A União Europeia ficou a espumar de raiva quando um dos seus principais membros se colocou à margem de mais um dos planos “brilhantemente” arquitectados pela Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy para, supostamente, salvar o Euro e quiçá a Europa comunitária, tal como a conhecemos.
Existe, contudo, algo de profundamente estranho nesta reacção à posição assumida pelo Reino Unido – é a ele que me referido – relativamente aos caminhos trilhados pela União Europeia.
É que, bem vistas coisas, em bom rigor o Reino Unido sempre se colocou à margem de parte significativa das grandes decisões tomadas no espaço europeu, invocando para si um regime de excepção relativamente à quase totalidade dos seus parceiros.
A não adesão ao Euro é apenas e só um dos exemplos do distanciamento dos britânicos em relação aos países aderentes à moeda única.
Mas qual tem sido a base da decisão do Reino Unido para esta posição reiterada de “não alinhado”?
Poder-se-ia pensar que seria pressupostos de natureza económica ou impedimentos constitucionais.
Mas não, aos ingleses sempre bastou invocar a perda da sua própria soberania que resultaria da adesão a algumas decisões da União Europeia.
A questão que se coloca é o que é esta “coisa” da soberania nos dias que correm.
A União Europeia assenta, desde a sua criação, num postulado de comunhão dos estados membro em função de interesses económicos, sociais e políticos.
Para tal efeito criou instituições próprias, nomeadamente um parlamento, uma comissão e uma instituição financeira própria (o BCE).
Com base nos tratados que sucessivamente pretenderiam aprofundar a coesão política e económica, os diversos Estados foram cedendo parte da sua soberania para estas instituições, cujos poderes haviam sido definidos por esses mesmos Estados.
Acontece que a União Europeia tratou de acautelar de forma célere a união económica, deixando para um segundo plano a vertente política, convictos que as duas não seriam as faces da mesma moeda, mas talvez moedas de valor diferenciado.
Ao faze-lo descurou um aspecto fundamental que resulta das fortes assimetrias do espaço europeu, provavelmente convencidos que o “comboio europeu” andaria sempre à mesma velocidade, apesar da existência de bitolas manifestamente divergentes.
Não constituiu portanto qualquer reserva a aceitação no espaço da moeda única de todos os países que a ela quiseram aderir tal como não houve qualquer reacção à vontade de outros em ficar de fora do Euro Grupo.
Sinal evidente desta incapacidade em falar em uníssono foi também o facto das principais decisões – por exemplo a ratificação de tratados – ficar quase sempre condicionado à decisão posterior dos parlamentos, tribunais locais ou mesmo pela via do referendo, situação que quase sempre colide com a necessidade de unanimidade.
A paralisação resultante deste imbróglio jurídico foi sempre um sinal evidente que a união política era e provavelmente ainda é uma miragem, ainda que em mais do que uma ocasião se tenha “forçado” os Estados a novos referendos de forma a obterem uma resposta positiva quando muito pouco tempo antes havia sido negativa.
Não é possível deixar de entender esta situação como uma cedência de soberania, na medida em que a pressão exercida sobre os Estados acaba por prevalecer sobre uma decisão popular inicialmente contrária.
A actual crise na Europa – a do Euro e a da dívida pública – veio colocar na ordem do dia a necessidade de acelerar a união política na medida em que se entendeu que não seria mais possível dar “rédea solta” a países com deficits estruturais quase genéticos ou validar politicas orçamentais definidas em função das conveniências políticas de cada Estado.
O problema é que a forma de abordar a questão deixou de ser vista numa perspectiva comum mas em função da actuação exclusiva do país que se situa precisamente no seu eixo – a Alemanha – sempre acompanhado pelo seu “vizinho” francês.
Aquilo que temos visto é uma permanente negociação bilateral, a que os demais países parecem aderir incondicionalmente, seja por se encontrarem já demasiado dependentes da ajuda externa seja pela incapacidade política para ter uma voz activa nas negociações.
Aquilo que os ingleses terão efectivamente ponderado é que o seu papel na História e no Mundo não é compatível com a assinatura de acordos no qual não foi parte activa na negociação.
A União Europeia à custa das cedências aos impulsos individuais de cada um dos seus membros, não conseguir dar os passos necessários para a união política em paralelo com a união económica quando os “tempos” (ainda) corriam de feição.
Instalada a crise esta mesma União Europeia apresta-se para forçar esta mesma união politica à força do poder de um Estado dominante, nem que para isso force a saída de governos legitimamente eleitos, “trocando-os” por tecnocratas que actuam como verdadeiros comissários desse mesmo Estado.
A união política não pode nem ser conseguida à custa dos princípios democráticos e por isso mesmo a posição do Reino Unido não pode ser vista à luz dos habituais tiques individualistas dos britânicos, mas no contexto de uma séria ameaça à independência dos Estados, precisamente por parte daqueles que no passado o tentaram fazer pela força das armas e que agora parecem em vias de o conseguir por via da subjugação económico. Assim vão as cousas.