domingo, 15 de dezembro de 2013

Partido ao meio

Coisa rara em Portugal parece estar prestes a surgir um novo partido político pela mão de alguns "dissidentes" do Bloco de Esquerda que, aparentemente de forma simbólica, se há-de chamar de LIVRE querendo, ao que parece, efectuar uma espécie de sintese de um sector esquerda portuguesa que, presume-se, estará, pelo contrário PRESA.
 
Não é, contudo, o propósito das linhas seguintes abordar as origens e motivões deste novo partido mas sim analisar o seu surgimento num duplo contexto, isto é, o seu enquadramento histórico e as suas bases futuras.
 
A questão dos partidos políticos encontra-se normalmente "resolvida" em períodos de diminuição das liberdades e garantias de associação, vulgo ditadura, durante os quais vigora a "lógica" do regime de partido único ou se outros existem, tal resulta sobretudo de uma certa "tolerância" desse mesmo regime, certo que o conceito de oposição não é certamente aquele que colocará em causa a sua subsistência.
 
Por isso mesmo, terminado esse período de duração variável, é normal suceder uma proliferação de novos partidos políticos, expressão de um impulso democrático a partir do qual todo e qualquer um poderá associar-se e candidatar-se a elevar a sua representatividade ao local onde, por excelência, a mesma conflui, isto é, o Parlamento.
 
Esse efeito foi particularmente "visivel" no período da 1ª República de onde emergiu um conjunto significativo de pequenos partidos sem expressão social relevante, com uma existência de cariz ideológica distinta daquela que actualmente se conhece (esquerda/direita), encarnando sobretudo as tendências do momento, isto é, distinguindo-se em função do seu alinhamento com o regime repúblicano ou o monárquico.
 
Curiosamente e em resultado da fragilidade do sistema político, o único partido representado na Constituinte em 1910 haveria de ser o Partido Repúblicano, sendo que a incapacidade dos partidos de então em responder às principais necessidades económicas e sociais de um país acabado de saír de uma guerra mundial haveria de propiciar sucessivas alterações do governo (com uma ditaduta militar pelo meio) e, por fim, conduzir ao movimento militar de 28 de Maio de 1926, com a consequente dissolução do Parlamento.
 
O período seguinte - denominado de Estado Novo - impos a atrás referida politica de "partido único" que determinou que, entre 1926 e 1974, a oposição ao regime fosse feita - quase exclusivamente - não pela via partidária mas sim por movimentos na clandestinidade, dentro e fora do país, algo que se alteraria radicalmente precisamente a partir de 1974.
 
Nessa ocasião, nomeadamente no momento das primeiras eleições para a Constituinte em 1975 (que teve, diga-se, uma afluência histórica de 91%) determinou que os 250 lugares do parlamento fossem "divididos" por 7 partidos, embora muitos outros de menor dimensão tivessem sido criados.
 
Os anos seguintes, de consolidação da democracia, operaram uma estabilização do voto popular em 6 partidos, sendo que um deles apenas detém representação parlamentar por via de uma coligação "tradicional" com o Partido Comunista Português.
 
Pelo meio o país viu "desaparecer" cerca de 30 partidos políticos, existindo ainda 13 partidos que nunca conseguem obter o número de votos necessário para passarem a estar presentados no Parlamento.
 
Ora, a quase cristalização da tendência de voto por um número reduzido de partidos tem operado um duplo efeito de "convite" ao não surgimento de novas estruturas partidárias fruto da dificuldade em dispor dos meios suficientes para fazer parte de uma "guerra" que dificilmente poderá ser ganha, na medida em que raramente resultam da dissenção de qualquer dos principais partidos políticos ou da aglutinação de dois ou mais partidos que, no conjunto, poderão somar os votos necessários à referida representação, por pequena que seja.
 
Exemplo disso mesmo são os exemplos mais recentes do PRD e do BE, sendo que o primeiro intregra precisamente o elenco de partidos que entretanto se dissolveram.
 
O segundo efeito a que atrás me refiro e que é particulamente "visivel" nos dias de hoje, nomeadamente para consecutiva redução da expressão da participação popular nos actos eleitorais é o facto das pessoas parecerem começar a "cansar-se" do actual expectro partidário, demonstrando-o pela referida abstenção mas também pela adesão a uma certa tendência para a prevalência de movimentos de cidadãos - vulgo independentes - que fazem do discurso do distanciamento ao status quo partidário precisamente a sua principal força.
 
Este efeito ficou bem patente nas mais recentes eleições autárquicas, ainda que em certas situações os tais movimentos de cidadãos fossem - de forma oportunista - encabeçados por ex-dirigentes partidários que parecem ter assimilidado a oportunidade do distanciamento dos partidos a que anteriormente estavam ligados e que, em bom rigor, são a causa da sua notariedade.
 
Neste contexto fará sentido o surgimento de um novo partido?
 
Em bom rigor e sem dispor de qualquer noção sobre as respectivas normas programáticas para além das que o colocam o partido LIVRE algures entre o PS e o BE, admito que tal possa revelar-se como oportuno, embora tenha sérias dúvidas sobre a capacidade de mobilização no actual contexto.
 
A minha principal preocupação é, contudo, outra. A minha preocupação resulta da percepção que o distanciamento das populações em relação ao regime partidário "force", de certa forma, a convicção geral de que o regime democrático não necessita de partidos, algo que não compaginável com um modelo de regime democrático.
 
Um pouco por toda a Europa vão surgindo novos movimentos políticos que, precisamente à luz deste principio, vão disseminando mensagens de cariz anti-democrático que têm como principal mensagem o ataque ao sistema político dito convencional, num regresso a uma retórica já antes vista e cujas consequências se conhecem mas, sobretudo, não se podem nem devem ignorar. Assim vão as cousas.

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