No âmbito das políticas
de recuperação económica do país, o Governo definiu a necessidade do fim de
pelo menos quatro feriados.
Ora,
sabendo-se que os feriados se dividem equitativamente entre aqueles que são de
natureza civil e os demais de índole religiosa, surgiu naturalmente a ideia de
partilhar da mesma forma o “sacrifício” - a bem da nação - de “deixar cair” em
partes iguais um total de 4 datas correspondentes a feriados nacionais.
O
Governo, como não podia deixar de ser, apressou-se logo a avançar com as suas
próprias sugestões de eliminar o feriado do 5 de Outubro e o de 1º de Dezembro,
para além de ter “avisado” os portugueses praticamente de véspera que o feriado
“tradicional” do Carnaval também não teria lugar no calendário de 2012.
Já
do lado da Igreja a coisa não tem sido fácil, face aos mecanismos internos
decisórios subjacente a uma decisão de tão grande importância e que no caso
vertente previa a supressão dos feriados do “Corpo de Deus” (feriado “móvel”
celebrado em Junho) e da “Assunção de Maria” (a 15 de Agosto).
Independentemente
da convicção de que num Estado laico a existência de feriados de natureza
religiosa são, porventura, em si mesmo uma contradição com tal princípio
constitucional e uma situação de “privilégio” face a outras confissões
religiosas, a verdade é que a principal “dificuldade” revelada pela Igreja
quanto à decisão a tomar se prende com uma situação muito concreta.
A
questão é que a abolição de tais feriados colide frontalmente com o significado
de cada uma das referidas datas para quem professe a religião cristã, facto que
se coloca aquém e além da perspectiva bastante terrena subjacente à
“necessidade” da referida abolição, que segundo nos “informam” se prende com o
aumento da competitividade do país.
Desse
ponto de vista o Estado parece ter uma posição mais confortável uma vez que não
tem de “lidar” com questões de natureza divina e por isso mesmo uma qualquer
decisão administrativa é suficiente para ganhar força de lei e de uma penada
“passar à história” as duas datas avançadas inicialmente.
Para
além das sérias dúvidas pessoais de que a eliminação de qualquer feriado
constitua uma medida suficientemente eficaz para os objectivos a que se
propõem, a verdade é que a análise a esta questão poderia e deveria colocar-se
igualmente num plano diferente relativamente à perspectiva com que actualmente
é analisado.
Esta
perspectiva é aquela que nos remete para o significado de cada uma das datas em
causa, ou seja, o motivo pelo qual em determinado momento se convencionou que,
em tais dias, se deveria assumir como festivos.
Talvez
esta associação à aparente “festividade” dessas datas seja o equívoco que
determinou o seu fim, em relação ao distanciamento temporal crescente face ao
momento em que as mesmas tiveram lugar, do qual resulta que não existam
praticamente “testemunhos vivos” de uma delas (o 5 de Outubro) já para não
falar da inviabilidade prática de tal suceder quanto ao evento que ocorreu a 1
de Dezembro de 1640.
Contudo,
estas datas não adquiriram o seu significado próprio por representarem dias de
festa ou de algum momento de carácter meramente profano, mas sim por
“conduzirem” a nossa memória colectiva para dois momentos-chave da nossa
História.
Tais
momentos são os da Independência e os da Liberdade.
Independência
face ao domínio estrangeiro que governou o país durante 60 anos e de Liberdade
perante um regime de natureza autoritária do ditador Franco (o João) e de uma
monarquia caduca inteiramente desligada da realidade da sociedade que
supostamente dirigia.
Questiono-me,
desta forma, se estes dois primados de qualquer sistema democrático não devem
ser objecto de uma comemoração especial – ainda que em forma de feriado – que
nos recorde a todos que em certos momentos da nossa vida é necessário lutar por
objectivos que ultrapassam a natureza pessoal, firmando-se nos anseios e
vontade colectiva de todo um País.
Sintomático
desta desvalorização é que a mesma ocorra num momento de especial fragilidade
do País, em que a sua soberania é colocada (ainda mais) em causa pela
necessidade de intervenção externa.
A
conclusão que podemos daqui retirar é que a Igreja Católica compreende que o
fim dos feriados que lhe “tocaram” poderá representar uma nova “machadada” na
crise de vocações que cada vez mais a afecta, em virtude da diluição do
significado desses mesmos dias num qualquer normal dia de trabalho.
Em
sentido contrário é líquido pensar que o Estado não só não valoriza este
carácter quase imaterial associado às datas em causa ou, pior ainda, quererá
por e simplesmente confiná-los ao nível meramente académico dos livros de
História ou da curiosidade daqueles que ainda vão ocupando o seu tempo a
reflectir sobre estas matérias.
Acontece
que, à medida que vamos suprimindo os símbolos da nossa própria identidade
estamos igualmente a deitar por terra as últimas “parcelas” da soberania de um
país através da eliminação dos seus valores fundamentais, isto é, aqueles pelos
quais vale definitivamente a pena lutar. Assim vão as cousas.
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