domingo, 24 de fevereiro de 2013

Demasiado elementar


Em determinado momento, ao ouvir um ilustre causídico, este referiu-se à sua relação com a informática como “cordial, mas distante”.

Achei muito curiosa esta afirmação porque me revejo, no seu alcance prático, na forma como eu próprio me posiciono perante as noticias que vão surgindo a propósito do frémito desenfreado com que surgem novos dados sobre a busca do, até agora ignorado, Bosão de Higgs.

Refiro propositadamente "ignorado" porque a grande maioria das pessoas – entre as quais eu me incluo – nunca ouvira falar de tal elemento e a escassa minoria que não o ignora reconhece que nunca o “viu” (num sentido muito lato de visão).

Não obstante a reconhecida ignorância, a verdade é que acho fascinante esta procura incessante de novos limites para a ciência e, ainda mais, quando esse limite é – e aqui tenho de me socorrer das cábulas – a “chave para explicar a origem a massa das outras partículas elementares” referindo-se mesmo que a sua existência, se provada, terá um “efeito enorme na compreensão do mundo em torno de nós” (sic).

Mas será mesmo assim? Será que descoberta tal partícula, estaremos mais próximos de compreender este nosso mundo?

Lamentavelmente, não creio.

Reconhecidamente a procura do Bosão de Higgs implica um “dispêndio” de massa cinzenta para além da nossa compreensão e, como sempre acontece, um largo investimento financeiro, o qual tem – aparentemente – um objectivo quase filosófico, isto é, não aparenta resultar de todo este esforço qualquer “novidade” relativamente às grandes preocupações do mundo a que a comunidade científica se refere.

O problema é a montante, isto é, ao mesmo tempo que o Homem continua a desafiar o seu próprio conhecimento e os limites da evolução científica não é menos verdade que tamanha velocidade não tem sido acompanhada noutros campos, como sejam os da erradicação das situações de fome e das doenças que causam milhões de mortes em cada ano.

O porquê desta situação não é certamente explicável sem o recurso a uma certa dose de ignorância pelo que qualquer ensaio será sempre meramente especulativo.

Por isso mesmo não me resta outra alternativa que não seja o de constatar que das duas uma, ou o ser humano é incomensuravelmente melhor com as máquinas do que consigo próprio ou então o “interesse” em afastar definitivamente tais doenças do espectro de preocupações do cidadão comum não é suficiente para a prossecução de tal desiderato.

Neste último caso o motivo só poderá então ser um, isto é, aquele que normalmente se associa à “lógica” dos interesses económicos, precisamente os mesmos que movimentam outro género de “máquinas” que teimam em perdurar nos tempos que correm e certamente nos tempos vindouros.

No fundo a tal “lógica” é a de que se da mesma forma que um país em paz não gasta dinheiro em balas também um cidadão saudável não necessita, presumivelmente, de medicamentos, o que não deixa de ser excelente do ponto de vista do país ou da própria pessoa, mas desastroso para todos aqueles que vivem precisamente do fabrico de tais bens.

Podemos, desta forma, continuar a maravilhar-nos com a capacidade do ser humano em quebrar as suas próprias barreiras de conhecimento e desenvolvimento tecnológico mas tal não pode – ou não poderia – impedir que o Homem de poder igualmente quebrar a última fronteira de si mesmo, aquela que resulta da vontade de possuir para si próprio tudo o que existe, vulgo ganância. Assim vão as cousas.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A fronteira racional


Em 14 de Fevereiro de 1989 o mundo tornou-se consciente de uma realidade que remetia para uma vertente da relação entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, até aí provavelmente ignorada.

Nesse mesmo dia, o líder espiritual e político do povo iraniano, o ayatollah Khomeini, condenou à morte um escritor até aí pouco conhecido do grande público (Salman Rushdie), através de um decreto religioso (fatwa), tendo por base a acusação de blasfémia contra o Islão, devido à publicação de um livro (Versículos Satânicos), situação que obrigou o escritor a viver em quase clandestinidade durante largos anos, até que, muito recentemente, o referido decreto foi revogado.

Alguns anos mais tarde (em 2005) um jornal dinamarquês (Jyllands-Posten) resolveu publicar umas caricaturas que satirizavam o profeta Maomé, originando uma espiral de violência, uma vez mais pelo carácter blasfemo das mesmas, à luz do princípio islâmico da proibição das representações visuais do profeta.

Como consequência das ameaças de morte e recompensas pelo seu assassinato de que foram alvo, os cartoonistas (e o editor do jornal) passaram a “viver” escondidos, numa espécie de reclusão forçada por um julgamento sumário.

Mais recentemente e a propósito de um vídeo considerado anti-islâmico que começou a circular no YouTube, o mundo árabe voltou a insurgir-se contra o ocidente, levando a novos e cada vez mais graves incidentes, dos quais resultaram diversas mortes, incluindo a de um embaixador norte-americano.

De acordo com a minha perspectiva a súmula destes (e de outros menos mediáticos) pode colocar-se em dois planos distintos.

O primeiro é o do “confronto” entre a liberdade de informação e a repressão dessa mesma liberdade por parte de alguns sectores islamitas (embora não exclusiva destes), através de uma mais do que evidente intolerância religiosa, perante o mundo ocidental, não islâmico.

A questão que se coloca é se a primeira deve simplesmente soçobrar perante a segunda face à desproporcionalidade das consequências que lhe estão normalmente associadas, questão esta que remete para o segundo plano de análise, ou seja, o dos limites da liberdade de imprensa.

Se for previsível admitir que a consequência habitual da divulgação de uma determinada notícia (mesmo que seja em forma de cartoon) resultaram distúrbios e a morte de inocentes, deverá essa mesma divulgação ser impedida ou, no mínimo, revista na respectiva forma?

Os puristas da liberdade de expressão dirão, obviamente, que não, que se trata de um valor supremo, inalienável e não condicionável por outros valores.

Contudo, a liberdade de expressão não é, certamente, a única liberdade que existe, na medida em que “corre” em paralelo com outras de igual ou mesmo superior valor, entre os quais o direito à vida.

A questão a meu ver é que, quando um direito se sobrepõe a um outro deixa de ser, na maioria dos casos, um direito, mas uma forma de tirania, quando a liberdade de uns é condicionada pela liberdade de outros “justificada” pela intemporal máxima de que os fins justificam - aparentemente – todos os meios.

Poder-se-ia esperar que o “sacrifício” de algumas vidas poderia, no limite, ser o “contributo” necessário para a resolução do problema. Contudo, este argumento perdeu há muito a sua validade, face à realidade dos factos.

E esta realidade - o segundo dos planos iniciais - é que, quase sempre aquilo que se segue à difusão de imagens ou conteúdos considerados ofensivos, seja por movimentos islâmicos ou por outras confissões religiosas, resulta exclusivamente do aproveitamento de um grupo mais ou menos restrito para, em nome da fé, passar as suas próprias mensagens de ódio, as quais dificilmente terão alguma conexão, próxima ou remota, com essa mesma fé.

Em suma, é minha convicção que entre os idealismos de uns e o fundamentalismo de outros o problema irá, no essencial, manter-se no tempo, com tendência para um acentuado agravamento de uma situação que, sabendo-se como começa, também se sabe como acaba. Assim vão as cousas.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Medo da sombra


Os últimos anos da “governação Sócrates” foram marcados por um acentuar da conflitualidade social entre o cidadão “comum” e os membros do Governo e, em particular, relativamente à figura do então Primeiro-Ministro.

É bom dizer-se, no entanto, que a presente dissertação tendo o seu início histórico no anterior executivo poderia, em bom rigor, situar-se em momentos anteriores, na medida em que, independentemente dos “intérpretes”, a conflitualidade a que me refiro não foi em caso algum um fenómeno que tenha tido nesse momento o seu início ou que possa sequer ser “apropriado” por alguém, a título de exclusividade.

Regressando ao tema que há-de nortear estas linhas, pretendo dirigi-lo não na perspectiva dos agentes activos da contestação – os cidadãos – mas sim aqueles que de alguma forma serão o seu oposto, isto é, os políticos, ou mais exactamente a sua reacção aos movimentos de contestação.

Diga-se, em abono da verdade, que seja em tempos de “bonança” ou de “tempestade” a relação dos políticos com todos aqueles que neles depositaram (ou não) a sua confiança, foi quase sempre de receio, sendo que este verdadeiro “estado de alma” é progressivamente ampliado de forma proporcional ao aumento da insatisfação.

Existem, mesmo para os menos atentos, sinais evidentes desta convicção, quando, por exemplo, as conferências de imprensa deixam de o ser enquanto tal, passando a meras operações discursivas, em que o orador previamente define as regras do “jogo”, e que passam pela ausência de possibilidade de questionar qualquer das afirmações anteriormente produzidas, limitando-se o auditória a ser “espectador” passivo da informação que acaba de lhe ser transmitida.

Este comportamento, cada vez mais usual, não tem outra razão de ser que não seja o de evitar que o referido orador seja “confrontado” com as expectáveis questões que se seguiriam, presumindo-se até prova em contrário, que delas decorria a necessidade de aprofundamento dos temas abordados, levando à necessidade de uma resposta que não se pretende dar.

Uma outra evidência deste sintoma é o aparentemente incompreensível hábito do recurso à “famosa” porta dos fundos para entrar e sair de qualquer recinto (normalmente a grande velocidade), evitando dessa forma o contacto com um qualquer grupo de maior ou menor dimensão que, esperando certamente um comportamento diferente do seu representante o aguardava “pacientemente” à entrada da porta principal, por onde o mesmo não chegará a passar.

Mais recentemente mesmo esta espécie de “fuga” deixou de ser “meio” suficiente e, sempre com a devida justificação, passou a ser frequente a ausência “à última da hora” do ilustre convidado que se aguardava, ficando quase sempre “no ar” a convicção que essa mesma ausência possa ter tido uma motivação mais compatível com a percepção da necessidade de evitar o contacto com uma qualquer manifestação de circunstância, que certamente o próprio não ignoraria.

Por fim, o receio com que a classe política parece “relacionar-se” com os cidadãos é igualmente mensurável pelo crescimento exponencial do número de elementos da respectiva segurança pessoal, ou conforme é comum dizer-se, dos seus guarda-costas.

Compreender-se-á agora a “ponte” que procurei efectuar entre os últimos anos de governação do Eng. José Sócrates e aquilo que é possível constatar em pouco mais de um ano do actual governo do Dr. Pedro Passos Coelho.

O que parece faltar a uns e outros é a percepção que este distanciamento forçado em relação às pessoas podendo “defende-los” de algum encontro indesejado com algum cidadão mais inconformado, afasta-os não apenas dessas mesmas pessoas, mas fundamentalmente da realidade que aparentemente querem ignorar.

Por isso mesmo sou forçado a concordar com o Dr. Mário Soares (ele próprio com histórias para contar neste capítulo) quando diz que «quem tem medo do povo não tem o direito de cumprir as missões importantes que a alguns foram conferidas”.

Esta talvez seja, em resumo, a principal diferença entre um verdadeiro político e um oportunista. Assim vão as cousas.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Da moral

Geneticamente, o conceito de moral surge, quase sempre, associado aos costumes, na medida em que remete para as práticas, os valores e as regras de uma pessoa ou de um conjunto de pessoas, independentemente da sua dimensão.

Neste contexto cabe uma definição de acções consideradas como boas ou correctas por oposição a todas aquelas que são más ou incorrectas.

Resulta desta separação, certamente subjectiva, uma espécie de código de conduta que corresponde ao comportamento que a Sociedade ou um mero grupo espera e pretende ver seguido por parte dos respectivos membros, sejam eles de natureza religioso ou de cariz laico.

Ao longo dos tempos verificou-se uma necessária “actualização” dos tais comportamentos, sem deixar cair ainda assim uma perspectiva positiva dos mesmos, isto é, mantendo um sentido globalmente reprovador em relação aos comportamentos potencialmente desviantes, ou seja, aqueles dos quais poderiam resultar consequências negativas para a própria pessoa ou para a comunidade em que esta se insere.

Este “julgamento” foi quase sempre especialmente visível relativamente ao comportamento dos jovens, nomeadamente em idade púbere, face à ancestral presunção de irresponsabilidade pessoal que os acompanha em (quase) todos os seus movimentos.

Ora, o controlo dos referidos movimentos provinha sobretudo de dois locais, ou seja, da própria família e da escola.

No que toca à segunda estamos mais ou menos conversados sobre o “abandono” que actualmente se verifica em relação à capacidade de “controlar” os comportamentos dos elementos constitutivos do respectivo parque escolar.

Em relação ao papel da família - insubstituível por definição e natureza – existe igualmente uma progressiva quebra do vínculo (ou laço) que deveria justificar uma orientação daqueles sobre os quais a lei determina a capacidade de exercício do poder paternal.

Quando sucessivamente a escola e a própria família falham é o momento em que uma outra autoridade deve emergir, não numa perspectiva moral, mas de controlo de quaisquer comportamentos que possam colocar em perigo a própria pessoa e aqueles que a rodeiam.

Nesse sentido o Estado é a figura que se encontra para além da moral e sobre quem em última análise impende o ónus da protecção individual dos cidadãos.

A realidade dos factos demonstra que tudo aquilo que se tem vindo a verificar a propósito dos incidentes envolvendo jovens portugueses em território espanhol é nada mais do que a falência conjunta de todos os “agentes” envolvidos neste circuito.

Tal sucede a partir do momento em que nada nem ninguém parece ter força e argumentos suficientes para obstar a uma lógica que permite que pessoas menores de idade manifestem comportamentos isentos de qualquer controlo tutelar das restrições legais inerentes à sua própria menoridade.

Não se trata aqui de fazer prevalecer a “lógica” dos “bons costumes” – outra manifestação da moral – mas sim o de fazer emergir a responsabilidade de todos e de cada um na parcela que lhes compete, seja defesa da integridade física de cada pessoa seja no respeito pela lei e pela ordem.

Se os valores morais de uma sociedade determinam normalmente o seu destino é fácil concluir-se, sem necessidade de recurso ao mito de Sodoma e Gomorra, que a ausência de uma moral positivista – em que cada um contribua de forma positiva para o seu próprio bem e para o bem comum – implicará forçosamente o declínio dessa mesma sociedade.

Como em qualquer cruzamento deparamo-nos actualmente com a possibilidade de escolha de qual o caminho a seguir, sabendo-se de antemão que já não é possível voltar para trás e que aquele por onde actualmente seguimos nos pode conduzir a um beco sem saída, mas com a certeza que ainda assim continuamos a ter possibilidade de escolha. Assim vão as cousas.