De forma mais
ou menos repentina, os olhos dos europeus em geral e dos estados-membros da EU
actualmente objecto de intervenção externa por parte da “famosa” troika do FMI,
BCE e Comissão Europeia, voltaram-se para um território situado a meio caminho
entre o Reino Unido e a Gronelândia.
Esta terra
ancestral, onde outrora habitaram guerreiros vikings, e que é em grande parte
constituída por lagos e glaciares, para além dos célebres vulcões que conseguem
parar um continente inteiro, dá pelo nome de Islândia.
Entre outros
“títulos” de que este território
- que não tem mais de 320.000 habitantes - se podia orgulhar, consta
o de sétimo país mais produtivo do mundo em 2008 (PIB per
capita) e o quinto mais produtivo do globo em termos de poder de compra ou
ainda o 5º classificado no Índice de Liberdade Económica em 2006 e o primeiro lugar
no Índice de Desenvolvimento Humano em 2007 e 2008, sendo também considerado um
dos países mais igualitários deste Planeta.
No entanto,
toda esta realidade escondia uma outra bastante menos dada a prémios de mérito
e que haveria de ser conhecida, para não variar, no ano 2008, com a “explosão”
em todo o seu esplendor, da crise económica, nomeadamente fruto de uma exposição
da divida da banca islandesa que, segundo consta, seria 6 a 10 vezes superior
ao PIB da Islândia, o que levou a inevitável falência desses mesmos bancos e,
por arrastamento, do próprio país.
Tal como se
verificou posteriormente com outros estados deste mesmo continente, a Islândia
viu-se forçada a recorrer a um pacote de resgate junto dos “credores do
costume”.
Contudo, o
“exemplo islandês” termina por aqui no que toca à comparação possível com os
referidos países intervencionados.
Assim sendo e
para além da desvalorização da própria moeda – algo que os países da zona Euro
estão por inerência impedidos de fazer – os islandeses trataram de “correr” com
o Governo neoliberal que havia “permitido” tal desvario económico, levando inclusive
o anterior Primeiro-Ministro a sentar-se no banco dos réus (coisa rara e nunca
vista noutros quadrantes), ou ainda do Governador do Banco Central e dos
respectivos assessores.
Não obstante
este enquadramento, o novo Governo Islandês haveria de assumir o compromisso do pagamento da gigantesca dívida ainda que, também neste particular, com
nuances perfeitamente evidentes relativamente a tudo aquilo que temos vindo a
presenciar noutras “paragens”, nomeadamente pela recusa em tornar os cidadãos
islandeses responsáveis pelo pagamento da divida bancária, facto que seria
confirmado quase por unanimidade em referendo efectuado para o efeito.
Desta forma, o
reconhecidamente competente estado social dos países nórdicos, incluindo naturalmente
a Islândia, manteve-se intacto e, 33 meses depois do resgate financeiro o país
passou da
bancarrota à recuperação, com um crescimento do PIB estimado
para este ano de 2,4%, em total “desalinho” com a média europeia que prevê uma
contracção de 0.3%.
Ao mesmo tempo
o desemprego, que havia “disparado” inicialmente, foi sendo sucessivamente
reduzido até aos actuais 4,8%, retomando-se a valorização da moeda, o aumento
da exportações e, algo que actualmente parece pouco relevante, aumentando igualmente as importações, o que não tem outro indicador que não seja de reflectir
o aumento consumo e do rendimento disponível das famílias.
Tudo isto
porque, aparentemente, este país demograficamente irrelevante “conseguiu” impor a inversão do
ónus da responsabilidade pelas perdas aos respectivos credores, ao invés de o
fazer por via de políticas de austeridade que, por exemplo, levam a que 80% do
esforço da consolidação na proposta de Orçamento de Estado português para 2013 seja do lado da receita, ou seja, do esforço fiscal de quem menos contribuiu para a actual
situação.
O paradigma de
tudo isto é que grande parte dos elogios ao comportamento da economia islandesa
subsequente ao respectivo pedido de ajuda financeira tem partido das estruturas
do FMI, isto é, precisamente os mesmos que têm vindo a negociar pacotes de
resgate que incidem quase exclusivamente nas chamadas políticas de austeridade
que, ao invés de resultarem em crescimento dos Estados intervencionados e do
respectivo emprego, têm precisamente tido o efeito contrário, com consequências que estão
longe de ser conhecidas
Contudo, de acordo com a
minha percepção a principal diferença entre o “processo”
Islandês e os demais residiu na capacidade de um povo em
discernir entre a vontade de se reerguer conduzindo o seu próprio destino ou
vergar-se aos ditames daqueles que aparentemente mais têm a ganhar com o nosso
próprio fracasso. Assim vão as cousas.