domingo, 15 de junho de 2014

Last but not least

É justo que referir que algumas das coisas boas que nos vão sucedendo resultam, de forma antagónica, de uma boa discussão e foi, precisamente nessa base que, há cerca de quatro anos atrás, a ânsia de escrever teve o seu inicio, materializando-se em forma de blogue, porventura uma das formas mais livres de comunicação.

Da referida discussão surgiu a "necessidade" de semanalmente transmitir - seguindo uma metodologia de publicação dominical - tudo aquilo (ou boa parte) daquilo que é a minha visão sobre este Portugal, com uma boa dose de análise política - sem ser uma escrita política - mas também sobre o tudo aquilo que nos rodeia, com uma especial incidência nos temas da cidadania e da cultura, enfim, sobre um conceito próprio de Sociedade.

A preocupação maior foi sempre a de reflectir e fazer reflectir sobre cada um dos temas, afastando-me - sempre que possível - de tudo aquilo que já era objecto de análise da generalidade dos cronistas, constituindo esse o meu maior desafio semanal, isto é, evitar a repetição, facilmente confundível com o mero plágio.

Desta forma de perspectivar a crónica, resulta necessariamente algo a que aludi nas apresentações dos livros que "nasceram" das sucessivas crónicas, isto é, um crescimento exponencial da exposição das convicções pessoais e, por arrastamento, à critica sobre as mesmas.

Tal nunca foi, ainda assim, uma preocupação que transcendesse uma preocupação "maior" de escrever com o maior rigor possível e, tarefa quase impossível, de forma preferencialmente isenta, sem deixar em momento algum que a abstracção pudesse criar uma sensação de inocuidade, como se dessa forma quisesse evitar uma exposição pessoal algo que, manifestamente, não era meu objectivo.

Aliás, os livros acabam por ser a consequência "lógica" dessa vontade de partilhar de forma talvez ingénua - reconheço - tudo aquilo que parecia agora demasiado pequeno para se circunscrever à blogosfera, algo a que as quase 10000 visualizações de página pareciam obrigar, ainda que com plena convicção que o risco de falhar seria substancialmente acrescido a partir do momento em que fosse dado este novo passo.

Contudo, esse risco só deixa de existir quando se opta por não tentar, como se dessa forma se procurasse evitar a consequência de algo cuja causa próxima já não era possível ignorar.

Por isso mesmo, a noção de que tudo aquilo que teve um principio terá, infalivelmente, um fim, resulta também de uma análise interior de que não se encontrando "tudo dito" não fará sentido tentar encontrar de forma mecânica algo mais para dizer.

É precisamente por esta perspectiva que, neste quarto aniversário do blogue e mais de 200 crónicas depois, chegou a "hora" de dizer adeus ou "até já", para que dessa forma possam livremente fluir novos desafios pessoais, sejam eles dedicados ou não à escrita.

Não obstante, há algo que fica para sempre e que, bem vistas as coisas, já "estava" comigo há muitos anos, sem porventura me aperceber de tal. Esse "algo" que fica é um gosto pela escrita que se juntou ao gosto pela leitura, sendo uma e outra agora inseparáveis.

O futuro fica "reservado" - como sempre sucede - para o que não conhecemos mas que gostamos de antecipar e, nesse aspecto, não duvido que haverá sempre motivo para uma "boa discussão" que conduza uma vez mais ao ponto de partida aguardando, como num cruzamento, que algo nos diga qual o caminho seguinte a percorrer, mesmo ignorando aonde o mesmo me irá levar. Assim vão as cousas.
  

domingo, 8 de junho de 2014

O fim do sonho

Muito sem tem dito e escrito a propósito do resultado das últimas eleições europeias, seja ao nível interno seja ao nível dos países-membros da União Europeia e, de um modo geral, parece ser notório o sentimento de preocupação relativamente à grande conclusão que é possível tirar desses mesmos resultados, ou seja, a ascensão "meteórica" dos denominados partidos "euro cépticos" e dos partidos extremistas, sejam eles de direita ou esquerda.

Sobre este tema a minha conclusão é simples: as eleições do passado dia 25 de Maio ditaram o inicio do fim da União Europeia tal como a conhecemos, restando apenas saber que Europa "existirá" quando novamente os europeus forem chamados a um novo escrutínio daqui a 5 anos.

Aquilo que parece, contudo, continuar ausente das preocupações assumidas pelos principais lideres europeus é perceber a "natureza" do sentido de voto - e foram tão poucos os que o fizeram - em quase todos os territórios e tal só se compreenderá porque parte da insatisfação reside precisamente na actuação desses mesmos líderes.

Por isso mesmo a conclusão de natureza eminentemente pessimista sobre o futuro da Europa reside numa dupla perspectiva que, como tantas vezes sucede, remete para uma causa e uma consequência, ou seja, a segunda é a razão directa da primeira.

A causa maior que é possível retirar resulta do comportamento das instituições europeias e dos governos de cada um dos estados na gestão da crise financeira de 2008 e os efeitos devastadores globais da mesma mas que, de um modo geral, parece ter sido ultrapassada de forma mais célere um pouco por todo o lado do que na União Europeia, precisamente o espaço onde supostamente estariam criadas as condições para que sucedesse precisamente o oposto.

Não foi, contudo, esse o resultado, e num ápice a crise financeira tornou-se numa crise de dívida pública, originando a quase impossibilidade de pagamento ou refinanciamento dessa mesma dívida sem a ajuda de terceiros, levando à necessidade de intervenção externa por parte de um triunvirato de credores que haverá de ficar conhecido para sempre como "troika".

A incapacidade de resposta imediata da União Europeia só teve uma forma de reacção a partir de 2010 quando se tornou evidente que o denominado "efeito de contágio" haveria, mais tarde ou mais cedo, de atingir as mais importantes economias europeias, tornando inviável a manutenção do Euro.

Sucede, porém, que a "cura" encontrada foi a aplicação de medidas de austeridade generalizada - com especial incidência nos países intervencionados - levando a um crescimento da sensação de insatisfação das populações, uma vez que tais medidas incidiam especialmente sobre o denominado "estado social".

Essa insatisfação foi o resultado "natural" do aumento exponencial do desemprego, ausência de investimento fruto de uma redução brutal do consumo, elevadas restrições ao crédito por via das elevadas perdas do sector bancário, entre muitas outras consequências altamente lesivas do bem-estar dos cidadãos, algo que pareceria impensável num espaço que, afinal de contas, deveria ser de União e, sobretudo, um espaço solidário.

Este efeito associado à fragilidade da Comissão Europeia (e do seu presidente), da aparente inacção do Parlamento Europeu e a inquestionável ausência de uma politica comum para as principais questões e conflitos fora do espaço europeu, criaram um "caldeirão" que tem historicamente o mesmo resultado e que, na prática, se traduz na consequência inicialmente referida.

A instabilidade política e as situações de insatisfação social devido ao aumento do desemprego e dos níveis de pobreza foi sempre o "campo fértil" para o ressurgimento de movimentos populistas que se apresentam normalmente no lado oposto ao poder "tradicional", não por via de um programa político consistente mas precisamente por colocarem a incidência do seu discurso contra esse mesmo poder, mas não só.

Centram igualmente a sua acção politica no ataque a questões como a emigração, retomando a "lógica" do inimigo comum que se sabia existir mas a quem não se conhecia (ou se quis ignorar) a força que poderia passar a ter numa circunstância como a actual.

As mais recentes medidas políticas tomadas pelas líderes da UE e, em especial, do BCE, contribuíram uma uma retoma económica que tarda em reflectir-se na realidade do cidadão europeu e, por isso mesmo, os seus eventuais efeitos positivos não se reflectiram de forma alguma na altura de votar.

Porque é que então o futuro da União Europeia está comprometido? Simplesmente porque por um lado deixou de haver uma maioria clara que eleja um líder forte e carismático para a Comissão Europeia nos próximos 5 anos e, por outro, não é sustentável uma lógica de união quando uma parte substancial dos deputados eleitos se auto-denomina anti-União Europeia.

O que seguirá será a necessidade de intervenção imediata da Comissão Europeia, que agora surge a falar abundantemente de combate ao desemprego, na resolução dos problemas sociais criados pelas políticas de austeridade face ao "peso" crescente da ala extremista no Parlamento Europeu que centrará precisamente o seu discurso na denuncia desses mesmos problemas.

O "resultado" desta equação ditará não apenas a viabilidade futura da União Europeia mas, mais relevante ainda, a manutenção da paz na própria Europa, porque a última coisa que podemos esquecer é que o último grande conflito mundial surgiu precisamente após uma crise económica da qual resultou a ascensão dos extremismos. Nada de novo, portanto. Assim vão as cousas. 

domingo, 1 de junho de 2014

Nero revisitado


Sem quaisquer “floreados” estilísticos sobre a síntese que se poderá fazer relativamente às conclusões do último acto eleitoral para o Parlamento Europeu, é minha convicção que as recções que se seguiram a esse mesmo acto justificam, num duplo sentido, todo o afastamento que se verifica entre os cidadãos e as instituições europeias e, em particular, entre tais cidadãos e os políticos que os representam.
Seria expectável que, num tal momento, as forças partidárias – nomeadamente as principais - procurassem reflectir sobre a causa da redução da sua base eleitoral numa bastante evidente “troca” de votos para correntes de discurso extremista e antieuropeísta – ou eurocético, conforme melhor aprouver a cada um – ou ainda a razão pela qual os dois partidos que sustentam o Governo obtiveram o pior resultado de sempre desde que o regime é democrático (com a particularidade de que o CDS provavelmente não teria eleito qualquer eurodeputado se tivesse concorrido sozinho se efectuada a devida ponderação eleitoral dos votos na coligação).
A verdade é que nada disso se passou, pois todo o foco mediático rapidamente se deslocalizou para o partido vencedor das eleições o qual, feitos os discursos de vitória, rapidamente se viu envolvido numa disputa interna do poder, normalmente mais associado a um qualquer partido que tenha perdido a disputa eleitoral.
O triste espetáculo que se seguiu e continuará a seguir-se à noite do passado Domingo teve como epicentro uma manifestação por parte do Dr. António Costa não de forma clara para liderar o partido mas de que estaria “disponível para assumir responsabilidade”, presumindo-se que uma e outra coisa queiram dizer precisamente o mesmo mas, também aqui, os políticos insistem em utilizar uma verbalização não comprometida nem comprometedora para si próprio, deixando a cada um também a disponibilidade para as interpretarem como bem entenderem.
Desta manifestação até à convicção de que estaria instalada uma espécie de “guerra interna” ou “tentativa de golpe de estado” entre as diversas facções dentro do Partido Socialista (PS) foi apenas um ápice.
Ao invés de procurar capitalizar a vitória eleitoral, o PS “conseguiu” em poucas horas auto-derrotar-se eleitoralmente, à luz de um resultado eleitoral que não sendo esmagador havia, ainda assim, sido superior ao da totalidade dos votos na direita tradicional e que, em bom rigor, atinge precisamente os mesmos resultados que, 5 anos antes, haviam dado a vitoria ao PSD – então na oposição – e a derrota ao PS – então no Governo – sem que se tenha colocado em causa a legitimidade do então candidato a Primeiro-Ministro Dr. Pedro Passos Coelho por uma vitória que naquela altura como agora não poderia ser catalogada de “histórica”.
O “comportamento” das principais figuras dentro do PS tem sido, sem que provavelmente se apercebam de tal facto, de auto-flagelação, permitindo aos seus adversários “chegar” a duas possíveis conclusões: ou o actual líder não tem “mão” no partido ou a imaturidade revelada no momento da vitória é ela própria a confirmação que o PS poderá não estar ainda em condições de regressar ao poder, isto é, de governar.
O tacitismo das facções internas e o oportunismo em causa própria de um proto-candidato, não sendo exclusivas do PS, revelam algo que é por demais evidente, a militância partidária é, antes de mais, uma soma de interesses próprios não necessariamente alinhados com a causa única dessa mesma militância, ou seja, a conquista do poder, algo que necessariamente pressupõe a luta por uma causa comum e a união à volta dessa mesma causa.
Percebe-se, desta forma, a razão pela qual as pessoas deixaram de acreditar nos políticos e começam a “desviar” os seus votos para outras forças partidárias que, podendo até não dispor de qualquer programa de governo ou estrutura militante que o suporte, baseiam precisamente o seu discurso na (pelo menos aparente) lógica contrária a tais políticos. No fundo, as pessoas preferem – e isso é perfeitamente entendível – quem, pelo menos nas palavras, lhes dedique um pouco mais da sua atenção e um pouco menos da sua própria ambição. Assim vão as cousas.