domingo, 1 de janeiro de 2012

Os vizinhos do lado

Portugal e Espanha partilham muito mais do que uma extensa fronteira comum.

Partilham também uma História de contornos ímpares muito embora com identidades perfeitamente distintas.

Contudo, ao longo dos séculos terão porventura havido mais momentos que contribuíram para o afastamento entre ambos os Povos do que aqueles que possam ter tido um efeito de confluência de vontades e de interesses.

Deste facto em si impossível de justificar em tão breves linhas resultou, de uma forma bastante ampla, um sentimento quase milenar de desconfiança, dando origem a preconceitos comuns bem espelhados em alguns ditados populares que sobreviveram ao passar das gerações.

Mas se em concreto existem razões de natureza histórica que contribuíram para os referidos estados de alma a verdade é que existem também motivos de sobra para considerar que não faltarão igualmente circunstâncias que motivem uma aproximação entre ambos.

Essas circunstâncias tiveram um crescimento exponencial a partir do século XX e certamente terão continuidade no presente.

À semelhança de Portugal, os espanhóis viveram boa parte do século passado sob o jugo de uma ditadura repressora embora com uma circunstância manifestamente agravante e que se consubstanciou numa sangrenta guerra civil.

De igual modo ambos os países “escaparam” à segunda guerra mundial, muito embora a “colaboração” com o regime nazi fosse uma realidade tendo em conta a natureza dos regimes fascistas que então os governavam.

O advento da democracia proporcionou uma aproximação, porventura definitiva, entre os dois “vizinhos”, desde logo pelo processo de adesão à CEE de então, cuja formalização ocorreu simbolicamente na mesma data.

Mais recentemente os dois Estados apresentaram uma candidatura comum à realização de um campeonato do Mundo de futebol, naquele que foi certamente a mais forte manifestação de um interesse comum e a consolidação de uma convicção de que da confluência de vontades resultará necessariamente uma posição fortalecida.

A provável ironia deste processo de aproximação surge, curiosamente, também em função da actual fragilidade de Portugal e Espanha à denominada crise da dívida pública a qual, como é sabido, já implicou a necessidade de um pedido de ajuda externa por parte do nosso país e ameaça fazer o mesmo aos nossos “vizinhos”, face ao denominado “risco de contágio” que é referido actualmente um pouco por toda a parte.

Tendo em conta a natureza perfeitamente distinta entre a realidade económica de Portugal e de Espanha, estes últimos têm sabido resistir às “investidas” dos mercados, procurando evitar o mesmo destino que o nosso, facto a que não é alheio a maior preocupação que com os actuais “donos” da Europa – a França e a Alemanha – olham para uma eventual necessidade de intervenção externa na quarta maior economia do velho Continente cujas consequências implicariam com toda a certeza o arrastamento das suas próprias economias.

Com um território incomensuravelmente superior ao de Portugal mas com uma densidade populacional inferior à nossa, Espanha é, formalmente, um país onde existe historicamente uma acentuada descentralização administrativa assente em intensos movimentos autonómicos e mesmo separatistas.

Por seu turno Portugal é um país com um forte pendor centralista, com assimetrias regionais demasiado visíveis para poderem ser ignoradas e tem, como é sabido, as fronteiras mais estáveis de toda a Europa.

Como justificar que dois Estados que não dispondo de recursos naturais assinaláveis, com uma organização administrativa tão distinta tenham capacidades igualmente distintas de reagir a uma crise cuja natureza é perfeitamente idêntica?

A resposta estará provavelmente na capacidade de cada uma das regiões de Espanha se organizar autonomamente, gerindo os seus próprios recursos, sem a total dependência do Estado central há semelhança do que se verifica em Portugal.

Ora a questão que cada vez se coloca com mais propriedade e de forma menos envergonhada é a necessidade de uma reflexão séria sobre as vantagens da constituição de uma verdadeira união ibérica.

Muito provavelmente a impossibilidade desta reflexão reside precisamente nos preconceitos históricos que nos acompanham desde a fundação da nacionalidade.

Mas se em tempos idos estes dois países puderam entender-se e assim dividir o Mundo entre ambos, não será pelo menos de admitir que também hoje em dia é muito mais aquilo que os aproxima do que aquilo que os separa? Assim vão as cousas.

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