domingo, 26 de maio de 2013

Olhar em frente (1ª Parte)


Diz o dicionário que a futurologia é a ciência que estuda o futuro, não numa perspectiva de adivinhação sobre aquilo que irá acontecer para além do tempo presente mas, de forma mais concreta, aquilo que poderá acontecer, tendo por base um conjunto de cenários possíveis, prováveis ou mesmo desejáveis.

Efectuado a respectiva contextualização, torna-se mais do que evidente que as possibilidades desta mesma ciência no domínio da política “beneficiam” de um terreno amplamente fértil, permitindo a todos aqueles que reconheçam a importância desta ciência antecipar uma perspectiva mais ou menos clara das perspectivas políticas de Portugal nos próximos tempos.

Para tal, o exercício de uma construção adequada de princípios de futurologia deverá assentar, antes de mais, em cenários que, embora não garantidas, constituem ainda assim possibilidades reais de verificação, claro está, futura, eliminando dessa forma algumas “artes” que assentam as suas convicções na mera adivinhação ou num tom profético.

Definidos os pressupostos da abordagem que procurarei seguidamente levar a cabo importa situar temporalmente a mesma, colocando-a de forma simultânea em dois momentos distintos, a saber, o futuro do actual Governo e as próximas eleições presidenciais.

Seguindo a ordem atrás definida começarei por referir que de acordo com o meu entendimento o Governo actualmente em funções dificilmente terá condições para cumprir o respectivo mandato até ao final o qual, cronologicamente, deverá (ou deveria) ir novamente a votos no ano de 2015.

As razões para tal convicção e que justificam este exercício de futurologia são diversos mas, fundamentalmente, assentam em 3 motivos principais.

Em primeiro lugar e conforme tive ocasião de aflorar numa anterior dissertação torna-se cada vez mais evidente que existe uma ampla desconformidade entre o programa com este Governo de submeteu ao escrutínio popular e aquele que tem vindo a ser implementado desde a respectiva tomada de posse em 2011.

De facto, é inevitável supor que fossem as actuais medidas de austeridade (e aquelas que estarão para vir) do conhecimento prévio dos eleitores e certamente teria sido outro o resultado do último acto eleitoral, excepto se esses mesmos eleitores, num acto de reconhecido masoquismo, desse o respectivo aval de forma prévia a um cenário que lhes era previsivelmente desfavorável, como aliás se tem vindo a verificar.

O segundo motivo no qual reside a minha convicção prende-se com o pré-anunciado e agora constatado resultado prático das políticas, ditas de austeridade, que têm vindo a ser seguidas e consecutivamente implementadas das quais, mais do que os desejáveis e desejados resultados positivos, resultou uma “espiral recessiva” (usando as próprias palavras do Presidente da República) cuja consequência tem sido o aumento do desemprego, a falência massiva de empresas e um sentimento que tem tanto de psicológico como de real do progressivo empobrecimento das famílias portuguesas pelo aumento sistemático da carga fiscal e da diminuição dos apoios sociais.

A ausência de uma clara perspectiva optimista, mesmo que de médio prazo, e constatação de que o pior ainda estará para vir - a avaliar pelo “famoso” relatório do FMI - e as “sombras” que pairam sobre o real entendimento do Governo sobre a igualmente “famosa” refundação do Estado é, em si mesmo, o sinal claro do progressivo afastamento entre o Executivo e os Cidadãos.

Finalmente, a terceira das principais razões para a possível (ou provável) queda antecipada do Governo resulta dos sinais claros de divergência entre os partidos que forma a Coligação que apenas vão sendo atenuadas pelos evidentes recuos do Dr. Paulo Portas que ainda assim não escondem a progressiva secundarização do seu papel no Governo a que tem vindo a ser sujeito.

Se a esta perspectiva se juntar o equivoco deambular entre um estado de desconforto ou de manifesto apoio que o Presidente da República faz questão de expressar cada vez que “quebra” os seus enigmáticos e prolongados silêncios, facilmente se percebe que a conjuntura institucional é nesta altura uma aliada da insatisfação social, tornando quase inevitável a necessidade de nova legitimação popular pelo voto do actual Governo.

A consequência provável de um novo plebiscito será, provavelmente, a vitória do principal partido da oposição e habitual inquilino (em regime de alternância) do palácio de São Bento.

O que é curioso e ao mesmo tempo dramático é perceber que tal não se verificará por qualquer convicção de que nessa escolha resida uma alteração substancial do modelo de governação do país nem tão pouco uma especial empatia com o respectivo líder, o Dr. António José Seguro, mas sim como uma manifestação de reprovação pela acção do anterior Governo.

O novo Executivo será, quase com toda a certeza, um governo minoritário quer por força dos votos quer por força da mais do que provável impossibilidade prática de formar um governo de coligação, seja com as forças mais à esquerda seja com os partidos mais à direita.

A consequência deste imbróglio será um Governo fraco tal como fracos serão, creio, aqueles que vierem a ser os seus membros, começando desde logo por aquele que é já hoje o presuntivo futuro Primeiro-Ministro.

Continua na próxima semana....

domingo, 19 de maio de 2013

Lobo mau: Uma fábula canídea



No tempo em que os animais falavam havia, algures por esta terra, uma família de lobos que organizados de forma não temporalmente datável, faziam a sua vida em plena harmonia e comunidade

Não se pense, contudo, que tal família identificava necessariamente um nexo sanguíneo comum, que define em qualquer circunstância aquilo a que se designou chamar de relações de parentesco.

É certo que, de entre os elementos desta alcateia – assim se convencionou chamar aos grupos de lobos – alguns descendiam de uma linhagem comum, situação que não era, contudo, extensível aos restantes membros, cada um deles proveniente outras linhagens de canídeos.

Neste grupo eram facilmente reconhecíveis os respectivos lideres, tal era a sua habilidade e competência para a gestão dos destinos dos restantes lobos, mas igualmente pela inteligência com que, no dia-a-dia, dirigiam a sua comunidade e planeavam a respectiva subsistência.

Como é usual em qualquer alcateia, também nesta haviam aqueles que eram manifestamente mais fracos ou cujas características os tornavam indistintos do restante grupo, não sendo dessa forma aqueles que poderiam, bem vistas as circunstâncias, poder um dia qualquer futuro, aspirar à liderança dos demais ou sequer constituir uma ameaça aos actuais detentores desse cargo.

No entanto, não é menos certo que esta característica individual não lhes retirava o mérito relativamente às suas tarefas no seio desta comunidade nem tão pouco reduzia a sua importância relativa face aos demais e, por isso mesmo, eram por eles respeitados.

Não sendo, conforme já se viu, previsível a substituição dos lideres da alcateia, tal não implica, contudo que, não obstante a sua posição inquestionável pelos demais, não houvesse quem, entre a alcateia, tivesse aspirações a pertencer a esse núcleo restrito, partilhando dessa forma a liderança do Grupo.

Estes elementos, de reduzido número, “alimentavam” essa expectativa adoptando um comportamento de proximidade relativamente aos líderes, mas assumindo igualmente uma postura de “arrogância” e “sobranceria” (predicados humanos perfeitamente aceitáveis numa fabulação) perante os seus pares, à força da convicção que a proximidade com os chefes da alcateia de alguma forma tal actuação estaria legitimada ou a mesma corresponderia ao comportamento que o obrigaria os demais a aceitá-los como tal.

De entre esse núcleo de lobos havia um que claramente se destacava dos demais pela forma como impunha a sua firme vontade de marcar posição de liderança, algo que de forma mais ou menos evidente era “validada”, por omissão, pelos verdadeiros chefes da alcateia, mas que ainda assim não o transformava num verdadeiro líder.

Certo dia o grupo recebeu um novo lobo vindo de uma outra alcateia e que rapidamente se integrou com os demais assumindo as funções que normalmente estão destinadas a cada um dos respectivos membros, isto é, contribuir conjuntamente com os restantes para garantir melhores e mais eficazes caçadas.

O rápido entrosamento deste novo lobo e a capacidade para caçar que foi revelando com o tempo, aumentaram a sua credibilidade quer junto dos restantes lobos quer perante os chefes da alcateia, que nele reconheciam a sua competência, confiando-lhe cada vez mais responsabilidades no grupo, ao que o próprio procurava corresponder com o melhor das suas capacidades.

Contudo, tal situação não era extensível a todos os elementos da alcateia, pois entre eles havia um, o tal que se comportava como um líder sem o ser, que conspirava sucessivamente contra o novo membro, procurando junto de outros lobos menosprezar a sua importância.

Não era certo o motivo pelo qual o fazia, pois não haveria sequer a percepção de se encontrarem ambos a lutar pela liderança da alcateia, nem tão pouco qual o objectivo de tal comportamento, mas ciclicamente o novo lobo ficava conhecedor de novas investidas contra si, mais dignas de uma raposa, reconhecidamente mais matreira do que o lobo.

A tudo isto o novo lobo procurava responder com a indiferença que apenas a sensação de um trabalho bem feito pode conferir, não deixando de participar nas caçadas e nos objectivos de subsistência geral da alcateia que, afinal de contas, era agora a sua.

Mas essa indiferença não era tanta que impedisse a percepção clara de que a sua presença na alcateia não era desejada de igual modo por todos os outros lobos, podendo mesmo concluir-se que seria até indesejada por aparentemente constituir uma “ameaça” de contornos pouco nítidos.

Sabendo o novo lobo que a eficácia da alcateia está dependente de todos os seus membros caçarem de forma organizada e com um mesmo objectivo parece-lhe difícil reconhecer que exista no seu grupo quem deseje para si uma má caçada.

A verdade é que ambos se encontram numa encruzilhada, que só confluirá quando todos os membros da alcateia interiorizarem que, da maior ou menor união do grupo, dependerá a sua própria sobrevivência. Assim vão as cousas.

terça-feira, 14 de maio de 2013

1ª Corrida Forum Montijo

Primeira prova "oficial" da minha "carreira" de corredor de meio-fundo. 


Apesar de ter começado a treinar apenas um mês antes, o lugar 715º da geral entre 1600 atletas e 119º entre 195 atletas na categoria "Veterano 2" (a prova que estou velho) com um tempo oficial de 55:11 só pode dar alento para continuar. 





Não me faltem as pernas e o pulmão para isso.


domingo, 12 de maio de 2013

Uma vida de acrónimo(s)



A “viagem” que agora se inicia durará apenas 24 horas, coincidindo a hora inicial com o nascimento e, como tudo na vida, o momento final com a morte.

Neste curto espaço de tempo se ficará a conhecer um dia na vida de V. F., acrónimo do improvável “herói” desta breve narrativa, condenado a nascer e morrer no mesmo dia, trabalho árduo e repleto de incidências também elas, tal como o seu próprio nome, formadas por letras ou silabas iniciais de uma sequência de palavras.

Em bom rigor, deixaremos para trás toda a parte da manhã, que coincidirá cronologicamente com o nascimento, infância e adolescência, para nos fixarmos por volta da hora do meio-dia, altura em que V.F. entra para o mercado de trabalho.

Nesse momento V.F. ficará a saber que uma parte substancial do seu rendimento de pessoa singular ser-lhe-á deduzida a título de IRS para além de uma outra percentagem para efeitos de TSU e que os rendimentos da sociedade para a qual trabalha se encontram eles próprios sujeitos a uma incidência de IRC.

À hora de almoço, V.F. escolherá um dos pratos de uma ementa mais ou menos recheada, e tudo aquilo que consumir terá já incluído o correspondente valor de IVA. Também nessa mesma altura V.F., que não dispensa o cigarro que há-de finalizar a dita refeição, ao abrir o respectivo maço de tabaco não terá sequer a percepção que mais de metade do preço que pagou por ele corresponde ao IT ou que a outra metade do copo meio-cheio de digestivo com que faz questão de o acompanhar é “bebido” pelo IABA.

Terminado o expediente, V.F. regressa a casa na sua viatura, pelo qual pagou em partes iguais o respectivo valor comercial e os custos que decorrerão do seu uso para o ambiente, estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, por via do ISV.

Verificando que o depósito se encontra perto de se esgotar, V.F. pára, nesse momento, para reabastecer numa bomba de gasolina, desviando alternadamente o seu olhar para o preço do combustível adequado, sobre o qual incide o ISP e o selo colado no vidro da sua viatura, que reflecte a sua contrapartida ambiental - o IUC - pelo simples facto de circular neste mundo de modo alternativo aos seus próprios meios.

Uma vez chegado a casa, V.F. terá então ocasião de abrir o correio que nessa circunstância alerta para a necessidade de liquidação do IMI, consequência prática da sua qualidade de proprietário de um imóvel que havia adquirido nesse mesmo dia – ou não fosse esta a “duração” da sua curta vida – tendo por essa via suportado o correspondente IMT sobre o respectivo valor patrimonial.

O dia terá então chegado ao fim e de igual forma a “caminhada” de V.F., iniciais de um nome que ficará incógnito, submerso num mar imenso de impostos, directos e indirectos, que o “consomem” a ele e a todos nós ao longo da vida, como contrapartida necessária de qualquer cidadão perante o Estado e que este, ainda assim, nos vai sucessivamente “dizendo” que não chega. Assim vão as cousas.

domingo, 5 de maio de 2013

Luta de classes


A noção que cada um de nós tem sobre a generalidade dos denominados países nórdicos, isto é, aqueles que se situam precisamente no hemisfério norte do continente Europeu é, normalmente, associada a uma imagem de prosperidade e riqueza, muito embora nem sempre se tenha uma noção do alcance prático de ambos os conceitos.

Entre eles, consta um Estado com uma área substancialmente superior ao do território português mas, em contrapartida, com cerca de metade da sua população, e tem o nome de Noruega.

Quem conhecer minimamente a realidade deste povo certamente não ignora que se trata igualmente de um dos principais produtores de petróleo e gás natural do mundo, assentando igualmente boa parte da respectiva actividade produtiva no sector das pescas (de onde resulta a designação do seu famoso bacalhau), da manutenção naval, entre outros.

A questão, contudo, que me leva a dissertar sobre este território é que – e este elemento será já menos conhecido – 96% da respectiva população pertence à denominada “Classe Média”.

A importância prática deste factor é tudo menos irrelevante, na medida em que permite imediatamente constatar que o modelo social norueguês é absolutamente justo.

Esta perspectiva é muito simples de analisar bastando para o efeito, e a título meramente comparativo, verificar que em quase todos os estados do mundo onde existam grandes riquezas naturais são precisamente estes que têm os maiores índices de desigualdades sociais, fruto de uma acentuada injustiça na distribuição da riqueza.

Ora se a situação privilegiada de que a Noruega “beneficia” poderá ser facilmente “justificada” pela sua localização geográfica ou mesmo pelas suas riquezas naturais, a verdade é que tais circunstâncias em nada parecem afectar o seu modelo social, antes pelo contrário.

Este modelo baseia-se em princípios de bem-estar social de matriz capitalista, combinando os ditames de qualquer mercado livre ao mesmo tempo que o Estado assume o principal papel em determinados sectores-chave da sua economia, nomeadamente no sector petrolífero e da produção eléctrica.

O resultado desta “equação” de sucesso de um país que por duas vezes expressou por referendo que não pretendia aderir à União Europeia (facto que não impede a sua participação activa nas principais organizações mundiais, algumas das quais foi, inclusive, Estado-fundador), é uma economia de pleno emprego com um nível de vida que se situa acima da maior potência económica do mundo, os EUA.

Contudo e ao contrário do que seria previsível, esta situação particular não resulta directamente das peculiares circunstâncias naturais da Noruega, mas sim os elevados níveis de produtividade, devidamente “recompensados” com um salário médio por hora dos maiores do mundo.

Este factor é, em si mesmo, particularmente relevante para se compreender que de nada valeria à Noruega possuir as riquezas naturais de que dispõem se não tivesse uma sociedade empenhada em fazer valer essas mesmas riquezas, mas que tal só se verifica porque o Estado tem um papel fundamental em equilibrar uma economia de mercado com os princípios básicos do Estado-social.

O que se verifica um pouco por toda a Europa, nomeadamente nos países mais fragilizados pelos efeitos da crise, sejam eles intervencionados ou não, é um efeito que é precisamente o contrário, isto é, perspectiva-se cada vez mais uma redução da protecção social dos cidadãos, com redução progressiva da respectiva capacidade de ganho, convictos certamente que a produtividade se gera pelo alargamento da distância entre o número de horas de trabalho e a remuneração desse mesmo trabalho.

A consequência prática visível desta clivagem é – nem podia ser outra – o progressivo afastamento entre pobres (cada vez mais) e ricos eliminando, dessa forma, o conceito de “classe média”, ou seja, precisamente aqueles que sustentam a economia dos países mais desenvolvidos.

O problema é que, ao fazê-lo, aumenta igualmente a distância que separa os exemplos de sucesso dos países como a Noruega relativamente aos países da Europa comunitária, não sendo, portanto, de estranhar que os respectivos cidadãos continuem a optar por se colocar à margem de um processo de integração europeu cada vez menos solidário, ou seja, em completo antagonismo com o seu próprio estilo de vida. Assim vão as cousas.