domingo, 26 de dezembro de 2010

Maioria de razão

Ao tentar perceber em que país da EU existirão governos de minoria, chego à conclusão que Portugal caminha de forma praticamente isolada relativamente aos nossos parceiros europeus.

Não existe nenhum governo que não resulte de uma maioria absoluta conquistada nas urnas ou de uma coligação mais ou menos “lógica” (de direita, de esquerda, etc).

Quando olho para a constituição do novo governo inglês constato que o mesmo surge da improvável coligação entre conservadores e liberais.

Qual o motivo para este facto? Simplesmente o de assegurar a estabilidade governativa.

Portugal é, aparentemente, o único país que não carece de tal preocupação, em que a lógica do “alegremente sós” parece continuar a fazer escola em prejuízo do próprio interesse nacional (o que quer que isto signifique).

Parece ser tudo uma questão de convicções ou de fases. Os portugueses tão depressa “dão” uma maioria absoluta a um dos dois principais partidos pela necessidade de estabilidade governativa como a retiram na primeira oportunidade invocando que um governo maioritário é a imagem do autoritarismo ou a expressão de um poder “autista”.

O problema é que, na minha opinião, as maiorias absolutas não são normalmente conquistadas fruto de uma verdadeira convicção de que o partido eleito seja a melhor solução para o país, mas sim de um manifesto de reprovação às políticas do governo anterior.

Ou seja, vota-se mais pela negativa do que pela positiva. Quando assim é não é difícil chegar a situações de governos minoritários.

Neste contexto deveria ser possível imaginar que o partido eleito tenta-se chegar a acordo com um qualquer outro partido que lhe assegurasse a estabilidade governativa por um lado e a prossecução das suas principais linhas de governação, ainda que com naturais cedências e atribuição de lugares de governo.

O problema é que não é isso que se passa a maior parte das vezes, fruto dos egocentrismos partidários, levando a que a acção governativa esteja de forma permanente sob a “ameaça” da moção de censura ou, conforme já foi visto por cá, a acordos pontuais de carácter mais ou menos questionável, se nos recordarmos dos “orçamentos do queijo”.

Se um governo é eleito para governar com o seu programa de governo e não com os programas da oposição seria lógico que o sistema político pudesse de alguma forma assegurar a estabilidade governativa ao invés de criar condições para o processo inverso.

Por tudo isto sempre defendi uma alteração da lei eleitoral, com a criação de um modelo do qual resulte obrigatoriamente um governo de maioria absoluta. É que bem vistas as coisas, face ao que temos assistido nos últimos tempos e no pior dos contextos, Portugal é ingovernável com um governo minoritário.

Se tiver de escolher entre dois males, escolherei sempre o mal menor, isto é, se a estabilidade governativa tiver como consequência a bipolarização partidária, então que assim seja.

A maior parte dos agentes políticos também saberão disto, mas a resistência à mudança de que falei numa outra dissertação fala sempre mais alto, nem que para isso se sacrifiquem valores que não deveriam ser questionados.
Um dia, porém, lá chegaremos. Apenas mais tarde do que todos os outros e de forma mais dolorosa. Assim vão as cousas.

Post-scriptum: Já depois de concluida esta dissertação veio a saber-se que PSD e CDS entabularam uma espécie de "coligação de oposição". Será necessário dizer mais alguma coisa?

Roteiros (14)

Mérida

Cinefilia (14)

O Silêncio dos Inocentes (1991)

Melomania (14)

Luís de Freitas Branco "Vathek"

Feira do Livro (14)

"A Arte do Romance" de Milan Kundera

domingo, 19 de dezembro de 2010

Wikiworld

Que o mundo está podre, já todos os sabíamos de uma forma ou de outra. A dimensão dessa podridão é que não era facilmente perceptível.

O tema do momento é, certamente, a catadupa de revelações que o site Wikileaks tem vindo a promover, fruto do acesso a fontes que não hesito em considerar como “próximas do processo”.

Confesso os meus sentimentos mistos relativamente a este fenómeno global – expressão que ganha cada vez mais significado – na medida em que não consigo deixar de entender que se é entendivel que a verdade dos factos deve ser conhecida, não ignoro, por outro lado, que nem todos os meios justificam os seus fins.

De anarquista a terrorista, passando por falso jornalista ou mesmo arauto da liberdade tenho ouvido e lido de tudo um pouco sobre o fundador deste site, a quem antevejo aliás um triste fim.

A questão a meu ver é que não é de todo possível compreender quais são efectivamente as motivações deste site e do seu fundador, para além daquelas que ele próprio certamente anunciará, mas parecem-me bem mais perceptíveis quais sejam as motivações de quem “promove” as fugas de informação.

É precisamente neste facto que me parece que tudo isto é demasiado opaco para se perceberem as reais motivações do Sr. Assange.

De uma coisa não duvido: por detrás da opacidade, atrás referida, estará muito, mas mesmo muito, dinheiro (aquilo que, no essencial, continua a fazer girar o Mundo).

Se imaginarmos a controvérsia que foi em tempos a questão da fugas no “segredo de justiça” em Portugal talvez seja, porventura, mais fácil perceber que o que fundamentalmente conduz às relevações do Wikileaks é uma violação massiva dos mais elementares direitos à salvaguarda das relações diplomáticas entre os Estados (mesmo que de base frágil).

Não é aceitável que à luz de um princípio de colocar a nu as mais do que evidentes fragilidades dos relacionamentos entre as diversas Nações se possa - no limite - derivar para eventuais situações de conflito aberto, cujos resultados práticos serão certamente desproporcionados face às suas motivações.

Por outro lado, o que se tem verificado é precisamente o efeito oposto ao que pretensamente se teria pretendido, isto é, de tanto “disparar” em todas as frentes “conseguiram” vulgarizar o assunto, não obtendo mais do que reacções circunstanciais e pouco “acaloradas” de negação dos factos.

Nos últimos dias surgiram novos dados que, a meu ver, irão contribuir para a machadada final neste assunto.

Por um lado o Sr. Assange foi preso (e entretanto libertado) acusado de um crime sexual. Era previsível. Como não se apanha o homem pelos factos que se gostaria, usam-se todos os outros expedientes disponíveis, ainda que não pretenda desta forma iliba-lo da eventual culpabilidade nos factos que lhe são imputados.

Por outro lado, estas notícias começaram a ser divulgadas pelos jornais de diversos países (vide o caso do “El País”), facto que entendo que em nada contribuirá para uma correcta interpretação dos elementos noticiosos, uma vez que forçosamente os factos serão truncados de forma mais ou menos coerente, mas não necessariamente fiel ao original.

Parece-me ainda assim que Portugal será aquele que andará mais “entretido” com este tema. Deve ser por falta de assunto. Assim vão as cousas.

Roteiros (13)

Paris (1998)

Cinefilia (13)

Adeus minha Concubina (1993)

Melomania (13)

Carl Orff "Carmina Burana"

Feira do Livro (13)

"De Produndis, Valsa Lenta" de José Cardoso Pires

domingo, 12 de dezembro de 2010

A estratégia das abelhas

Uma das minhas referências profissionais costume dizer que quando de alguém se diz ser "boa pessoa" será porque nada mais há a dizer sobre ela.

Devo dizer que não subscrevo na integra este pensamento, mas gostaria de pegar no mesmo para lembrar aqui o papel da ex-ministra da educação, a Dra. Maria de Lurdes Rodrigues, por se tratar de alguém que a meu ver foi injustamente penalizada pela sua personalidade, normalmente pouco dada a sorrisos, isto é, pouco "simpática".

Vem este tema a propósito de um estudo recente da OCDE que – pasme-se – vem tornar públicas as melhorias verificadas ao nível do ensino em Portugal.

Ora, pegando nas palavras iniciais desta dissertação, é minha convicção que na base das referidas melhorias está a acção decisiva desta ex-ministra que procedeu às mais sérias e decisivas reformas do sector da educação desde o 25 de Abril.

Sem querer ser exaustivo ou de alguma forma fazer passar a ideia que possuo algum mandato para fazer a defesa da honra da Dra. Maria de Lurdes Rodrigues (o que naturalmente não é o caso), recordo-me de algumas iniciativas que terão contribuído de forma decisiva para as conclusões do relatório da OCDE.

Introduziu as denominadas actividades de enriquecimento curricular, passando a ocupar o tempo das crianças nas escolas em matérias de índole educativa, obstando a que estas mesmas crianças passassem o seu tempo em casa, em áreas de ocupação dos tempos livres ou, como não seria raro, na rua à espera do regresso dos pais...

Iniciou o processo de encerramento de escolas no 1.º ciclo, medida inicialmente muito criticada (como aliás é apanágio deste nosso povo), mas hoje aceite de forma quase unânime, promovendo o combate à desertificação escolar.

Promoveu o alargamento dos cursos profissionais no ensino secundário retomando uma das boas práticas de ensino caídas no esquecimento após a revolução de Abril.

Desenvolveu o programa Novas Oportunidades o qual, configurando um programa de cariz assumidamente politico, devolvendo um conjunto de expectativas profissionais a quem, no passado por falta dessas mesmas oportunidades, deixou de as poder ter.

Incluiu o ensino do inglês no 1º ciclo, criou o conceito de aulas de substituição e promoveu o alargamento do ensino pré-escolar público.

Foram bastante polémicas as alterações introduzidas durante o seu mandato no estatuto da carreira docente e na avaliação de desempenho dos professores, alterações estas que mais não fazem do que introduzir a méritocracia onde anteriormente havia a progressão automática independentemente desse mesmo mérito e competências.

O ataque cerrado dos sindicatos, liderados por um corporativista com uma boa dose de capacidade de gestão da classe, criou um desgaste da imagem Dra. Maria de Lurdes Rodrigues na opinião pública, situação da qual não mais se recompôs.

Foi por aqui e no facto de que qualquer reforma só tem visibilidade prática decorridos alguns anos após a sua implementação, que o seu tempo se esgotou.

Durante um mandato inteiro (coisa rara neste ministério) foram tomadas medidas que irão perdurar muito para além da própria ministra e, estou em crer, não serão sequer questionadas por qualquer outro ministro que venha no futuro a surgir vindo de um espectro partidário diferente do actual.

O Estado neste, como noutros casos, foi mais uma vez a face visível da incapacidade em promover a competência cedendo aos interesses da mais básica popularidade politica.

Hoje temos uma ministra da educação de reconhecida simpatia. Mas por agora só posso mesmo dela dizer que é boa pessoa. Assim vão as cousas.






Roteiros (12)

Lan Nah Bay – Tailândia (2000)

Cinefilia (12)

A Valsa com Bashir (2008)

Melomania (12)

Gyorgy Ligeti "Requiem"

Feira do Livro (12)

"A Morte de Ivan Ilitch" de Lev Tolstoi

domingo, 5 de dezembro de 2010

Cinefilia (11)

O Estranho Mundo de Jack (1993)

Melomania (11)


Giovanni Battista Pergolesi "Stabat Mater"

Feira do Livro (11)

"Pura Anarquia" de Woody Allen

Roteiros (11)

Innsbruck (2006)

Morrer em paz

O mês de Dezembro anuncia o início das festividades associadas à natividade, mas marca igualmente a evocação de um tema renovadamente trazido à colação nesta mesma ocasião relacionado com o denominado “Processo Camarate”.

Devo confessar que este processo causou-me durante largos anos a sensação de que estaríamos perante um caso flagrante de incapacidade de demonstração de uma causa que muitos gostariam que ficasse inequivocamente demonstrada em nome da “verdade”.

No fundo, existe um conjunto de pessoas que defende há vários anos a teoria do atentado não obstante não ter sido possível em mais de duas décadas a prova material de tal facto, devido a uma espécie de “processo JFK” à portuguesa, ou seja, com base na convicção que alguém terá impedido sistematicamente – por motivos ocultos – a demonstração inequívoca da tese do atentado.

Desde esse fatídico dia 4 de Dezembro de 1980 e não obstante os processos de inquérito, comissões parlamentares (oito ao todo) e um sem numero de contributos para a apuramento da verdade dos fatos, não foi possível estabelecer qualquer conexão entre os factos conhecidos e supostamente provados e a “verdade” em que muitos insistem.

Então, qual é o motivo para que 30 anos depois se continue a procurar retomar este tema, sugerindo-se novos elementos de prova, propondo-se novas comissões, reaberturas de processo, etc.

A meu ver, a realidade é que o “Processo Camarate” tornou-se uma excelente fonte de rendimentos e a demonstração clara de tal suposição é que este assunto é omisso da “ementa” dos portugueses durante todo o ano para ressurgir no mês de Dezembro pela ocasião do lançamento de mais algumas páginas em forma de livro, mesmo a jeito do Natal que se aproxima.

Se a verdade – seja ela qual for – vier a ser determinada para além de qualquer dúvida, cessam as teorias e as fabulações que ao longo dos anos se procurou demonstrar aquilo que pelos vistos ninguém consegue provar.

Há 30 anos atrás era demasiado novo para formar teorias, hoje – porventura de forma ainda ingénua – pergunto-me: não terá sido apenas um acidente? Assim vão as cousas.