domingo, 31 de outubro de 2010

A sentença

A crise está no auge. Conhecem-se já as vitimas, apontam-se os culpados.

Se em relação às vitimas parece haver um consenso mais ou menos generalizado, quanto aos culpados é minha convicção que a noção de culpa é mais circunstancial, mais selectiva ou e tendenciosa.

Vestirei, pois, a toga e a beca e pemitir-me-ei distribuir as culpas de acordo com a minha análise e emoções.
Assim sendo "we the people find the defendant guilty of"....

Os sucessivos governos

Culpados de não tomarem (sempre) as medidas necessárias à properidade colectiva, por cederem sistemáticamente às pressões do lobbys e das corporações e de criarem uma ilusão de realidade nas pessoas como forma de auto-manutenção no poder.

Às oposições

Culpados por optarem sempre pela politica do "quanto pior, melhor", por esconderem aquelas que são as suas reais politicas após ascensão ao poder e por contrariarem hoje aquilo que sempre defenderam ontem.

Aos partidos de extrema esquerda

Culpados por exigirem uma Sociedade que já não existe em lado algum do Mundo (civilizado), por abusarem do populismo e por nunca se afirmarem como verdadeiras alternativas de poder.

Aos CDS/PP

Culpados por abusarem da demogogia primária, pela colagem ao PSD como a única forma de pertencerem ao auto-denominado "arco do poder" e por sonharem com uma Sociedade anterior ao 25 de Abril.

Aos sindicatos

Culpados por serem joguetes aos serviços dos partidos, por lesarem os trabalhadores com sucessivas greves estéreis de significado (e de resultado) e por contribuirem para a falta de produtividade da generalidade da função pública.

Aos lobbys e corporações

Culpados por condicionarem a Sociedade em função dos seus próprios interesses, por utilizarem o poder como alavanca das respectivas ambições pessoais e por manipularem a informação e a liberdade de opção.

Aos municipios e Regiões autónomas

Culpados por gastarem sistematicamente os recursos próprios em obras de fachada, pelo endividamento descontrolado e por aderirem de forma gratuita às formas mais básicas de populismo de acordo com as respectivas agendas eleitorais.

Às empresas

Culpados por serem subsidio-dependentes, por aproveitamento ilicito das crises para resolver problemas estruturais e por não promoverem a meritocracria.

À sociedade em geral

Culpados de assistirem passivamente às injustiças e desvarios do poder politico, de se absterem nos momentos de decisão e de se deixarem manipular por todos os demais culpados.


Que pena aplicar a um rol de acusados tão grande? Temo que nenhuma. É que a nossa culpa começou a formar-se em 1143. Assim vão as cousas.  

"Amantes dos Reis de França"

"Amantes dos Reis de França" de Ana Cristina Pereira e Joana Troni

Cinefilia (6)

O Mundo a Seus Pés (1941)

Roteiros (6)

Praga (Fevereiro 2008)

Melomania (6)

Jan Dismas Zelenka "Miserere I"

domingo, 24 de outubro de 2010

Todas as verdades e mais três

Aguardei, de forma consciente, que passasse algum tempo após o fim dos trabalhos da Comissão Parlamentar de inquério ao denominado "negócio PT/TVI".

Fi-lo, numa dupla convicção, a primeira das quais de que só o tempo permite amadurecer a forma como analisamos algumas questões e a segunda para confirmar a minha expectativa de que este assunto "morreria" no dia imediatamente seguinte ao termo dos referidos trabalhos.

Tal foi o que veio efectivamente a acontecer.

O que importa então é reconhecer que este assunto só desaparece do nosso firmamento porque ele próprio a isso estava condenado desde o seu inicio, na medida em que os seus fundamentos se baseavam num suposto "negócio" que...não existiu.

Para que serviu então esta Comissão?

Serviu para os membros dos partidos da oposição procurarem demonstrar o envolvimento do Primeiro-Ministro num esquema tentacular de controlo dos meios de comunicação, do qual a face visivel era a TVI e serviu para os elementos do partido do Governo defenderem a inocência do Primeiro-Ministro.

A Comissão de Inquérito constituida para o efeito debateu, de forma penosa e dias a fio, as faces opostas da culpa e da inocência de um não-negócio

Para o efeito foram ouvidas dezenas de testemunhas que, à vez, contaram a sua versão dos factos, a sua "verdade". Outros houve que nem isso fizeram, resguardando-se na sempre conveniente "falta de memória dos factos" ou mesmo no famoso segredo de justiça, esse mesmo que normalmente surje posteriormente publicado nas páginas dos jornais.

Houve ainda outros que, apesar de partes interessadas nas conclusões da Comissão de Inquérito, também tiveram oportunidade de dar a sua versão da "verdade". Falo em concreto do casal Moniz e do jornalista José Manuel Fernandes, que durante meses conduziram a linha editorial do canal de televisão e do jornal que dirigiam, "alimentando" este mesmo tema.

A SIC Noticias foi transmitindo em directo o esbanjamento de recursos públicos, numa Comissão de Inquérito a que se quis conferir a autoridade de um Tribunal, mas em que o réu já estava préviamente condenado.

É por isso mesmo que tenho utilizado de forma consciente a palavra verdade entre aspas, porque materialmente não havia nenhuma verdade para apurar, excepto se o Primeiro-Ministro sabia ou não do "negócio" quando afirmou o seu contrário.

No limite poderia demostrar-se que ele mentiu o que sendo condenável tem uma consequência prática nula, porque era mais do que sabido que "negócio" não se tinha concretizado, com mentira ou sem ela.

Mas se as conclusões da Comissão de Inquérito nada mais fez do que confirmar aquelas que eram as convicções iniciais de cada uma das bancadas parlamentares, permitiram - de forma colateral, é certo - dar a conhecer a ultima das "verdades".

Essa surgiu, qual grito do Ipiranga, da boca do Dr. Pacheco Pereira, que tendo tido acesso a um documento que mais ninguém viu e que só ele poderia valorizar no sentido que bem entendesse, procurou por todos os meios, fazer passar a mensagem que ele e apenas ele conhecia a "verdade" dos factos.

Assim mesmo, simples e sem possibilidade de constestação, o Dr. Pacheco Pereira fez tábua rasa de tudo as conclusões que emanaram da Comissão de Inquérito e definiu ele próprio as suas conclusões.

No principio, no meio e no fim de todo este assunto, fica a verdade pura, sem comas, aquela que todos gostávamos de conhecer. Mas essa certamente que não aproveita a ninguém. Assim vão as coisas.

Post-Scriptum

Já depois de concluido esta minha dissertação e comprovando a oportunidade da mesma (as minhas desculpas pela imodéstia) ficou a saber-se que um dos elementos da Comissão de Inquérito que há data desconhecia a natureza da firma Ongoing, deixou o seu lugar de deputado e mudou-se para esta mesma empresa.

Tenho, desta forma, de reconhecer que esta Comissão de Inquérito acabou por ter efeitos práticos pois não só o ex-Deputado ficou a conhecer a Ongoing, como confirma-se que houve "negócio". Assim vão as cousas.




























Melomania (5)

Wolfgang Amadeus Mozart "Great Mass in C Minor- Kyrie"

Cinefilia (5)

A Dama e o Vagabundo (1955)

Feira do Livro (5)

"Amantes dos Reis de Portugal" de Paula Lourenço, Ana Cristina Pereira e Joana Troni

Roteiros (5)

Veneza (Junho 2007)

domingo, 17 de outubro de 2010

O partido do barulho

Entendo que o "hype" que tem rodeado o Bloco de Esquerda devia ser objecto de um estudo sociológico ou mesmo psicologico.

Estou profundamente convencido que o que motiva o estranho fascínio por este partido em nada se deve ao conhecimento das suas linhas programaticas de governo que, no essencial, ninguém conhece.

A não ser assim teria de admitir que uma franja - já com alguma expressão - da nossa Sociedade se identifica com a ideologia Maoista, ou seja, baseada na filosofia de um ditador sanguinário, responsável pela morte de milhões de pessoas.

Poderá ser igualmente justificável pelo facto dos seus apoiantes se reverem em politicas tão modernas e com resultados bem conhecidos, como a colectivização dos meios de produção, nacionalização do aparelho produtivo ou ainda a reforma agrária.

Ou ainda por entenderem ser bom para Portugal a saída do "comboio europeu" para caminharmos de novo "orgulhosamente sós" (esta expressão anteriormente utilizada num contexto substancialmente diferente, adquire novamente toda a propriedade) ou procurando alinhamentos estratégicos com não se sabe bem quem.

No fundo não será nada disto que move o apoiante "tradicional" do Bloco de Esquerda, porventura demasiado novo para ter sequer a noção e interesse nas raízes históricas do partido que apoia, mas sim o facto de no essencial ele dispor de uma cupula dirigente com pessoas de gerações mais próximas dos seus proprios apoiantes e com os quais mais fácilmente se identifica.

Daqui decorre que o discurso do Bloco de Esquerda é cirurgico, ou seja, dirige-se essencialmente a uma geração que começa a dar os primeiros passos nesta coisa da Democracia, consubstanciado no direito de voto, e que por rebeldia ou empatia pessoal, opta por aquilo que considera radicalmente oposto aos partidos tradicionais.

Dificilmente o Bloco de Esquerda poderá dispor de outro campo de intervenção na medida em que - é certo e sabido - o restante eleitorado alinha tradicionalmente com outra(s) esquerda(s).

Por outro lado a acção politica do Bloco de Esquerda nunca se centra no seu programa de governo (se é que ele existe) mas sim na contestação casuistica dos casos que vão surgindo na Sociedade, "escolhendo" o lado que será sempre mais fácil defender ou atacar consoante as perspectivas.

No fundo ficamos sempre a saber, com uma veemência que parece transformar qualquer tema num assunto pessoal, o que é que o Bloco de Esquerda entende sobre uma determinada situação concreta mas, em bom rigor, será sempre mais dificil perceber como é que a resolveria se fosse governo.

É que aquilo que torna os politicos em pessoas mal-amadas é, não raras vezes, a necessidade de tomar decisões que com toda a certeza vão agradar a uns mas certamente desagradar a outros, e esse é um "drama" com que o Bloco de Esquerda não tem de lidar.

Existe um nome para isso: populismo. E isso, já todos nós infelizmente sabemos, é parte importante do estado a que as coisas chegaram. Assim vão as cousas. 

Cinefilia (4)

2001, Odisseia no Espaço (1968)

Melomania (4)

Ludwig van Beethoven "Symphony 7, Allegretto, mvt 2"

Feira do Livro (4)

"Infantas de Portugal, Raínhas em Espanha" de Marsilio Cassotti

Roteiros (4)

Marrakech - Marrocos (Agosto de 2003)

domingo, 10 de outubro de 2010

Vontade de reclamar

"Mas um velho, de aspecto venerando,
que ficava nas praias, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
três vezes a cabeça, descontente,
a voz pesada um pouco alevantando,
que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
tais palavras tirou do experto peito:"
 
Assim começa o célebre episódio do "Velho do Restelo" no canto IV de "Os Lusíadas".

Mas teremos nós mudado algo na nossa maneira de ver o Mundo e a sociedade que nos rodeia desde os tempos imemoriais do grande poeta? Quero crêr que não, simplesmente porque tal faz parte da nossa genética.

Portugal, todos sabemos, viveu quase metade do seculo XX sob uma ditadura em que o direito à manifestação e à confrontação de ideias se encontrava subjugado pela forma como o poder era exercido.

O 25 de Abril de 74 criou nos portugueses um sentimento de rejuvenescimento dos ideiais, pelo advento da democracia, com a qual lidámos qual criança a quem entregam um briquedo que sempre desejou, mas nunca deixaram ter.

Como qualquer brinquedo corre-se sempre o risco de, pelo excesso de uso, se estragar, normalmente por não se saber lidar com ele convenientemente.

Temos então uma nação que à ausência de liberdade, chamou a si o poder de manifestar-se e reclamar os direitos que lhe haviam sido sonegados durante décadas.

Acontece que tal como todos nós um dia deixamos de lado os briquedos de infância, a sociedade também muda, e com ela mudam as responsabilidades e, naturalmente, a nossa percepção da extensão dos nossos direitos, mas também das nossas obrigações.

No fundo está em causa a forma como vamos reagir aos ventos de mudança.

É neste ponto que entendo que o sindicalismo em Portugal não tem sabido acompanhar as mudanças que a todos nos afectam (na sua multipla contextualização), na medida em que todos verificamos a forma de confrontação sistemática aos politicos e politicas que nos têm governado desde os tempos da revolução.

Nada haveria demais nesta confrontação conhecendo-se a base social e a natureza da actividade sindical tão importante em diversos momentos da história da humanidade e na história da luta pela melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores.

O problema é que a sociedade globalizou-se e com ela também se globalizaram os desafios, os problemas, mas certamente as oportunidades.

Fará então sentido a contestação assente em pressupostos que já não têm viabilidade nos nossos dias? Alguém entenderia por exemplo que se reclamassem hoje os direitos laborais emergentes da revolução industrial? É obvio que não.

Então, aquilo que fará sentido é que os sindicatos promovam uma linha de acção baseada nos desafios e nos problemas que Sociedade de hoje nos coloca.

De nada adianta os sindicatos servirem de muleta de determinados partidos politicos nas empresas, como sabemos que de facto acontece, como não adianta promover o absentismo dos trabalhadores, com sacrifio das suas remunerações, já de si eventualmente escassas.

O que adianta é caminhar lado a lado com os actuais trilhos da sociedade. O mote até pode ser o mesmo: procurar evitar o acentue as desigualdades ou a precariedade, mas no contexto de uma sociedade (que se quer) competitiva e que não perdoa a incompetência, a lassidão ou simplesmente que desiste.

Os sindicatos do Sec. XXI devem ajudar os trabalhadores a auto-promover-se profissionalmente, procurando o aumento de competências próprias, do que resultará forçosamente o aumento da produtividade pessoal e por arrastamento da empresa.

Do sucesso da empresa dependerá em grande parte o bem estar do trabalhador, da sua familia e por arrastamento de toda a Sociedade.

Desculpar-me-ão os laivos de idealismo, mas as Naus vão partir e já não esperam por ninguém. Assim vão as cousas.

Cinefilia (3)

A Cor Púrpura (1985)

Roteiros (3)


Casablanca - Marrocos (Agosto de 2003)


Feira do Livro (3)

"As Avis" de Joana Bouza Serrano

Melomania (3)

Camille Saint-Saens "The Carnival of the Animals: The Aquarium "

domingo, 3 de outubro de 2010

Nobre Povo

A República comemora 100 anos.

Recentemente um dirigente politico sugeriu a alteração da palavra "República" da nossa Constituição, surgindo em sua vez a palavra "Democracia".
Para além do absurdo da eventual necessidade de consagração desta expressão no contexto do texto fundamental - não será o regime democratico um direito natural? - entendo que retomar nesta altura a questão da natureza repúblicana do regime significa antes de mais uma perda de tempo perante um "assunto" que hoje em dia não é...assunto!
O que é contraditório nesta "troca" é que a monarquia é um regime que, na sua essência, é contrária à noção de democracia, na medida em que se admite a elegibilidade para um cargo - e logo para toda a vida - de uma pessoa unicamente em função da sua herança genealógica, sem que para essa elegibilidade tenha concorrido quem legitimamente elege os seus representantes e sem que se possa, mais tarde e de forma igualmente legitima, proceder à sua substituição.
Por outro lado é manifesto que nos dias de hoje a existência de quaisquer figuras de Estado meramente decorativas são, básicamente, dispensáveis. O parlamentarismo é, nas monarquias ocidentais, o modelo de governo dominante, não havendo um verdadeiro equilibrio de poderes.
De pouco ou nenhum peso político, as actuais monarquias europeias evidenciam-se, não raras vezes, por dois motivos pouco nobres: pelos escândalos que protagonizam ou pelos seus faustosos modos de vida - normalmente a expensas do erário público - bem em contraciclo com a realidade da esmagadoria maioria dos comuns mortais, ou seja, todos aqueles que não possuem o famoso "sangue azul".
Invoca-se, por vezes, os modelos das realezas nórdicas como exemplo de prosperidade em regime monárquico.
Nada mais errado. Para a prosperidade dos países nordicos concorrem outros motivos bem concretos: altos niveis produtividade, elevados recursos naturais e a determinação da sua classe politica.
Será que passa pela cabeça de alguém que caso Portugal se convertesse em monarquia tornar-se-ia em pouco tempo membro de pleno direito dos países mais ricos e desenvolvidos?
Deixemo-nos de preciosismos linguisticos e de discussões estéreis. Enquanto assobiamos para o lado os outros passam por nós. Assim vão as cousas.

Roteiros (2)

Cairo (Setembro 2004)

Melomania (2)

António Vivaldi - Stabat Mater

Cinefilia (2)

As Sandálias do Pescador (1968)

Feira do Livro (2)

"Por Terras dos Antigos Coutos de Alcobaça" de Maria Zulmira Albuquerque Furtado Marques