Creio, contudo, que a imagem
reflectia algo mais do que tais situações de complacência uma vez que o que se
pretenderia afirmar seria, afinal de contas, um estado de indiferença perante
situações que tendo natureza diferente têm consequências bastante próximas.
Dito de outra forma, parece vir ao
de cima a “célebre” afirmação que nos “acompanha” à largos anos, a partir do
qual o povo português é definido como sendo de “brandos costumes”.
Não deixa, ainda assim, de ser
curioso que nesta mesma fase da nossa sociedade parece haver um certo
recrudescimento de um estado de alguma agitação social, bem patente
no crescimento do número de manifestações públicas de contestação ao Governo,
incluindo uma “simbólica” subida das escadarias do Parlamento, independentemente
do significado que cada um queira atribuir a esse momento, mas também de um
discurso político de certas esferas do poder político que, sem aparente
hesitação, repetem sucessivamente a palavra “violência”, também aqui sem um
entendimento uniforme se tal representará um aviso ou uma verdadeira ameaça.
A verdade é que a “genética”
portuguesa é bem mais conciliável com o epíteto dos “bons costumes” do que com
uma reacção violenta às adversidades, como parece verificar-se noutros
quadrantes geográficos, nomeadamente na “velha Europa”.
Esta perspectiva assenta em
factos históricos mais ou menos contemporâneos, tomando por exemplo por base o
facto de em toda a nossa “tradição” não haver registo, excepto no virar do
regime monárquico para o republicano, de um caso de regicídio ou, mais
recentemente, da forma “pacífica” como Portugal enfrentou 48 anos de ditadura
até que alguém teve a coragem de dizer “basta”.
De lá para cá o mais que houve
foram pequenas amostras de indignação mais exaltada, constituintes elas próprias
de uma situação mais de excepção do que verdadeira regra.
Aquilo que parece, na minha
análise, ser coincidente com os dois momentos fundamentais da nossa história
contemporânea, isto é, a queda da monarquia e da ditadura, é que os mesmos
acontecem em momentos em que o modelo social se havia tornado insustentável,
não apenas pela evidente limitação de direitos elementares democráticos por via
das ditaduras de João Franco ou de Salazar/Marcelo, mas pelo facto de
socialmente o desfasamento entre Portugal e os demais estados europeus ao nível
do desenvolvimento ser de tal maneira evidente que, para lá das habituais
teorias da conspiração, o que se tornou evidente foi a necessidade de mudança
imediata, mesmo sem uma verdadeira consciência dos desafios que em ambos os
casos se haveriam de seguir.
Creio, portanto, que a noção de
brandos costumes se deve, antes de mais, a um sentido de medo generalizado das
consequências de uma determinada actuação cívica, fruto de uma “política de
medo” muito própria das ditaduras, ou seja, os movimentos da sociedade não
confluem num objectivo comum em virtude do receio das consequências que dai poderão
advir para cada um dos membros desse movimento.
Por isso mesmo, aquilo que
qualquer regime deve fundamentalmente temer não são as ameaças mais ou menos “incendiadas” de um recurso
à violência ou sequer a exibição de uma qualquer forma de manifestação pública
de insatisfação.
Aquilo que qualquer regime deve temer – este ou
qualquer outro – é o momento em que essa fronteira deixa de existir, simplesmente
porque as pessoas já não têm nada a perder. E, sendo esta uma lição da nossa própria história, confesso não ter absoluta
certeza não possa estar já prestes a acontecer. Assim vão as cousas.
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