Em determinado momento, ao ouvir um ilustre causídico, este
referiu-se à sua relação com a informática como “cordial, mas distante”.
Achei muito curiosa esta afirmação porque me revejo, no seu
alcance prático, na forma como eu próprio me posiciono perante as noticias que
vão surgindo a propósito do frémito desenfreado com que surgem novos dados
sobre a busca do, até agora ignorado, Bosão de Higgs.
Refiro propositadamente "ignorado" porque a
grande maioria das pessoas – entre as quais eu me incluo – nunca ouvira falar
de tal elemento e a escassa minoria que não o ignora reconhece que nunca o
“viu” (num sentido muito lato de visão).
Não obstante a reconhecida ignorância, a verdade é que acho
fascinante esta procura incessante de novos limites para a ciência e, ainda
mais, quando esse limite é – e aqui tenho de me socorrer das cábulas – a “chave
para explicar a origem a massa das outras partículas elementares” referindo-se
mesmo que a sua existência, se provada, terá um “efeito enorme na compreensão
do mundo em torno de nós” (sic).
Mas será mesmo assim? Será que descoberta tal partícula,
estaremos mais próximos de compreender este nosso mundo?
Lamentavelmente, não creio.
Reconhecidamente a procura do Bosão de Higgs implica um
“dispêndio” de massa cinzenta para além da nossa compreensão e, como sempre
acontece, um largo investimento financeiro, o qual tem – aparentemente – um
objectivo quase filosófico, isto é, não aparenta resultar de todo este esforço
qualquer “novidade” relativamente às grandes preocupações do mundo a que a
comunidade científica se refere.
O problema é a montante, isto é, ao mesmo tempo que o Homem
continua a desafiar o seu próprio conhecimento e os limites da evolução
científica não é menos verdade que tamanha velocidade não tem sido acompanhada
noutros campos, como sejam os da erradicação das situações de fome e das
doenças que causam milhões de mortes em cada ano.
O porquê desta situação não é certamente explicável sem o
recurso a uma certa dose de ignorância pelo que qualquer ensaio será sempre
meramente especulativo.
Por isso mesmo não me resta outra alternativa que não seja
o de constatar que das duas uma, ou o ser humano é incomensuravelmente melhor
com as máquinas do que consigo próprio ou então o “interesse” em afastar
definitivamente tais doenças do espectro de preocupações do cidadão comum não é
suficiente para a prossecução de tal desiderato.
Neste último caso o motivo só poderá então ser um, isto é,
aquele que normalmente se associa à “lógica” dos interesses económicos,
precisamente os mesmos que movimentam outro género de “máquinas” que teimam em
perdurar nos tempos que correm e certamente nos tempos vindouros.
No fundo a tal “lógica” é a de que se da mesma forma que um
país em paz não gasta dinheiro em balas também um cidadão saudável não
necessita, presumivelmente, de medicamentos, o que não deixa de ser excelente
do ponto de vista do país ou da própria pessoa, mas desastroso para todos
aqueles que vivem precisamente do fabrico de tais bens.
Podemos, desta forma, continuar a maravilhar-nos com a
capacidade do ser humano em quebrar as suas próprias barreiras de conhecimento
e desenvolvimento tecnológico mas tal não pode – ou não poderia – impedir que o
Homem de poder igualmente quebrar a última fronteira de si mesmo, aquela que
resulta da vontade de possuir para si próprio tudo o que existe, vulgo
ganância. Assim vão as cousas.