domingo, 25 de novembro de 2012

Cubo de gelo

De forma mais ou menos repentina, os olhos dos europeus em geral e dos estados-membros da EU actualmente objecto de intervenção externa por parte da “famosa” troika do FMI, BCE e Comissão Europeia, voltaram-se para um território situado a meio caminho entre o Reino Unido e a Gronelândia.

Esta terra ancestral, onde outrora habitaram guerreiros vikings, e que é em grande parte constituída por lagos e glaciares, para além dos célebres vulcões que conseguem parar um continente inteiro, dá pelo nome de Islândia.

Entre outros “títulos” de que este território - que não tem mais de 320.000 habitantes - se podia orgulhar, consta o de sétimo país mais produtivo do mundo em 2008 (PIB per capita) e o quinto mais produtivo do globo em termos de poder de compra ou ainda o 5º classificado no Índice de Liberdade Económica em 2006 e o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano em 2007 e 2008, sendo também considerado um dos países mais igualitários deste Planeta.

No entanto, toda esta realidade escondia uma outra bastante menos dada a prémios de mérito e que haveria de ser conhecida, para não variar, no ano 2008, com a “explosão” em todo o seu esplendor, da crise económica, nomeadamente fruto de uma exposição da divida da banca islandesa que, segundo consta, seria 6 a 10 vezes superior ao PIB da Islândia, o que levou a inevitável falência desses mesmos bancos e, por arrastamento, do próprio país.

Tal como se verificou posteriormente com outros estados deste mesmo continente, a Islândia viu-se forçada a recorrer a um pacote de resgate junto dos “credores do costume”.

Contudo, o “exemplo islandês” termina por aqui no que toca à comparação possível com os referidos países intervencionados.

Assim sendo e para além da desvalorização da própria moeda – algo que os países da zona Euro estão por inerência impedidos de fazer – os islandeses trataram de “correr” com o Governo neoliberal que havia “permitido” tal desvario económico, levando inclusive o anterior Primeiro-Ministro a sentar-se no banco dos réus (coisa rara e nunca vista noutros quadrantes), ou ainda do Governador do Banco Central e dos respectivos assessores.

Não obstante este enquadramento, o novo Governo Islandês haveria de assumir o compromisso do pagamento da gigantesca dívida ainda que, também neste particular, com nuances perfeitamente evidentes relativamente a tudo aquilo que temos vindo a presenciar noutras “paragens”, nomeadamente pela recusa em tornar os cidadãos islandeses responsáveis pelo pagamento da divida bancária, facto que seria confirmado quase por unanimidade em referendo efectuado para o efeito.

Desta forma, o reconhecidamente competente estado social dos países nórdicos, incluindo naturalmente a Islândia, manteve-se intacto e, 33 meses depois do resgate financeiro o país passou da bancarrota à recuperação, com um crescimento do PIB estimado para este ano de 2,4%, em total “desalinho” com a média europeia que prevê uma contracção de 0.3%.

Ao mesmo tempo o desemprego, que havia “disparado” inicialmente, foi sendo sucessivamente reduzido até aos actuais 4,8%, retomando-se a valorização da moeda, o aumento da exportações e, algo que actualmente parece pouco relevante, aumentando igualmente as importações, o que não tem outro indicador que não seja de reflectir o aumento consumo e do rendimento disponível das famílias.

Tudo isto porque, aparentemente, este país demograficamente irrelevante “conseguiu” impor a inversão do ónus da responsabilidade pelas perdas aos respectivos credores, ao invés de o fazer por via de políticas de austeridade que, por exemplo, levam a que 80% do esforço da consolidação na proposta de Orçamento de Estado português para 2013 seja do lado da receita, ou seja, do esforço fiscal de quem menos contribuiu para a actual situação.

O paradigma de tudo isto é que grande parte dos elogios ao comportamento da economia islandesa subsequente ao respectivo pedido de ajuda financeira tem partido das estruturas do FMI, isto é, precisamente os mesmos que têm vindo a negociar pacotes de resgate que incidem quase exclusivamente nas chamadas políticas de austeridade que, ao invés de resultarem em crescimento dos Estados intervencionados e do respectivo emprego, têm precisamente tido o efeito contrário, com consequências que estão longe de ser conhecidas

Contudo, de acordo com a minha percepção a principal diferença entre o “processo” Islandês e os demais residiu na capacidade de um povo em discernir entre a vontade de se reerguer conduzindo o seu próprio destino ou vergar-se aos ditames daqueles que aparentemente mais têm a ganhar com o nosso próprio fracasso. Assim vão as cousas.

Sem comentários:

Enviar um comentário