “saber” que a situação de pobreza será, no que toca “à maior parte dos pensionistas” uma situação mais aparente do que real, uma vez que na sua opinião eles estarão apenas a “fingir que são pobres”. Pelo menos assim será na sua cabeça de faz-de-conta.
Por estranho que pareça até aqueles cuja actividade é a assistência aos mais desfavorecidos e que para tal necessitam de forma permanente da caridade alheia parecem ter uma opinião que mesmo aqueles que prestam essa mesma caridade terão de aprender a viver “mais pobres”, de acordo com a opinião da Dra. Isabel Jonnet do Banco Alimentar contra a Fome, porque têm vivido “muito acima das possibilidades” e para que não restam dúvidas ilustra a mensagem com uma imagem tão infeliz como absurda de que “se nós não temos dinheiro para comer bifes todos os dias, então não comemos bifes todos os dias” ainda que não se perceba bem a quem é que se estará a referir em concreto que tenha uma tal ementa tão pouco variada sem ter dinheiro para tal.
A presente “ilustração” não ficaria completa sem uma referência ao entendimento que alguns destes indivíduos têm sobre o alcance da austeridade e os respectivos impactos no progressivo empobrecimento da sociedade.
Ficou, a este propósito, tristemente célebre a opinião do banqueiro Fernando Ulrich que o país deveria “aguentar mais austeridade” e se algo ficou para memória futura dos portugueses foi a resposta que se seguiu à questão se os portugueses aguentariam mais austeridade reforçando o entendimento que “ai aguenta, aguenta”.
Mas é preciso perceber o porquê desta convicção. É que, no seu entender, “se os sem-abrigo aguentam porque é que nós não aguentamos?” referindo que a ele próprio poderia suceder passar do estatuto de banqueiro-rico para um sem-abrigo indistinto entre os demais afirmando que “isso também nos pode acontecer”. Em teoria, claro.
Nada parece deter a ansia de lançar atoardas sobre tudo e todos e por isso não é de estranhar o entendimento de João César das Neves que o Tribunal Constitucional funciona “em termos políticos” com argumentos baseados em “princípios genéricos de igualdade e outras coisas” ou que a etérea Margarida Rebelo Pinto se revele “profundamente triste” por assistir a manifestações que apenas servem para “interromper e tentar perturbar o trabalho daqueles que neste momento governam o país”. Elucidativo.
O mais grave de tudo isto é que parecem não restar dúvidas sobre a convicção com que este tipo de afirmações é produzida, podendo mesmo assumir uma carácter quase religioso tomando por exemplo a convicção do empresário Alexandre Soares dos Santos que, em 2011, afirmava que a entrada do FMI em seria “uma bênção” para Portugal. Ámen.
A meu ver e em resumo, o que está por detrás de todos estes “pensamentos” não é o desejo de uma polémica inútil mas sim a assunção despudorada de convicções pessoais que constituem uma perigosa inversão dos valores que devem guiar uma sociedade democrática onde, entre outros aspectos, se respeite e proteja aqueles que mais necessitam e o direito daqueles que exigem precisamente esse respeito e protecção. Assim vão as cousas.

domingo, 17 de novembro de 2013

O trevo da sorte

Diz a tradição que encontrar um trevo-de-quatro-folhas é sinal de boa sorte, porventura associado ao facto se tratar daquelas "anomalias" da natureza na medida em etimologicamente um trevo, isto é, "três folhas" não pode (ou não deve) ter "quatro folhas" e manter ainda assim o mesmo nome, como de facto acontece.

Mas de onde surge, afinal, este aparentemente inusitado interesse sobre o mundo das plantas?

Resulta do facto da tradição a que me refiro ser uma tradição Celta, ou seja, aqueles mesmos que actualmente reconhecemos por República da Irlanda e que se preparam para completar em 15 de Dezembro próximo o respectivo programa de ajustamento, dispensando qualquer nova forma de ajuda externa, seja ela em forma de resgate ou de "programa cautelar", mesmo não se percebendo bem qual a diferença entre as duas.

Ora, de acordo com a minha perspectiva e contrariamente ao que algumas "vozes" do Governo e dos partidos que o suportam, a decisão da Irlanda é, infelizmente, uma má notícia para Portugal, curiosamente também na semana onde o país saiu da denominada "recessão técnica" ainda que em termos homólogos, isto é, naquilo que é verdadeiramente comparável, se perceba que o PIB contraiu de facto 1%, ou dito de outra forma menos "simpática", a economia portuguesa continua a destruir riqueza. 

Perguntar-me-ão - e com toda a justiça - porque é que a boa notícia da Irlanda é uma má noticia para Portugal?

Fundamentalmente porque Portugal desde cedo entendeu ser de toda a conveniência para si próprio "colar-se" à Irlanda por oposição à "colagem" que tendencialmente se ia fazendo de que haveria mais factores de coincidência entre a realidade portuguesa e o desastre grego do que com os mais do que evidentes sinais de que, passo a passo, a Irlanda lá ia recuperando a sua economia.

Acontece que essa colagem não é sequer intelectualmente honesta, porque em momento alguma o "processo" irlandês foi comparável com o "processo" português, na mesma medida em que existem muito mais factores que distanciam os dois países do que aqueles que os aproximam.

Desde logo a crise Irlandesa tem a sua origem numa crise bancária, fruto de uma excessiva exposição a produtos financeiros baseados no "sub-prime" dos EUA facto que, tal como sucedeu noutras "paragens", haveria mais tarde de expor as fragilidades do sistema financeiro irlandês o que a partir do inicio da crise financeira internacional em 2008.

Por esse mesmo facto a intervenção da "troika" centrou-se na reestruturação do sistema financeiro, através da recapitalização dos bancos, ainda que, tal como em Portugal, os contribuintes tenham sido "chamados" a suportar uma parte dos custos.

Importa, contudo, ter presente que o PIB irlandês cresceu em média 5,5% ao ano, entre 1987 e 2007 e que, por exemplo o investimento directo estrangeiro em sectores tecnológicos era 10 vezes superior ao da União Europeia em 2003, resultando de uma estratégia de "troca" entre entre uma politica de contenção salarial por baixos impostos.

Não era este o "cenário" em Portugal que, diga-se, não estava sequer exposto ao sub-prime, mas onde os sinais da crise são de certa forma coincidentes com o momento da adesão à moeda única, assente num modelo económico que privilegiava os denominados bens não transacionáveis e uma forte dependência do crédito externo e, por fim, uma politica de investimentos públicos de reduzida eficiência.

A "reboque" da crise financeira internacional de 2008 e da subsequente flexibilização das metas do déficit público assistiu-se durante o ano seguinte a um forte investimento público que teve como consequência uma "desconfiança" dos (quase) sempre atentos mercados relativamente à sustentabilidade da divida soberana portuguesa, situação que haveria de agravar-se por via do que já então se passava na Grécia.

Também aqui o programa de assistência financeira a Portugal foi totalmente distinto do que haveria de ser "desenhado" para a Irlanda, tendo como objectivo a consolidação orçamental que haveria de ser feita, quase em exclusivo, à custa do aumento de impostos (solução mais rápida) em detrimento da contenção da despesa pública (solução mais demorada), do qual resultou o efeito conhecido de aprofundamento da recessão, com o inevitável aumento do desemprego e da emigração.

Tudo o resto é conhecido e demasiado complexo para "caber" em tão breves linhas, mas o que é hoje demasiado evidente é que o modelo da "troika" para Portugal é contraditório em si mesmo, pois ao gerar maior recessão determina a diminuição da receita só passível de ser compensada por novos aumentos de impostos e de outras forma de contribuição o que, provavelmente, aprofundará essa mesma recessão.

Talvez por isso mesmo e certamente por outros motivos a Irlanda que, diga-se, tem cerca de metade da população portuguesa e um salário mínimo três vezes superior ao português, estará hoje em dia a financiar-se nos "mercados secundários" a dez anos com um taxa de juro de 3,5% ao passo que Portugal, para esta mesma maturidade, se está a financiar pagando um juro acima de 6%.

Em suma, percebe-se que Portugal "veja" na Irlanda um modelo a seguir, mas a realidade diz-nos que, muito provavelmente, vamos ter de continuar a procurar o nosso "trevo-de-quatro-folhas" por mais algum tempo, sem se saber bem até quando. Assim vão as cousas.

domingo, 10 de novembro de 2013

Publicidade enganosa


Num curto espaço de tempo os portugueses foram confrontados com duas notícias que nada tendo, em abstracto, uma a ver com a outra são, de acordo com a minha interpretação, causa e consequência de uma mesma temática, ou seja, o desemprego em Portugal.

Num primeiro momento conheceu-se a decisão do Tribunal Constitucional (TC) que, com uma considerável distância em relação ao pedido de fiscalização, chumbou algumas normas do Código de Trabalho relacionadas com a extinção do posto de trabalho, com o despedimento por inadaptação e com a sobreposição da lei em relação aos contratos colectivos no que respeita ao descanso compensatório e à majoração das férias.

O TC considerou que as normas analisadas violavam a proibição de despedimentos sem justa causa, o direito dos sindicatos à contratação e ainda a norma que determina que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias “nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Mais recentemente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tornou público um relatório – arrasador, diga-se – para a situação laboral em Portugal em que, desde o início da crise em 2008, se perdeu um em cada sete empregos, com especial enfoque entre os trabalhadores jovens e as famílias com crianças pequenas.

Ora, a parte em que ambos os temas coincidem é que o relatório da OIT centra uma parte substancial da sua análise às mudanças introduzidas no Código de Trabalho que, entre outras questões, procurava promover acordos ao nível da empresa, entre os empregadores e os trabalhadores, sendo que – paradoxalmente – o que tem verificado é precisamente uma redução geral da cobertura das convenções colectivas.

A consequência directa desta redução é, por conseguinte, o aumento da pressão para a redução dos salários que tem, conforme é público e notório, um efeito directo na contracção da procura interna.

Acontece que a solução para esta questão é, necessariamente, de natureza política, nomeadamente na definição das denominadas “políticas de promoção do emprego, que deverão criar e facilitar as necessárias condições para que os desempregados voltem a trabalhar, incluindo (conforme refere a OIT) por via da melhoria dos salários (incluindo o salário mínimo nacional) e das condições de trabalho que estimulam o crescimento da produtividade e, a médio prazo, a recuperação do emprego.

Neste aspecto a OIT não se limita a enunciar os princípios gerais necessários à inversão do actual panorama, sugerindo medidas para alcançar esse desiderato, destacando, em particular, o aumento das despesas com medidas activas do mercado de trabalho.

O efeito directo desse investimento seria, no imediato, o aumento da despesa pública e do deficit fiscal. Contudo, a redução do desemprego terá um efeito positivo num segundo momento com a redução das despesas com o subsídio de desemprego e, por arrastamento, o aumento da colecta de impostos directos sobre o rendimento sem que tal resulte, como até aqui se tem verificado, pelo aumento dessa mesma carga fiscal.

Não tem sido, contudo, esse o entendimento e orientação do Governo que, à luz do princípio da rápida redução do deficit público enveredou por uma política de cortes nos salários e nas prestações sociais, combinados com certos aumentos fiscais, do qual não poderia resultar outra coisa que não fosse a diminuição dos rendimentos das famílias e da procura interna e, por arrastamento, dos lucros das empresas.

Talvez por isso mesmo não pareça haver um grande “entusiasmo” na actual tendência para a redução da taxa de desemprego, seja pelo facto das perspectivas continuarem assustadoramente negativas – o orçamento de Estado para 2014 prevê uma taxa de desemprego de 17,7% - mas também pela convicção que essa redução não se deve ao aumento do emprego.

Deve-se, acima de qualquer outro factor, à forte redução da população activa em Portugal fruto da conjugação do efeito da emigração e do abandono – puro e simples – do objectivo de “arranjar emprego”, ou seja e em termos concretos, a redução do número de desempregados nos centros de emprego é consideravelmente inferior ao número de pessoas que nesse mesmo período perdem o respectivo emprego (*).

Para que se perceba exactamente o alcance práctico deste “cenário”, poder-se-á admitir que teoricamente e num futuro não muito distante, a taxa de desemprego seja nula pelo efeito da ausência de população activa, simplesmente porque seremos demasiado novos ou demasiado velhos para trabalhar. Assim vão as cousas.

(*) No terceiro trimestre deste ano foram registados menos 34,3 mil portugueses desempregados, mas o número de postos de trabalho destruídos nestes três meses foi de 102,7 mil (fonte: INE). 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Corrida Montepio 2013

Se é relativamente fácil falar quando as coisas correm bem o mesmo não se passa quando sucede o contrário. 





Apesar disso, devo reconhecer que a última prova deste mês ficou um pouco aquém das minhas expectativas em termos de tempo (embora seja um sentimento comum aos restantes "clientes" que me acompanham nestas provas) talvez por, contrariamente ao que seria de esperar, o percurso totalmente plano exigir um ritmo mais constante do que aquele que eu posso "dar".



Por isso um 1842º lugar entre 3754 atletas com um tempo oficial de 56:07 e um 313º lugar no escalão não é mau... mas podia ser melhor. 

domingo, 3 de novembro de 2013

Comédia de enganos


A aparente contradição entre um qualquer facto de comédia e o acto de enganar alguém é, em si mesmo, uma aparente contradição mas foi precisamente esta a base de uma tipologia de enredos em que o engano, o faz-de-conta, a encenação, o deslumbramento, as paixões ou a própria verdade – porventura o mais duro de todos os enganos – é o motivo gerador do riso alheio.

Mas é também o título de uma famosa obra de Shakespeare cujo enredo anda à volta de encontros e desencontros amorosos, de ciúme, entre outros estratagemas que não cabem aqui narrar.

Contudo, este parece ser precisamente o título adequado para a mais recente e desinteressante polémica tornada pública entre o mediático casal Manuel Maria Carrilho e Barbara Guimarães.

Obviamente não me deterei um segundo que seja a discorrer a absurda panóplia de circunstâncias que diariamente nos “conduzem” à vida privada do casal mas apenas a minha visão sobre as causas da exposição pública dessa mesma vida privada -  seja desta ou de outras “personalidades” - normalmente reconhecidas e reconhecíveis como “figuras públicas”.

Ora sucede que um tal epíteto não surge grande parte das vezes em resultado de qualquer reconhecimento público de uma especial vocação ou actividade do qual resulte uma mais-valia para si próprio ou para terceiros.

Pelo contrário, a caracterização como “figura pública” resulta quase exclusivamente a exposição pública (claro está) das respectivas vidas privadas.

E fazem-no sem qualquer pudor e, provavelmente, a troco de uma compensação monetária, forma suis generis de remuneração da inutilidade tornada útil do ponto de vista das vendas das “revistas da especialidade” ou de um ou outro órgão de informação menos dotado de um critério próprio na avaliação da qualidade do interesse jornalístico de um tema que, no fundo, não o deveria ser.

Desta forma, somos “convidados” sistematicamente a “entrar” dentro da casa – e por arrastamento das vidas – dos cicerones de circunstância, partilhando como se fossem nossas as respectivas alegrias e a imagem de uma felicidade que nada nem ninguém parece conseguir (aparentemente) perturbar.

Sucede, porém, que a vida não é apenas feita de tais momentos de bonomia e, por vezes, teima a “pregar partidas” fazendo cair a máscara com que tais personagens parecem viver em permanência, mostrando ao mundo a verdadeira face de quem, afinal de contas, não é diferente dos demais.

O problema é que se para “comum dos mortais” tal circunstância é apenas mais um facto com que terá de lidar e para qual terá de procurar a respectiva solução no contexto da sua vida privada, tal já não é possível para esta espécie de “heróis de pés de barro” porque precisamente deixaram de a ter – quase sempre de forma voluntária – há bastante tempo.

Nessa ocasião torna-se (quase) impossível impedir ou, pelo menos, suavizar o ímpeto voraz de quem se habituou a viver da vida alheia, expondo uma imagem até então desconhecida mas que, por isso mesmo, se tornou agora a mais apetecível.

Pessoalmente, não creio ser possível associar as vidas de tais pessoas a uma comédia ou, pelo contrário, à imagem de uma tragédia. Trata-se apenas da vida tal como ela é, mas que os próprios – eventualmente para sua desgraça - se recusam a entender e aceitar como tal.

E esse é o seu verdadeiro engano. Assim vão as cousas.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Encomenda Prodigiosa

Da Patriarcal à Capela Real de São João Baptista
Museu Nacional de Arte Antiga / Igreja e Museu de São Roque

No lastro da fama das encomendas de D. João V - Rei de Portugal no período de 1706 a 1750 - aos principais artistas de Roma, o grande palco diplomático nesses tempos, a esplendorosa Basílica Patriarcal de Lisboa era celebrada por toda a Europa. Instalada na Capela Real do Paço da Ribeira e reformada de forma sumptuosa entre 1743 e 1746, tornou-se numa das mais dramáticas perdas geradas pelo terramoto de 1755.


Cenário único, onde se levava a efeito uma surpreendente emulação da corte pontifícia, entendida como elemento de prestigio da própria corte portuguesa, possuía uma extensão que foi poupada pelo sismo: a Capela de São João Batista, encomendada por D. João V com o respectivo tesouro e edificada na Igreja de São Roque, casa mãe da Companhia de Jesus. Com a Patriarcal, a Capela formava um conjunto em absoluto singular. 





domingo, 27 de outubro de 2013

O jogo do faz de conta



Na (quase) interminável saga do improvável herói da escritora J.K. Rowling - o feiticeiro Harry Potter - quando os jovens estudantes das artes de feitiçaria se referiam ao principal vilão do enredo nunca o faziam pelo seu próprio nome, com receio dos males que daí adviriam para os próprios ao evoca-lo.

Ora, esta forma de abordar um assunto quase tabu é, no essencial, uma forma de diplomacia, uma vez que revela um uso formal de um determinado tom com o objectivo claro de não causar danos colaterais ou uma situação de evidente incómodo para as partes directamente envolvidas.

Por isso mesmo, não me resta outra possibilidade que não seja de utilizar este mesmo expediente para, através das linhas seguintes, abordar um tema “na ordem do dia”, socorrendo-me precisamente das mesmas “ferramentas” que os jovens feiticeiros utilizavam para não causaram prejuízos a eles próprios.

Falo, em concreto, de um determinado país africano que não deve ser nomeado que decidiu unilateralmente e sem uma justificação compreensível pela generalidade das pessoas suspender a “parceria estratégica” com Portugal.

Ao fazê lo dessa forma criou uma evidente situação de mau estar nos seus parceiros – pelo menos até essa data – e, como não podia deixar de ser, “alimentou” uma série de suspeitas sobre a verdadeira natureza de uma tal decisão, a qual não pode deixar de se considerar como gravosa para os interesses de Portugal numa altura em que o investimento estrangeiro é um dos motores da estratégia de recuperação da nossa economia.

Tais rumores surgem essencialmente em resultado de uma determinada posição assumida pelo ministro dos negócios estrangeiros português durante uma visita ao país que nós sabemos que gerou uma “onda” de reacções por parte dos partidos da oposição mas igualmente por parte da própria magistratura, fruto da convicção que tal posição não apenas configurava uma evidente submissão da soberania portuguesa mas, sobretudo, uma intromissão grave do poder politico na esfera do seu poder “gémeo”, isto é, o poder judicial, em clara violação do principio da separação de poderes.

Na base do referido pedido de desculpas estará então – ao que parece – umas investigações em curso em Portugal sobre personalidades ligadas ao governo do país cujo nome não deve ser pronunciado e que, pela proximidade às cúpulas de poder e em função do interesse “estratégico” de ambos os países deveriam, aparentemente, beneficiar de uma presuntiva imunidade.

Sucede, porém, que as sociedades democráticas não funcionam bem assim e, por isso mesmo, percebe-se que estes valores são facilmente confundíveis em países como aquele que nós sabemos, onde vigora para todos os efeitos um sistema que apenas na aparência é democrático, dominado por uma espécie de nepotismo de vocês sabem quem.

Este domínio tem vindo aliás e de forma progressiva a estender-se – qual polvo - para dentro de outros países (incluindo, naturalmente, Portugal), sob a força incontornável do respectivo poderio financeiro e das suas riquezas naturais, ainda que dessa força não resulte a nível interno uma qualquer melhoria do seu próprio bem-estar social mas, pelo contrário, o agravamento da distância entre essa mesma riqueza e o desenvolvimento humano, efeito aliás comum em regimes de natureza ditatorial.

No fundo as relações diplomáticas entre os Estados de matriz democrática e quaisquer outros sem essa mesma “configuração” parecem assentar numa espécie de lógica dos “três macacos”, isto é, aqueles – para quem não sabe – que não vêm, não ouvem e não falam.

A questão é que a ausência de sentidos não altera a realidade.

O que essa realidade nos demonstra é que, pelos vistos, uma das partes da suposta parceria “estratégica” teria muito mais a perder do que a outra e, por isso mesmo, estará disposta a tudo fazer para evitar o seu fim, nem que para isso tenha de abdicar dos seus mais elementares princípios de soberania. Assim vão as cousas.