Esta minha dissertação acontece propositadamente antes do conhecimento da sentença do denominado "Processo Casa Pia" para dessa forma expressar, de forma não condicionada pela decisão que vier a ser tomada, o meu entendimento relativamente a um processo que, uma vez concluido, desde já se sabe que não dará a possibilidade a algum dos respectivos intervenientes de dizer que dele sairá satisfeito.
Confesso que nunca analisei este processo, ao contrário de muitas opiniões que tive ocasião de fixar, a partir de um pressuposto de culpabilidade implicita dos actuais arguidos ou daqueles que, tendo-o sido numa determinada fase do processo, deixaram posteriormente de o ser.
Continuo, porventura por defeito de formação, a acreditar que qualquer cidadão dever ter o direito à presunção de inocência até prova em contrário.
Ora este processo se defeito - entre muitos outros - lhe pode ser apontado será o de ter destruido por completo esta presunção, senão veja-se:
Em primeiro lugar surge um juiz até então desconhecido que, certamente imbutido de um espírito excessivamente cautelar, deu ordem de prisão a todas as pessoas que de forma directa ou indirecta passaram a estar relacionados com este processos.
Ora, qualquer pessoa, minimanente dotada de razoabilidade sabe que a aplicação da medida de coacção mais grave acarreta uma chancela de culpabilidade para o suspeito do qual jamais quebrará a respectiva penitência.
A verdade dos factos é que após os recursos a todos, sem excepção, foi revista a medida de coacção, tendo inclusivé alguns "perdido" o estatuto de arguido.
Em segundo lugar este processo passou para a opinião publica a ideia de que muitas figuras públicas, cujos rostos nos habituámos a reconhecer na politica ou nas artes, tinham uma vida dupla, cujos contornos, de tão execráveis, não se poderiam conhecer sequer na sua plenitude.
Ficámos igualmente a saber que a perversão aparenta ser uma caracteristica de esquerda, tantos foram os nomes da cupula do mesmo partido que apareciam ligados a este processo.
É talvez por aqui que este processo entra numa espiral do qual, admito, nunca venha a saír. O eventual mérito das diligências que o juiz teria efectuado até então começa a ser colocado em causa quando manifestamente aparenta ter perdido a razoabilidade e a acusar uma deriva partidária com alvos bem definidos mas com objectivos pouco claros.
Em terceiro lugar deu origem a um "passa-palavra" em que todos (ou pelo menos alguns) já teriam "visto" ou "ouvido falar" que as pessoas que agora se viam envolvidas neste processo estariam de alguma forma relacionados com a prática de actos pedófilos, consubstanciado em provas que de repente toda a gente parecia dispor mesmo que sem qualquer possibilidade da respectiva demonstração.
No fundo, todos pareciam saber do assunto, mas estranhamente nunca ninguém sobre ele falou.
Iniciado o já muito longo período de julgamento, verificamos que todos os arguidos têm procurado esgrimir - em actos a que alguns chamam de acções dilatórias - as suas razões e a sua própria verdade.
Um advogado é pago para defender o seu constituinte da perspectiva da uma pena gravosa. Deve, por conseguinte, utilizar os expedientes legais ao seu alcance e que entenda por convenientes à defesa intransigente do seu cliente.
Por fim, gerou-se uma onda de oportunismo, em que figuras e figurões adquiriram um protagonismo inusitado, do qual muitos souberam extrair os respectivos dividendos seja pela publicação de livros, aparições sucessivas em orgão de comunicação social ou aparencendo mesmo ligados a movimentos partidários que certamente muito teriam a lucrar nas urnas de votos com algumas das condenações.
Em Setembro próximo, se nada se alterar, alguns serão condenados outros absolvidos, mas daquilo que para mim não restam duvidas é que estes ultimos jamais se livrarão da grilheta da desconfiança, que terão de carregar consigo para sempre.
E quando isto acontece então ninguém poderá jamais clamar: "fez-se justiça". Assim vão as cousas.