quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Roteiros - Setúbal aqui tão perto

Dando cumprimento à promessa de, volta e meia, deixar fugir o roteiro para fora da cidade de Lisboa sem, contudo, tanto dela nos afastarmos ao ponto de "obrigar" a pernoitar em tal local, seguimos agora até Setúbal, terra banhada pelo rio Sado do qual se separa em pleno oceano, tendo a península de Troia de um lado e a serra da Arrábida do outro.

Ora é precisamente em plena serra da Arrábida que se situa um dos locais mais enigmáticos para muita gente tal como o era para mim próprio, por se tratar de um local que quase todos conhecem ao longe a partir do miradouro do qual se vislumbra todo o espaço que a que me refiro, mas que poucos conhecerão por dentro.


Refiro-me ao convento da Arrábida e a razão pela qual este local místico parece inacessível a quem por ali passa reside no facto de se encontrar sempre fechado.


Por isso mesmo o "processo" de visita requere uma preparação prévia que pode revelar-se um pouco surreal.


Oficialmente o convento da Arrábida pertence à fundação Oriente e, à partida, será através do respectivo site que se procede à marcação das visitas guiadas ao local. Contudo, rapidamente se percebe que "não oficialmente" parece haver um outro "dono" do espaço, uma figura de carne e osso, por sinal a única pessoa que há vários anos habita em total isolamento o espaço do convento, como tantos outros, ainda que usando a vestimenta de monges, o fizeram.


A verdade é que parece nada ser possível fazer no que à visita diz respeito sem que tenha de passar pelo referido curioso monge dos tempos modernos, podendo mesmo revelar-se uma experiência desagradável ter de "aturar" os tiques acumulados ao longo dos anos que acentuam a ideia de que o verdadeiro dono é ele próprio é, nessa medida, há que se comportar de acordo com os ditames que o próprio determina no que à visita diz respeito.



Com tal enquadramento o melhor mesmo é arranjar um grupo considerável de amigos ou familiares
que nos acompanhem aproveitando dessa forma a "benesse" de, durante uma hora e pouco, termos a possibilidade de aceder ao espaço do convento.

A verdade é que vale bem a pena fazê-lo e sempre fica qualquer coisa para contar mais tarde.


Desde logo o enquadramento sobre o mar é absolutamente deslumbrante acrescendo a este facto uma percepção sobre as condições de vida de quem ali "habitou" em tempos idos, destacando-se em particular a capela mas, sobretudo uma enigmática estátua em posição de cruz de São Francisco, repleta de simbologia própria desta ordem religiosa.

O resto é fundamentalmente composto pelos espaços de reclusão dos monges por entre uma labiríntica escadaria, destacando-se a cor branca das paredes, aquela que mais se destaca a quem de longe aprecia a vista sobre o conjunto arquitetónico do convento.

Terminada a visita a este belíssimo espaço é tempo de rumar à cidade através das serpenteantes estradas da serra da Arrábida, sempre ladeadas pela luxuriante vegetação típica da região e por outro pela profundas encostas que invariavelmente terminam em belas praias que banham a serra ou sobre um mar que, visto dali, parece ser infinito.

É aí, na cidade, que vamos encontrar outros dois locais cuja visita será obrigatória ou, pelo menos, recomendável.

O primeiro desses locais corresponde ao Museu do Trabalho Michel Giacometti, um daqueles estrangeiros a quem Portugal muito deve, ainda que essa consciência seja hoje bem mais real do que durante a vida desta personagem que se apaixonou por este país ao ponto de ter dedicado boa parte da sua vida à pesquisa etnográfica de gentes, tradições, profissões e, com especial relevo, uma recolha sonora dos sons desta terra, património imaterial de Portugal, cuja reprodução nos dias de hoje é praticamente impossível por ter deixado de ser herdada entre as sucessivas gerações, razão pela qual ouvir entoar certos cantares equivale quase a ver imagens passadas de um qualquer animal extinto.


Por isso mesmo este interessante museu herdou o nome de Michel Giacometti, e nele é possível encontrar referências às raízes piscatórias e da industria do peixe de Setúbal, mas igualmente ao comércio local, com representações de lojas, artes e ofícios locais.

Este é um local especialmente focado no ensino de diversas artes e ofícios desaparecidos (ou a caminho de tal....)  e, por isso mesmo, é não raras vezes visitado por escolas da região.

E se este roteiro começou por um convento assim há-de terminar noutro, de características e traços bem distintos e sem necessidade de marcação prévia ou de nos submeter ao Ius Imperium do seu improvável "guardador".

Este convento, de Jesus de seu nome é, em bom rigor, um duplo local de visita, por se tratar simultaneamente de uma igreja que, claro está, "responde" pelo mesmo nome.

Sempre me habituei a passar por este local e tristemente constatar que quase sempre se encontrava encerrado, situação a que não seria indiferente o estado de conservação exterior que se presume fosse replicado para o interior.

E era de facto uma pena porque a traça arquitetónica vincadamente Manuelina traz-nos à imagem qualquer coisa que é possível vislumbrar noutros locais de relevância histórica incontornável, desde logo a Torre de Belém ou o Mosteiro dos Jerónimos, ou ainda o convento de Cristo em Tomar e o Mosteiro da Batalha, ainda que com uma dimensão consideravelmente mais modesta.

Aberta a porta anteriormente franqueada e recuperado o seu esplendor a Igreja e Convento de Jesus em Setúbal são dois espaços imperdíveis, sendo que a parte do convento encerra um núcleo museológico bastante interessante, incluindo peças que existiam na Igreja e convento original, embora se note que ainda exista no seu interior uma vasta área para "explorar", isto é, sem qualquer uso ou finalidade percetível.


Roteiro sem gastronomia não é roteiro, algo que não se apresenta como tarefa fácil em Setúbal tão grande é a variedade e a qualidade da oferta.


Mas como a vida é feita quase sempre de escolhas então que assim se conserve e, por isso mesmo, se a escolha for pelo peixe fresco então o pequeno restaurante O Batareo, situado na entrada sul da cidade é a escolha ideal, se a opção recair pelo prato "tradicional" de Setúbal, o famoso choco frito, então no extremo oposto, mesmo à entrada da serra da Arrábida, podemos encontrar e escolher sem receios o restaurante Leo do Petisco, se bem que a probabilidade de existirem longas filas de espera seja altamente provável se a hora do repasto coincidir com aquela que habitualmente o comum dos mortais entendeu designar de "hora de almoço" ou "hora de jantar".


A qualidade da opção justifica, ainda assim, a espera.


Os roteiros hão-de continuar em 2017.