domingo, 29 de dezembro de 2013

A verdadeira prova

Em Abril do ano que agora finda fui "desafiado" a tentar completar uma prova de meio-fundo algo que jamais havia tentado fazer na vida ou, de forma mais exacta, sequer imaginado tentar.

Encarei nessa altura este "desafio" como uma quase necessidade de superação pessoal, algo que iria muito para além da distância percorrida, mas como uma questão deliberada de provar a mim próprio que aquilo que parecia impossível num tempo não tão distante como isso era, afinal, possível.

Não é, contudo, o meu objectivo fazer uma espécie balanço do ano - tão usual nestas alturas - tendo por base o resultado das provas ou da distância percorrida de lá para cá (e foi considerável), mas apenas dissertar sobre a natureza de um "desafio" que foi, efectivamente, vencido.

Não se trata sequer de saber se os tempos e as classificações foram as melhores ou se podiam te-lo sido, mas apenas o constatar um facto que resulta da convicção plena de que todos nós devemos, a todo momento, procurar superar-nos, enfrentando qualquer novo possível objectivo não como um obstáculo mas como algo que não podemos deixar de tentar alcançar.

As corridas são, desta forma, o modelo de vida que procuro traçar em todas as demais componentes dessa mesma vida, seja numa perspectiva de realização pessoal ou profissional, quando - como acontece tantas vezes - ambas não coincidem.

A perspectiva de falhar existirá sempre, porém quem poderá dizer ser uma e a mesma coisa falhar mesmo tentando ao invés de falhar sem sequer tentar?

Não é tão-pouco a convicção de que essa mesma tentativa possa estar a ser avaliada por terceiros ou a forma como a eventualidade de não se conseguir um determinado objectivo será posteriormente analisado por outros que verdadeiramente importa.

O que importa de verdade é a convicção da nossa disponibilidade para assumir o risco, nem que esse seja o risco de falhar.

Tudo acaba por parecer mais fácil dessa forma e a consequência imediata de se conseguir alcançar o objectivo pretendido é precisamente o de motivar a predisposição para novos e mais ambiciosos desafios.

Admito que qualquer um de nós esteja, no essencial, sujeito ao "Principio de Peter" também denominado de "Principio da Incompetência", a questão, no fundo, é perceber se somos nós próprios a tentar chegar à conclusão de uma incapacidade própria de ultrapassar as nossas próprias limitações ou se, pelo contrário, serão os outros, por defeito, a fazê-lo por nós.

Só existe a meu ver uma forma de avaliar correctamente esta situação e essa forma é a de nos mantermos em paz com a nossa consciência e, nesse aspecto, a minha vai seguindo tranquila. Assim vão as cousas.   



domingo, 22 de dezembro de 2013

A falsa ideologia

O Governo de matriz conservadora de Mariano Rajoy aprovou na passada semana uma alteração legislativa à lei do aborto que havia sido, por seu turno, anteriormente revista pelo anterior primeiro ministro em 2010, retomando dessa forma as bases de um outro diploma de 1985, a partir do qual a práctica do aborto fica limitado a uma necessidade "por causa de um grave perigo de vida ou da saúde física e psicológica da mulher ou que a gravidez tenha sido consequência de um delito contra a liberdade ou integridade sexual da mulher".

Este tema, que em Portugal teve igualmente um desenvolvimento legislativo relativamente recente durante a anterior legislatura, integra o elenco dos denominados "temas fracturantes" por configurar uma questão que dificilmente colocará alguém na posição de indiferença mas, bem pelo contrário, remete para extremos bem opostos a opinião que cada um tem sobre o mesmo.

Creio, ainda assim e de forma antagónica, poder afirmar que o conceito de aborto é, em si mesmo, um conceito bastante aglutinador de uma mesma opinião, na medida em que entendo que dificilmente alguém será - em abstracto - favorável à sua práctica.

O problema é que a questão é muito mais do que abstracta e tem contornos bem concretos para que, de facto, exista uma profunda divergência quanto à sua admissibilidade.

Pessoalmente enumero - pelo menos - duas circunstâncias que determinam o epíteto de "fracturante" de que é apelidado este tema.

Em primeiro lugar a questão em si mesmo remete para a matriz cristã da sociedade ocidental que foi "ensinada" (e bem) a considerar o direito à vida como um direito sagrado (literalmente) sendo essa concepção de vida estendida até ao momento da concepção.

A progressiva laicização dos Estados aliado à igualmente progressiva alteração do posicionamento das pessoas face à igreja - por vezes em resultado de uma certa radicalização/ortodoxia do discurso "oficial" - implicou um afastamento a esse mesmo discurso com a consequente opção pelo ateísmo ou agnosticismo, sendo esta em que - como é sabido - me revejo pessoalmente.

Em segundo lugar surge a politização do tema, passando por uma tendência/convicção de que o tema do aborto é uma "coisa" de esquerda que - vá lá saber-se porquê - é genericamente vista como favorável ao aborto ao passo que a direita terá uma opção ideológica em sentido contrário.

Também aqui admito que a razão desta aparente separação tem sobretudo a ver com a matriz conservadora de alguns sectores da direita em oposição à tendencial matriz mais liberal (não no sentido económico do termo) de alguma esquerda, também ela normalmente associada a uma menor ligação às "coisas" da igreja, presunção que, creio, não corresponder inteiramente à verdade nem sequer naquilo que diz respeito à esquerda mais radical.

Poderia ainda acrescentar uma terceira circunstância às duas anteriores que resulta do facto de se entender - por vezes - que se trata de um tema "das mulheres" e que aos homens é vetado o direito de decidir sobre o tema pelo simples facto da natureza não lhes ter facultado a mesma capacidade de poder gerar novas vidas.

Esta última "visão" é, a meu ver, a mais falaciosa de todas, pois para a concepção não conseguiu ainda a ciência criar condições para que a vida possa ser gerada sem o "recurso" à fertilização - mesmo que artificial - do óvulo por parte de uma célula reprodutora masculina, de nome espermatozóide.

Resumidas as duas questões (que afinal são três) que entendo contribuírem - de certa forma interligadas - para a profunda divisão que existe em quase todas as sociedades sobre este tema é chegado o momento de eu próprio exprimir a minha opinião sobre o mesmo.

Deixando de lado as questões que (ainda assim) são mais ou menos consensuais nesta matéria e que remetem para a admissibilidade do aborto em casos de violação ou de malformação do feto ou de perigo de vida para a mãe, creio que a questão não pode nem deve ser vista - racionalmente - do ponto de vista da religião, da política ou de se poder ou não "dar à luz".

A questão é a da percepção que cada um de nós tem sobre a maior ou menor visibilidade relativamente ao tema.

O tema do aborto não é recente, mas durante muito tempo andou "escondido" por detrás da vergonha e da ausência de qualquer dado estatístico que permitisse aferir quantas eram as mulheres que efectivamente recorriam a essa práctica e, não menos importante, em que condições é que o faziam.

Por isso mesmo, porventura fazendo jus ao ditado de que aquilo que os olhos não vêm o coração não sente, quando o tema se tornou assunto de Estado as pessoas foram imediatamente colocadas perante a necessidade de escolha face um tema que sabiam existir mas sobre o qual não se falava abertamente.

Se a este facto se juntar a constatação de que em diversos países a práctica de aborto é considerada simplesmente um crime, percebe-se que existem mais do que motivos para que o tema "não exista" oficialmente em tais territórios.

Ora, quando tal sucede, as pessoas acabam, conforme referi, por ter de fazer opções e, nesse sentido, estarão certamente inclinadas a fazê-lo em função das suas convicções religiosas, politicas e mesmo da sua condição de mulher ou de homem.

Quando um qualquer Estado faz uma opção pela descriminalização do aborto ou o alargamento da tipificação das circunstâncias em que o mesmo pode ocorrer (incluindo o prazo) chamando a si a responsabilidade de zelar pela saúde de quem decide recorrer ao aborto, abre uma "ferida" nas convicções de cada um e, talvez por isso mesmo, tenda a querer vincular os cidadãos a essa mesma decisão por via da realização de referendos.

Por isso mesmo a decisão tomada pelo Governo Espanhol - independentemente do maior ou menor apoio à mesma - não implicará a diminuição do número de abortos, porque eles voltarão a ser realizados de forma "escondida" em condições precárias ou, no limite, passarão a ser efectuados noutros países onde a legislação seja menos restritiva.

Por tudo isto a minha convicção é simples. O que está em causa não são as nossas convicções sobre o significado do direito à vida de um feto, o que está em causa é a certeza que temas há que não é a mera proibição que os elimina ou, dito de outra forma, não é por cada um de nós fechar o olhos com o objectivo de não ver o que se passa à nossa volta que a vida mas também a morte deixam de existir. Assim vão as cousas. 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Partido ao meio

Coisa rara em Portugal parece estar prestes a surgir um novo partido político pela mão de alguns "dissidentes" do Bloco de Esquerda que, aparentemente de forma simbólica, se há-de chamar de LIVRE querendo, ao que parece, efectuar uma espécie de sintese de um sector esquerda portuguesa que, presume-se, estará, pelo contrário PRESA.
 
Não é, contudo, o propósito das linhas seguintes abordar as origens e motivões deste novo partido mas sim analisar o seu surgimento num duplo contexto, isto é, o seu enquadramento histórico e as suas bases futuras.
 
A questão dos partidos políticos encontra-se normalmente "resolvida" em períodos de diminuição das liberdades e garantias de associação, vulgo ditadura, durante os quais vigora a "lógica" do regime de partido único ou se outros existem, tal resulta sobretudo de uma certa "tolerância" desse mesmo regime, certo que o conceito de oposição não é certamente aquele que colocará em causa a sua subsistência.
 
Por isso mesmo, terminado esse período de duração variável, é normal suceder uma proliferação de novos partidos políticos, expressão de um impulso democrático a partir do qual todo e qualquer um poderá associar-se e candidatar-se a elevar a sua representatividade ao local onde, por excelência, a mesma conflui, isto é, o Parlamento.
 
Esse efeito foi particularmente "visivel" no período da 1ª República de onde emergiu um conjunto significativo de pequenos partidos sem expressão social relevante, com uma existência de cariz ideológica distinta daquela que actualmente se conhece (esquerda/direita), encarnando sobretudo as tendências do momento, isto é, distinguindo-se em função do seu alinhamento com o regime repúblicano ou o monárquico.
 
Curiosamente e em resultado da fragilidade do sistema político, o único partido representado na Constituinte em 1910 haveria de ser o Partido Repúblicano, sendo que a incapacidade dos partidos de então em responder às principais necessidades económicas e sociais de um país acabado de saír de uma guerra mundial haveria de propiciar sucessivas alterações do governo (com uma ditaduta militar pelo meio) e, por fim, conduzir ao movimento militar de 28 de Maio de 1926, com a consequente dissolução do Parlamento.
 
O período seguinte - denominado de Estado Novo - impos a atrás referida politica de "partido único" que determinou que, entre 1926 e 1974, a oposição ao regime fosse feita - quase exclusivamente - não pela via partidária mas sim por movimentos na clandestinidade, dentro e fora do país, algo que se alteraria radicalmente precisamente a partir de 1974.
 
Nessa ocasião, nomeadamente no momento das primeiras eleições para a Constituinte em 1975 (que teve, diga-se, uma afluência histórica de 91%) determinou que os 250 lugares do parlamento fossem "divididos" por 7 partidos, embora muitos outros de menor dimensão tivessem sido criados.
 
Os anos seguintes, de consolidação da democracia, operaram uma estabilização do voto popular em 6 partidos, sendo que um deles apenas detém representação parlamentar por via de uma coligação "tradicional" com o Partido Comunista Português.
 
Pelo meio o país viu "desaparecer" cerca de 30 partidos políticos, existindo ainda 13 partidos que nunca conseguem obter o número de votos necessário para passarem a estar presentados no Parlamento.
 
Ora, a quase cristalização da tendência de voto por um número reduzido de partidos tem operado um duplo efeito de "convite" ao não surgimento de novas estruturas partidárias fruto da dificuldade em dispor dos meios suficientes para fazer parte de uma "guerra" que dificilmente poderá ser ganha, na medida em que raramente resultam da dissenção de qualquer dos principais partidos políticos ou da aglutinação de dois ou mais partidos que, no conjunto, poderão somar os votos necessários à referida representação, por pequena que seja.
 
Exemplo disso mesmo são os exemplos mais recentes do PRD e do BE, sendo que o primeiro intregra precisamente o elenco de partidos que entretanto se dissolveram.
 
O segundo efeito a que atrás me refiro e que é particulamente "visivel" nos dias de hoje, nomeadamente para consecutiva redução da expressão da participação popular nos actos eleitorais é o facto das pessoas parecerem começar a "cansar-se" do actual expectro partidário, demonstrando-o pela referida abstenção mas também pela adesão a uma certa tendência para a prevalência de movimentos de cidadãos - vulgo independentes - que fazem do discurso do distanciamento ao status quo partidário precisamente a sua principal força.
 
Este efeito ficou bem patente nas mais recentes eleições autárquicas, ainda que em certas situações os tais movimentos de cidadãos fossem - de forma oportunista - encabeçados por ex-dirigentes partidários que parecem ter assimilidado a oportunidade do distanciamento dos partidos a que anteriormente estavam ligados e que, em bom rigor, são a causa da sua notariedade.
 
Neste contexto fará sentido o surgimento de um novo partido?
 
Em bom rigor e sem dispor de qualquer noção sobre as respectivas normas programáticas para além das que o colocam o partido LIVRE algures entre o PS e o BE, admito que tal possa revelar-se como oportuno, embora tenha sérias dúvidas sobre a capacidade de mobilização no actual contexto.
 
A minha principal preocupação é, contudo, outra. A minha preocupação resulta da percepção que o distanciamento das populações em relação ao regime partidário "force", de certa forma, a convicção geral de que o regime democrático não necessita de partidos, algo que não compaginável com um modelo de regime democrático.
 
Um pouco por toda a Europa vão surgindo novos movimentos políticos que, precisamente à luz deste principio, vão disseminando mensagens de cariz anti-democrático que têm como principal mensagem o ataque ao sistema político dito convencional, num regresso a uma retórica já antes vista e cujas consequências se conhecem mas, sobretudo, não se podem nem devem ignorar. Assim vão as cousas.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Corrida dos Descobrimentos 2013

Um frio intenso foi o anfitrião de mais uma prova que haveria de correr de forma bastante agradável, desde logo porque "consegui" iniciar a corrida praticamente em cima da linha de partida pelo que o tempo oficial e de chip são quase coincidentes. 


Um excelente 362º lugar entre 1150 atletas e o 49º lugar no escalão 40-44 com um tempo de 00:53:07 deu para "aquecer" o estado de espírito. 


A época termina já a seguir com o ano também a dizer adeus.








domingo, 8 de dezembro de 2013

Falsa partida

Na semana em que a troika nos faz pela 10ª vez uma "visita" a propósito das pré-agendadas avaliações periódicas da implementação do "famoso" Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica, doravante designado pelo acrónimo MESCOPE ou simplesmente por Memorando de Entendimento, dou por mim a exercitar os meus conhecimento básicos ou, dito outra forma, dei-me ao trabalho de ler o referido documento de uma ponta à outra.

Talvez pudesse e devesse te-lo feito antes na medida em que, não raras vezes, a ele me refiro nas minhas dissertações ainda que, valha a verdade, não o tenha alguma feito na perspectiva de dissertar sobre alguma das suas cláusulas, sob pena de rapidamente ser desmentido, preferindo antes uma abordagem ao documento de forma conceptual que, no fundo, é aquela que o mais comum dos mortais fará, sem que sequer possa ser censurado por isso.

A primeira constatação é que, por mera coincidência do destino, o MESCOPE apresenta uma data que é coincidente com a aquela que, pelo calendário, é também a minha data aniversaria, pelo que doravante não deixarei de me lembrar que nesta mesma data, uns anos antes, o então governo demissionário do Eng. José Sócrates com a supervisão de PSD pela mão do Dr. Eduardo Catroga e do CDS pelo inevitável Dr. Paulo Portas, assinaram um documento que visava, nas "palavras" do próprio documento a "concessão de assistência financeira" a Portugal, temática a que voltarei na parte final do presente texto.

Sem querer também agora entrar a fundo em cada uma das clausulas que compõem o Memorando entendo ainda assim e quase inevitavelmente, extrair do seu conteúdo geral quatro grandes conclusões, a que seguidamente darei forma.

A primeira resulta desde logo da dimensão do MESCOPE, na medida em que seria minha convicção - e provavelmente da esmagadora maioria das pessoas - que um documento de compromisso que, no essencial, prevê o resgate do país por uma nada despiciente soma de 80 mil milhões de euros, teria um volume de páginas considerável, deixando a cada um dos leitores a definição de "considerável" mas que, na minha opinião, deveria ser pelo menos superior ao Orçamento de Estado, na medida em que se este se destina a vigorar pelo prazo de um ano já o Memorando tem uma "validade" de um pouco mais de 3 anos.

A verdade é que não é bem assim pois afinal o Memorando de Entendimento apresenta umas singelas 35 páginas o que, em bom rigor, significa que o meu próprio contrato de empréstimo tem um volume superior quando afinal de contas envolve valores consideravelmente mais... humildes.

O motivo para que tal suceda é, no fundo, a segunda grande conclusão, isto é, aquela que remete para o tempo verbal mais utilizado em todo o texto que, para quem ainda se lembra dos tempos de escola, é  o da terceira pessoa do singular do futuro do presente do indicativo e, dito isto, desafio cada um a pesquisar que conjugação verbal será esta.

Abrindo, contudo, a porta deste mistério, diga-se que o que o MESCOPE define não são os normativos que hão-de ser seguidos durante o período do resgate mas sim a definição do que ao Governo compete fazer para o conseguir, numa base cronologicamente datada por cada trimestre, isto é, aqueles que coincidirão com a visita da troika para verificar o nível de implementação das políticas para o cumprimento do Programa de Assistência.

Por isso mesmo e esta é a terceira conclusão não será fácil ao leitor encontrar no documento algumas das medidas mais "emblemáticas" da politica de austeridade do Governo na medida em que, simplesmente, elas não estão lá, razão que justifica a frase proferida por alguns de que o executivo foi ou terá ido para "além do memorando".

Dando como exemplo - entre muitos outros possíveis - nada consta no documento sobre a subida do IVA ou o corte dos subsídios de férias e de Natal, pelo que apenas nos é possível concluir que não sendo imposições da troika são, antes de mais, o resultado do entendimento do Governo sobre a forma de dar corpo e substancia a algo que se encontra repleto de enunciados gerais.

Ora este poder discricionário na aplicação das medidas contidas no MESCOPE leva-me a retomar a questão que havia ficando em suspenso no inicio do texto e que servirá, para todos os efeitos, como última grande conclusão, sendo forçado a concluir que o simples facto dos principais partidos do chamado "arco da governação" terem participado na sua formulação deveria ter levado a um compromisso de alargado - senão mesmo uma grande coligação - tendo em vista a definição das politicas para implementação do Memorando de Entendimento que teriam por base um consenso alargado e, nessa medida, provavelmente mais aceitáveis pela generalidade dos cidadãos.

Não foi, para nosso infortúnio, nada disso que se passou pela confluência de diversos factores, tendo por um lado o descrédito que nessa altura caíra sobre o Governo Sócrates, por outro a mais do evidente ânsia pelo poder da dupla Passos Coelho/Paulo Portas e, finalmente, a ausência de um verdadeiro empenhamento por parte do Presidente da República em ser o "mediador" dessa necessidade.

O resultado é o conhecido e, talvez por isso mesmo, à luz de uma perspectiva nada animadora de um segundo resgate ou de um plano cautelar (algo que ainda ninguém sabe muito bem o que será) se volte a falar na necessidade de consensos para daqui a 7 meses, isto é, coincidindo com o fim do MESCOPE.

Não creio, contudo, que tal seja possível sem a realização de eleições antecipadas, uma vez que é fácil de perceber que o principal partido da oposição não estará disposto, razoavelmente, a simplesmente aderir a um plano negociado pelos partidos da coligação. 

Ora, precisamente nesse aspecto Portugal terá muito a aprender com o modelo alemão após as recentes eleições legislativas, em que os dois principais partidos - à falta de uma maioria absoluta - concorreram isoladamente a essas mesmas eleições para seguidamente se coligarem, claro está, a bem da Nação. Assim vão as cousas.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Velhos hábitos

Num destes últimos dias tive ocasião de observar uma colagem fotográfica que “comparava” as situações de publica indignação em alguns dos locais mais “quentes” da actualidade – nomeadamente na Grécia, Brasil e Espanha – com uma imagem, de certa forma caricatural, da equivalente manifestação desse mesmo “estado de espírito” em Portugal no qual, bem ao contrário das referidas imagens de exacerbamento social, remetia para uma bonomia e paz de espírito.
Creio, contudo, que a imagem reflectia algo mais do que tais situações de complacência uma vez que o que se pretenderia afirmar seria, afinal de contas, um estado de indiferença perante situações que tendo natureza diferente têm consequências bastante próximas.
Dito de outra forma, parece vir ao de cima a “célebre” afirmação que nos “acompanha” à largos anos, a partir do qual o povo português é definido como sendo de “brandos costumes”.
Não deixa, ainda assim, de ser curioso que nesta mesma fase da nossa sociedade parece haver um certo recrudescimento de um estado de alguma agitação social, bem patente no crescimento do número de manifestações públicas de contestação ao Governo, incluindo uma “simbólica” subida das escadarias do Parlamento, independentemente do significado que cada um queira atribuir a esse momento, mas também de um discurso político de certas esferas do poder político que, sem aparente hesitação, repetem sucessivamente a palavra “violência”, também aqui sem um entendimento uniforme se tal representará um aviso ou uma verdadeira ameaça.
A verdade é que a “genética” portuguesa é bem mais conciliável com o epíteto dos “bons costumes” do que com uma reacção violenta às adversidades, como parece verificar-se noutros quadrantes geográficos, nomeadamente na “velha Europa”.
Esta perspectiva assenta em factos históricos mais ou menos contemporâneos, tomando por exemplo por base o facto de em toda a nossa “tradição” não haver registo, excepto no virar do regime monárquico para o republicano, de um caso de regicídio ou, mais recentemente, da forma “pacífica” como Portugal enfrentou 48 anos de ditadura até que alguém teve a coragem de dizer “basta”.
De lá para cá o mais que houve foram pequenas amostras de indignação mais exaltada, constituintes elas próprias de uma situação mais de excepção do que verdadeira regra.
Aquilo que parece, na minha análise, ser coincidente com os dois momentos fundamentais da nossa história contemporânea, isto é, a queda da monarquia e da ditadura, é que os mesmos acontecem em momentos em que o modelo social se havia tornado insustentável, não apenas pela evidente limitação de direitos elementares democráticos por via das ditaduras de João Franco ou de Salazar/Marcelo, mas pelo facto de socialmente o desfasamento entre Portugal e os demais estados europeus ao nível do desenvolvimento ser de tal maneira evidente que, para lá das habituais teorias da conspiração, o que se tornou evidente foi a necessidade de mudança imediata, mesmo sem uma verdadeira consciência dos desafios que em ambos os casos se haveriam de seguir.
Creio, portanto, que a noção de brandos costumes se deve, antes de mais, a um sentido de medo generalizado das consequências de uma determinada actuação cívica, fruto de uma “política de medo” muito própria das ditaduras, ou seja, os movimentos da sociedade não confluem num objectivo comum em virtude do receio das consequências que dai poderão advir para cada um dos membros desse movimento.
Por isso mesmo, aquilo que qualquer regime deve fundamentalmente temer não são as ameaças mais ou menos “incendiadas” de um recurso à violência ou sequer a exibição de uma qualquer forma de manifestação pública de insatisfação.
Aquilo que qualquer regime deve temer – este ou qualquer outro – é o momento em que essa fronteira deixa de existir, simplesmente porque as pessoas já não têm nada a perder. E,  sendo esta uma lição da nossa própria história, confesso não ter absoluta certeza não possa estar já prestes a acontecer. Assim vão as cousas.