Os últimos anos da “governação Sócrates” foram
marcados por um acentuar da conflitualidade social entre o cidadão “comum” e os
membros do Governo e, em particular, relativamente à figura do então
Primeiro-Ministro.
É bom dizer-se, no entanto, que a presente dissertação
tendo o seu início histórico no anterior executivo poderia, em bom rigor,
situar-se em momentos anteriores, na medida em que, independentemente dos
“intérpretes”, a conflitualidade a que me refiro não foi em caso algum um
fenómeno que tenha tido nesse momento o seu início ou que possa sequer ser
“apropriado” por alguém, a título de exclusividade.
Regressando ao tema que há-de nortear estas linhas,
pretendo dirigi-lo não na perspectiva dos agentes activos da contestação – os
cidadãos – mas sim aqueles que de alguma forma serão o seu oposto, isto é, os
políticos, ou mais exactamente a sua reacção aos movimentos de contestação.
Diga-se, em abono da verdade, que seja em tempos de
“bonança” ou de “tempestade” a relação dos políticos com todos aqueles que
neles depositaram (ou não) a sua confiança, foi quase sempre de receio, sendo
que este verdadeiro “estado de alma” é progressivamente ampliado de forma
proporcional ao aumento da insatisfação.
Existem, mesmo para os menos atentos, sinais evidentes
desta convicção, quando, por exemplo, as conferências de imprensa deixam de o
ser enquanto tal, passando a meras operações discursivas, em que o orador
previamente define as regras do “jogo”, e que passam pela ausência de
possibilidade de questionar qualquer das afirmações anteriormente produzidas,
limitando-se o auditória a ser “espectador” passivo da informação que acaba de
lhe ser transmitida.
Este comportamento, cada vez mais usual, não tem outra
razão de ser que não seja o de evitar que o referido orador seja “confrontado”
com as expectáveis questões que se seguiriam, presumindo-se até prova em
contrário, que delas decorria a necessidade de aprofundamento dos temas
abordados, levando à necessidade de uma resposta que não se pretende dar.
Uma outra evidência deste sintoma é o aparentemente
incompreensível hábito do recurso à “famosa” porta dos fundos para entrar e
sair de qualquer recinto (normalmente a grande velocidade), evitando dessa
forma o contacto com um qualquer grupo de maior ou menor dimensão que, esperando
certamente um comportamento diferente do seu representante o aguardava
“pacientemente” à entrada da porta principal, por onde o mesmo não chegará a
passar.
Mais recentemente mesmo esta espécie de “fuga” deixou
de ser “meio” suficiente e, sempre com a devida justificação, passou a ser
frequente a ausência “à última da hora” do ilustre convidado que se aguardava,
ficando quase sempre “no ar” a convicção que essa mesma ausência possa ter tido
uma motivação mais compatível com a percepção da necessidade de evitar o
contacto com uma qualquer manifestação de circunstância, que certamente o
próprio não ignoraria.
Por fim, o receio com que a classe política parece
“relacionar-se” com os cidadãos é igualmente mensurável pelo crescimento
exponencial do número de elementos da respectiva segurança pessoal, ou conforme
é comum dizer-se, dos seus guarda-costas.
Compreender-se-á agora a “ponte” que procurei efectuar
entre os últimos anos de governação do Eng. José Sócrates e aquilo que é
possível constatar em pouco mais de um ano do actual governo do Dr. Pedro
Passos Coelho.
O que parece faltar a uns e outros é a percepção que
este distanciamento forçado em relação às pessoas podendo “defende-los” de
algum encontro indesejado com algum cidadão mais inconformado, afasta-os não
apenas dessas mesmas pessoas, mas fundamentalmente da realidade que
aparentemente querem ignorar.
Por isso mesmo sou forçado a concordar com o Dr. Mário
Soares (ele próprio com histórias para contar neste capítulo) quando diz que «quem tem medo do povo
não tem o direito de cumprir as missões importantes que a alguns foram
conferidas”.
Esta talvez seja, em
resumo, a principal diferença entre um verdadeiro político e um oportunista.
Assim vão as cousas.
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