domingo, 1 de junho de 2014

Nero revisitado


Sem quaisquer “floreados” estilísticos sobre a síntese que se poderá fazer relativamente às conclusões do último acto eleitoral para o Parlamento Europeu, é minha convicção que as recções que se seguiram a esse mesmo acto justificam, num duplo sentido, todo o afastamento que se verifica entre os cidadãos e as instituições europeias e, em particular, entre tais cidadãos e os políticos que os representam.
Seria expectável que, num tal momento, as forças partidárias – nomeadamente as principais - procurassem reflectir sobre a causa da redução da sua base eleitoral numa bastante evidente “troca” de votos para correntes de discurso extremista e antieuropeísta – ou eurocético, conforme melhor aprouver a cada um – ou ainda a razão pela qual os dois partidos que sustentam o Governo obtiveram o pior resultado de sempre desde que o regime é democrático (com a particularidade de que o CDS provavelmente não teria eleito qualquer eurodeputado se tivesse concorrido sozinho se efectuada a devida ponderação eleitoral dos votos na coligação).
A verdade é que nada disso se passou, pois todo o foco mediático rapidamente se deslocalizou para o partido vencedor das eleições o qual, feitos os discursos de vitória, rapidamente se viu envolvido numa disputa interna do poder, normalmente mais associado a um qualquer partido que tenha perdido a disputa eleitoral.
O triste espetáculo que se seguiu e continuará a seguir-se à noite do passado Domingo teve como epicentro uma manifestação por parte do Dr. António Costa não de forma clara para liderar o partido mas de que estaria “disponível para assumir responsabilidade”, presumindo-se que uma e outra coisa queiram dizer precisamente o mesmo mas, também aqui, os políticos insistem em utilizar uma verbalização não comprometida nem comprometedora para si próprio, deixando a cada um também a disponibilidade para as interpretarem como bem entenderem.
Desta manifestação até à convicção de que estaria instalada uma espécie de “guerra interna” ou “tentativa de golpe de estado” entre as diversas facções dentro do Partido Socialista (PS) foi apenas um ápice.
Ao invés de procurar capitalizar a vitória eleitoral, o PS “conseguiu” em poucas horas auto-derrotar-se eleitoralmente, à luz de um resultado eleitoral que não sendo esmagador havia, ainda assim, sido superior ao da totalidade dos votos na direita tradicional e que, em bom rigor, atinge precisamente os mesmos resultados que, 5 anos antes, haviam dado a vitoria ao PSD – então na oposição – e a derrota ao PS – então no Governo – sem que se tenha colocado em causa a legitimidade do então candidato a Primeiro-Ministro Dr. Pedro Passos Coelho por uma vitória que naquela altura como agora não poderia ser catalogada de “histórica”.
O “comportamento” das principais figuras dentro do PS tem sido, sem que provavelmente se apercebam de tal facto, de auto-flagelação, permitindo aos seus adversários “chegar” a duas possíveis conclusões: ou o actual líder não tem “mão” no partido ou a imaturidade revelada no momento da vitória é ela própria a confirmação que o PS poderá não estar ainda em condições de regressar ao poder, isto é, de governar.
O tacitismo das facções internas e o oportunismo em causa própria de um proto-candidato, não sendo exclusivas do PS, revelam algo que é por demais evidente, a militância partidária é, antes de mais, uma soma de interesses próprios não necessariamente alinhados com a causa única dessa mesma militância, ou seja, a conquista do poder, algo que necessariamente pressupõe a luta por uma causa comum e a união à volta dessa mesma causa.
Percebe-se, desta forma, a razão pela qual as pessoas deixaram de acreditar nos políticos e começam a “desviar” os seus votos para outras forças partidárias que, podendo até não dispor de qualquer programa de governo ou estrutura militante que o suporte, baseiam precisamente o seu discurso na (pelo menos aparente) lógica contrária a tais políticos. No fundo, as pessoas preferem – e isso é perfeitamente entendível – quem, pelo menos nas palavras, lhes dedique um pouco mais da sua atenção e um pouco menos da sua própria ambição. Assim vão as cousas.

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