sábado, 28 de agosto de 2010

Justiça Pia

Esta minha dissertação acontece propositadamente antes do conhecimento da sentença do denominado "Processo Casa Pia" para dessa forma expressar, de forma não condicionada pela decisão que vier a ser tomada, o meu entendimento relativamente a um processo que, uma vez concluido, desde já se sabe que não dará a possibilidade a algum dos respectivos intervenientes de dizer que dele sairá satisfeito.

Confesso que nunca analisei este processo, ao contrário de muitas opiniões que tive ocasião de fixar, a partir de um pressuposto de culpabilidade implicita dos actuais arguidos ou daqueles que, tendo-o sido numa determinada fase do processo, deixaram posteriormente de o ser.

Continuo, porventura por defeito de formação, a acreditar que qualquer cidadão dever ter o direito à presunção de inocência até prova em contrário.

Ora este processo se defeito - entre muitos outros - lhe pode ser apontado será o de ter destruido por completo esta presunção, senão veja-se:

Em primeiro lugar surge um juiz até então desconhecido que, certamente imbutido de um espírito excessivamente cautelar, deu ordem de prisão a todas as pessoas que de forma directa ou indirecta passaram a estar relacionados com este processos.

Ora, qualquer pessoa, minimanente dotada de razoabilidade sabe que a aplicação da medida de coacção mais grave acarreta uma chancela de culpabilidade para o suspeito do qual jamais quebrará a respectiva penitência.

A verdade dos factos é que após os recursos a todos, sem excepção, foi revista a medida de coacção, tendo inclusivé alguns "perdido" o estatuto de arguido.

Em segundo lugar este processo passou para a opinião publica a ideia de que muitas figuras públicas, cujos rostos nos habituámos a reconhecer na politica ou nas artes, tinham uma vida dupla, cujos contornos, de tão execráveis, não se poderiam conhecer sequer na sua plenitude.

Ficámos igualmente a saber que a perversão aparenta ser uma caracteristica de esquerda, tantos foram os nomes da cupula do mesmo partido que apareciam ligados a este processo.

É talvez por aqui que este processo entra numa espiral do qual, admito, nunca venha a saír. O eventual mérito das diligências que o juiz teria efectuado até então começa a ser colocado em causa quando manifestamente aparenta ter perdido a razoabilidade e a acusar uma deriva partidária com alvos bem definidos mas com objectivos pouco claros.

Em terceiro lugar deu origem a um "passa-palavra" em que todos (ou pelo menos alguns) já teriam "visto" ou "ouvido falar" que as pessoas que agora se viam envolvidas neste processo estariam de alguma forma relacionados com a prática de actos pedófilos, consubstanciado em provas que de repente toda a gente parecia dispor mesmo que sem qualquer possibilidade da respectiva demonstração.

No fundo, todos pareciam saber do assunto, mas estranhamente nunca ninguém sobre ele falou.

Iniciado o já muito longo período de julgamento, verificamos que todos os arguidos têm procurado esgrimir - em actos a que alguns chamam de acções dilatórias - as suas razões e a sua própria verdade.

Contráriamente a algumas opiniões esse exercicio é, a meu ver, absolutamente legitimo porque naturalmente se encontra plasmado nas leis processuais vigentes. Se algo possar estar errado nisto tudo talvez sejam essas mesmas leis processuais, mas isso são outras contas.

Um advogado é pago para defender o seu constituinte da perspectiva da uma pena gravosa. Deve, por conseguinte, utilizar os expedientes legais ao seu alcance e que entenda por convenientes à defesa intransigente do seu cliente.

Por fim, gerou-se uma onda de oportunismo, em que figuras e figurões adquiriram um protagonismo inusitado, do qual muitos souberam extrair os respectivos dividendos seja pela publicação de livros, aparições sucessivas em orgão de comunicação social ou aparencendo mesmo ligados a movimentos partidários que certamente muito teriam a lucrar nas urnas de votos com algumas das condenações.

Em Setembro próximo, se nada se alterar, alguns serão condenados outros absolvidos, mas daquilo que para mim não restam duvidas é que estes ultimos jamais se livrarão da grilheta da desconfiança, que terão de carregar consigo para sempre.

E quando isto acontece então ninguém poderá jamais clamar: "fez-se justiça". Assim vão as cousas.

domingo, 22 de agosto de 2010

O homem e a sua cadeira

"O que este país precisava era de um novo Salazar". Esta é uma frase que, dita uma vez que seja, constitui um dos chavões mais hediondos que eu posso imaginar.

O país "comemora" os 40 anos da morte do ditador e porque de um ditador se tratava só consigo imaginar que alguém possa conceber tal raciocinio (se é que assim pode ser apelidado) que acima se expressa por um de dois motivos:

  • Por ignorância histórica ou,

  • Por se tratar de alguém que beneficiava directamente do regime.
Tirando isso não vislumbro qual seja o motivo pelo qual alguém nos dias de hoje possa desejar um clone da "outra senhora".

Portugal foi governado durante meio século por uma ditadura caduca, periodo durante o qual este país regrediu a olhos vistos da restante Europa Ocidental, nomeadamente no pós-guerra, quando todas os demais países floresciam no seio de regimes democráticos.

Um dos segredos de qualquer ditadura é cultivar a ignorância, porque quem não sabe ou não conhece não aprende a questionar.

Quem ousou faze-lo sofria as respectivas consequências sob a forma de prisão, tortura, deportação ou mesmo a morte. Para isso o Estado criou uma figura de autoridade denominada PIDE que, bem ao estilo das SS, garantia a manutenção de um "status quo" que impedia formalmente a contestação.

Sob o dominio das grandes familias criou-se a ideia, que passou até hoje, de uma economia de pleno emprego, feito à custa da total de total dependência, assente na ausência dos mais elementares direitos laborais ou mesmo de um regime de segurança social, cujas consequências andamos todos a pagar até agora.

Lançaram-nos, por fim, numa guerra cujo resultado final era expectável. A vontade de um povo não pode ser silenciada pela força e assim foi mais uma vez. Perdemos a guerra e comprometemos o futuro imediato dos novos países saidos da independência.

Criticamos a arrogância dos nossos lideres politicos, mas admitimos a subjugação total.

E então se nos causa repugnância - quase unânime - verificar a ausência de liberdade de expressão, de manifestação, da liberdade de voto noutros contextos geográficos, porque é que esta seria a solução dos nossos males?

Um dia ouvi um popular de Santa Comba Dão dizer, na sua genuinidade, que o único mal do Salazar foi "ter nascido". É nesta pureza e na nossa memória colectiva que devemos perspectivar o nosso presente mas sobretudo o nosso futuro. Assim vão as cousas.

domingo, 15 de agosto de 2010

O euromilhões ao Sábado

Costumo, por graça, dizer que adivinhar o euromilhões depois do sorteio é fácil, dificil mesmo é acertar antes desse mesmo sorteio. 
Se não fosse tão grave confesso que me divertiria bastante a ouvir, como habitualmente o faço, as diversas opiniões do contigente de economistas quem hoje em dia analisam de forma sistemática a actual conjuntura económica, suas motivações e soluções para a mesma.
Curioso é, contudo, verificar que antes do surgimento da crise internacional e nacional não ter sido possivel obter destes mesmos economistas uma análise que permitisse na ocasião antecipar a referida crise e, já agora, como evitá-la.
Os senhores do BCE andaram durante meses a fio a aumentar as taxas de juro para controlar os "riscos inflaccionistas" (afinal parece que a deflacção ainda é pior...).
Por essa via milhares de familias passaram a ter de suportar juros da habitação quase em dobro do que a prestação inicial (apesar dos spreads baixos). Como consequência natural deixaram de poder pagar os respectivos empréstimos e os bancos ficaram com um nivel de crédito mal parado nunca antes visto.
Por outro lado, o valor das casas, face à redução na procura, começou a descer generalizadamente facto que agravou ainda mais a situação das familias e dos próprios bancos que, após accionamento das hipotecas ficaram com imoveis de valor substancialmente inferior ao que tinham financiado.
Aprendemos então uma palavra nova: subprime.
Eu não sou economista, é certo, mas parece-me que este cenário não teria sido dificil de prever. Adiante.
O Mundo (ou parte dele) entrou então em recessão, com as consequências que todos conhecemos, sendo a maior e mais gravosa delas o galopar do desemprego.
Serenados os ânimos, os bancos, devido à sua dificuldade em financiar-se começaram a aumentar os spreads bancários, ao mesmo tempo que as taxas de juro e euribor vão igualmente subindo.
Talvez fosse importante que algum dos inumeros economistas que actualmente falam sobre estas matérias possam perspectivar que a médio prazo as familias irão confrontar-se com um problema ainda mais grave. É que aos juros altos vão somar-se os spreads altos, e não me admira que nessa altura a história se volte a repetir muito mais cedo - e de forma muito mais dolorosa - do que todos esperamos.  
Felizmente a economia é bastante menos aleatória do que o sorteio do euromilhões. Ou não será? Assim vão as cousas.

domingo, 8 de agosto de 2010

Espernear até ao fim

Durante os últimos 6 anos os portugueses tiveram ocasião de acompanhar uma novela, de nome Freeport, cujos novos episódios normalmente surgiam às sextas-feiras no jornal da noite da TVI ou semanalmente no jornal "SOL".

A ansiedade que acompanhava cada um desses momentos era evidente ora porque se faziam "revelações surpreendentes", ou porque se anunciavam "novos dados" probatórios através de documentos ou testemunhas ou - a melhor de todas - pela recolha de "novos elementos" junto de "fonte próxima do processo".

A figura incontornável e central deste processo era o Eng. José Socrates. Mas não só.

Em bom rigor era o Eng. José Socrates, boa parte da sua familia (a mãe, o tio, o primo) e um conjunto de individualidades de quem ninguém ouvira falar, mas que passaram a fazer parte do nosso boca-a-boca diário.

Paralelamente ia correndo um  processo judicial que se destinava a apurar (espero) a verdade material dos factos, punir os culpados e inocentar os inocentes.

Começou a perceber-se que a "bota não batia com a perdigota" quando de entre os nomes dos arguidos, assim foram formalmente constituidos, não constavam os suspeitos do costume, ou seja, o Eng. José Socrates e respectiva familia.

A mim, a quem sempre fez confusão a condenação pública de alguém (seja ela o Primeiro-Ministro ou não) com base em arrazoados jornalisticos dispersos mas compostos de maneira a parecerem peças processuais coerentes, pareceu-me desde logo no minimo estranho que perante as "evidências" com que os dois orgãos de comunicação atrás referidos nos contemplavam que (aparentemente) nenhuma servisse para acusar (e mais tarde condenar) o Eng. José Socrates.

Vem agora o Ministério Público acusar formalmente duas personagens - as tais de quem nunca se ouvira falar - deixando de fora todos os demais arguidos.

Seria expectável que desta forma o assunto seguisse os seus trâmites deixando de fora quem, face à prova produzida, não terá formalmente - pelo menos na perspectiva judicial - nada a ver com o processo.

Aparentemente, contudo, que não é bem assim. Parece que os 6 anos de processo não foram suficientes para colocar 27 questões ao Eng. José Socrates. Há que reacender uma chama que se apagava.

Parece-me que do desfecho deste processo podem extrair-se duas conclusões possíveis:

Ou as respostas às questões eram essenciais para o processo e deveriam ter sido levadas a cabo as iniciativas formais necessárias à obtenção das respostas às referidas questões e então podemos questionar a competência (ou a falta dela) de quem conduziu o processo, ou então a relevância desses esclarecimentos não era fundamental para a condução do processo e então dificilmente se compreende (ou se aceita) a necessidade referência à suposta "falta de tempo".

Pressões politica, dirão uns, perseguição politica, dirão outros.

Eu, naturalmente, tenho também as minhas dúvidas, mas quando ouço os senhores dos Sindicatos ligados à justiça, começo logo a perde-las... Assim vão as cousas.

domingo, 1 de agosto de 2010

A linha do horizonte

Todos os anos somos colocados perante algumas realidades que lamentavelmente parecemos não querer olhar friamente para as suas causas escudando-nos ao invés em justificativos que mais não fazem do que esconder a realidade e adiar a solução para os problemas.
Poderia escolher certamente um conjunto vasto de exemplos, mas irei referir-me apenas a três: os fogos de verão, os acidentes da estrada e as mortes nas praias.
Existem uma coincidência comum entre os exemplos escolhidos. Falo, naturalmente, da incuria.
Decorrente desta surge a incapacidade de aceitar esta mais do que óbvia realidade.
Tem sido demasiado fácil atribuir as culpas a factores exógenos a essa mesma incuria, seja pela argumento da falta de limpeza das matas, pela deficiência de construção das estradas ou ainda por falta de vigilância nas praias.
Mas serão mesmo estes os motivos?
A devastação provocada pelos fogos é em primeiro lugar provocado pelo acto negligente de atirar pontas de cigarro pela janela, pela falta de asseio durante os lanches, pelas queimadas fora de época e sem qualquer controlo das respectivas contiguidades ou, naturalmente, pelo crime de fogo posto. Tudo o resto é o lastro que a natureza precisa para o desastre.
Portugal tem hoje uma rede viária substancialmente melhor do que tinha à 10 ou 15 anos. Será um problema de concepção de curvas que levou à morte de 7 jovens numa viatura com capacidade para apenas 2 ocupantes? Será um problema de largura de estrada que leva a ultrapassagens por cima de traço continuo ou ainda que se circule com frequência acima do limite de velocidade, condução sob o efeito de alcool, etc, etc, etc? Morre-se mais em acidentes de viação em Portugal do que em certas guerras.
A época balnear tem periodos definidos em função do calendário das estações, nomeadamente aquela em que previligiadamente as pessoas acorrem à praia. Será possivel justificar que alguém que não sabe nadar entre no mar em praia não vigiada, com a bandeira vermelha ou com em plena digestão?
NÃO, mil vezes NÃO.
No entanto, o que parece óbvio para todos, continua ano após ano a repetir-se.
E porquê? Porque embora no fundo todos tenhamos a convicção de saber exactamente isto, achamos que não se trata de um problema nosso e, hipocritamente, alijamos as nossas próprias culpas sobre os outros.
Ou passamos a ter a capacidade de olhar mais além do que os nossos próprios pés ou continuaremos no futuro a falar do mesmo. Assim vão as cousas.