domingo, 1 de dezembro de 2013

Velhos hábitos

Num destes últimos dias tive ocasião de observar uma colagem fotográfica que “comparava” as situações de publica indignação em alguns dos locais mais “quentes” da actualidade – nomeadamente na Grécia, Brasil e Espanha – com uma imagem, de certa forma caricatural, da equivalente manifestação desse mesmo “estado de espírito” em Portugal no qual, bem ao contrário das referidas imagens de exacerbamento social, remetia para uma bonomia e paz de espírito.
Creio, contudo, que a imagem reflectia algo mais do que tais situações de complacência uma vez que o que se pretenderia afirmar seria, afinal de contas, um estado de indiferença perante situações que tendo natureza diferente têm consequências bastante próximas.
Dito de outra forma, parece vir ao de cima a “célebre” afirmação que nos “acompanha” à largos anos, a partir do qual o povo português é definido como sendo de “brandos costumes”.
Não deixa, ainda assim, de ser curioso que nesta mesma fase da nossa sociedade parece haver um certo recrudescimento de um estado de alguma agitação social, bem patente no crescimento do número de manifestações públicas de contestação ao Governo, incluindo uma “simbólica” subida das escadarias do Parlamento, independentemente do significado que cada um queira atribuir a esse momento, mas também de um discurso político de certas esferas do poder político que, sem aparente hesitação, repetem sucessivamente a palavra “violência”, também aqui sem um entendimento uniforme se tal representará um aviso ou uma verdadeira ameaça.
A verdade é que a “genética” portuguesa é bem mais conciliável com o epíteto dos “bons costumes” do que com uma reacção violenta às adversidades, como parece verificar-se noutros quadrantes geográficos, nomeadamente na “velha Europa”.
Esta perspectiva assenta em factos históricos mais ou menos contemporâneos, tomando por exemplo por base o facto de em toda a nossa “tradição” não haver registo, excepto no virar do regime monárquico para o republicano, de um caso de regicídio ou, mais recentemente, da forma “pacífica” como Portugal enfrentou 48 anos de ditadura até que alguém teve a coragem de dizer “basta”.
De lá para cá o mais que houve foram pequenas amostras de indignação mais exaltada, constituintes elas próprias de uma situação mais de excepção do que verdadeira regra.
Aquilo que parece, na minha análise, ser coincidente com os dois momentos fundamentais da nossa história contemporânea, isto é, a queda da monarquia e da ditadura, é que os mesmos acontecem em momentos em que o modelo social se havia tornado insustentável, não apenas pela evidente limitação de direitos elementares democráticos por via das ditaduras de João Franco ou de Salazar/Marcelo, mas pelo facto de socialmente o desfasamento entre Portugal e os demais estados europeus ao nível do desenvolvimento ser de tal maneira evidente que, para lá das habituais teorias da conspiração, o que se tornou evidente foi a necessidade de mudança imediata, mesmo sem uma verdadeira consciência dos desafios que em ambos os casos se haveriam de seguir.
Creio, portanto, que a noção de brandos costumes se deve, antes de mais, a um sentido de medo generalizado das consequências de uma determinada actuação cívica, fruto de uma “política de medo” muito própria das ditaduras, ou seja, os movimentos da sociedade não confluem num objectivo comum em virtude do receio das consequências que dai poderão advir para cada um dos membros desse movimento.
Por isso mesmo, aquilo que qualquer regime deve fundamentalmente temer não são as ameaças mais ou menos “incendiadas” de um recurso à violência ou sequer a exibição de uma qualquer forma de manifestação pública de insatisfação.
Aquilo que qualquer regime deve temer – este ou qualquer outro – é o momento em que essa fronteira deixa de existir, simplesmente porque as pessoas já não têm nada a perder. E,  sendo esta uma lição da nossa própria história, confesso não ter absoluta certeza não possa estar já prestes a acontecer. Assim vão as cousas.

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