domingo, 29 de setembro de 2013

A (incons)ciência dos números

Em dia de eleições autárquicas entretenho-me a "observar" um curioso dado estatístico que remete para o Mapa n.º 4-A/2013 da Direcção-Geral de Administração Interna que refere que o número de eleitores recenseados em Portugal em 30 de Junho de 2013 era de 9.485.604.

Na senda desta mesma observação dos números verifico que a população portuguesa no ano de 2013 será de 10.562.178 expressão porventura demasiado exacta para uma realidade constantemente em mutação mas que, de 10 em 10 anos é acertada em função de um "exercício" à escala nacional que, qual professor que conta os alunos na sala de aula quer, no fundo, saber afinal quantos somos.

Ora, sucede que nenhuma estatística é suficientemente boa ou funcionará por si mesmo se não tiver "agarrada" uma outra ciência que lida igualmente com os números e que dá pelo nome de matemática.

Não me considerando - longe disso - um "expert" nesta ancestral ciência não me inibo, ainda assim, de ensaiar um breve cálculo inerente à presente dissertação para chegar a uma conclusão aparentemente simples de que em Portugal apenas se encontram "impedidos" de exercer o direito de voto um total de 1.076.594 habitantes.

Em face de tal número creio, mesmo correndo o risco de incorrer na mais exemplar das ignorâncias, poder afirmar que há algo que "não bate certo".

Resta-me, pois, tentar em seguida "explicar" este entendimento para que, mesmo que daí não resulte qualquer efeito útil, se perceba - no mínimo - os seus fundamentos.

Vejamos o seguinte: em Portugal e de acordo com os referidos censos 15,60% da população tem menos de 14 anos, ou seja, aproximadamente 1.647.700 dos portugueses tem devidamente justificada a ausência nos actos eleitorais e, desde logo, também por aqui se vê que este número excede o valor da diferença entre cidadãos recenseados e o número de habitantes do país.

Haverá aqui, certamente, que esclarecer que nem todos os cidadãos recenseados residem em Portugal.

O "problema" é que nem por tal facto a "divergência" de números é explicável uma vez que de acordo com os dados de 2010 o número de portugueses recenseados no estrangeiro era aproximadamente de 228.000, valor este que, mesmo tendo em conta o crescimento da emigração nos anos mais recentes, não tenderá a sofrer uma variação suficientemente ampla para justificar o que quer que seja.

Acresce, contudo, que perante a lei apenas os cidadãos com mais de 17 anos podem exercer o respectivo direito de voto pelo que, em bom rigor, o número de pessoas com um impedimento para o referido exercício será ainda maior como maior será a incongruência que tenho vindo a procurar demonstrar.

Poderia, ainda assim, para confirmar este mesmo incompreensível registo estatístico, "lembrar" que em Portugal 3,4 em cada 1000 habitantes não são de nacionalidade portuguesa ou, dito de outro modo, que não podem votar ou têm um direito de voto limitado, o que significa que numa base de pouco mais de 10.000.000 de habitantes esse número ascenderá a qualquer coisa como.... bom, "é fazer as contas", e por aqui também se concluirá que, como é costume dizer-se, os números "não batem certo".

Mantendo a linha racional que tenho procurado evidenciar importa, na lógica do que atrás fica dito, tentar perceber a razão pela qual existe - a meu ver - uma tamanha distorção entre a realidade e os números e essa só pode ser explicada por um factor que nem é novo na nossa Sociedade mas que tarda em ser resolvida, ou seja, a total e manifesta desactualização dos cadernos eleitorais que pura e simplesmente não expurgam devidamente aqueles que por mais do que um motivo não podem - de facto - votar.

Esse numero - que em si mesmo poderia ter um impacto decisivo numa qualquer eleição - poderá ascender - pasme-se - a mais de um milhão de pessoas e o mais grave e simultaneamente irónico é que este número é "oficial" porque é também ele apurado no âmbito dos censos decenais.

Ou seja, "à cabeça" e logo à abertura das urnas mais de 10% abstêm-se involuntariamente de votar entre outras causas porque uma parte dela já não pertence sequer ao "mundo dos vivos".

Esta situação que, para além do mais, tem custos significativos para o próprio Estado na medida em que o número de autarcas e respectivo vencimento é definido em função do número de eleitores, parece não ter uma solução à vista, tendo-se perdido uma excelente oportunidade para tal quando há não muitos anos se iniciou o processo do chamado "cartão único" que permitiria uma maior clareza, uma vez que um dos seus pressupostos iniciais seria o de passar a incluir o número de eleitor de cada cidadão, algo que não se veio a verificar.

A pergunta lógica no meio de tanto factor sem lógica é: a quem interessa a manutenção desta situação?

Para além das hipóteses anteriormente referidas, não parece haver uma resposta lógica e muito menos simples a esta questão. Sinto-me, por isso mesmo, e assumindo essa fraqueza, vencido por uma incapacidade pessoal de procurar explicar o inexplicável. Assim vão as cousas.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

MEO Urban Trail 2013

Bairro Alto, Restauradores, Rossio, Castelo, Alfama, Mouraria, Martim Moniz, os elevadores da Bica e da Glória, a calçada do elevador da Lavra e o Caracol da Graça foram apenas alguns dos locais por onde passou esta prova tão dura como espectacular. 




No final, um belo tempo oficial de 01:03:04 e um 505 lugar na classificação geral (477 no escalão) entre 1915 atletas que terminaram a prova. 


Como eu dizia no dia da prova: "depois desta estou pronto para qualquer outra". 

Venham elas.

domingo, 22 de setembro de 2013

O novo grito do Ipiranga

Quando visitei o Brasil pela primeira vez no inicio dos anos 80, nomeadamente a cidade do Rio de Janeiro, ignorava - fruto da minha "tenra idade" - que, nessa mesma altura, este imenso território, "descoberto" pelos portugueses mas colonizado por outras potências mundiais ao longo dos séculos e até à independência em 7 de Setembro de 1822, se encontrava num processo de transição de um regime ditatorial militarista para uma sociedade de matriz democrática.

Por isso mesmo, ignorava igualmente que um dos países com maiores condições naturais do mundo para ser considerado uma potência económica mundial vivia, nessa mesma altura, uma situação de intervenção externa por parte do FMI, que impunha regras denominadas de "ortodoxia económica", ou seja, a habitual receita desta instituição internacional para "ajudar" um qualquer Estado necessitado a sair de uma crise financeira.

A situação económica do Brasil - necessariamente demasiado complexa para tão breves linhas - resumia-se a uma total estagnação económica, com níveis de inflação elevadíssimos (hiperinflação), fruto de uma política económica que, basicamente, suportava a dívida externa com recurso à emissão forçada de moeda, aumentado a dívida pública interna.

Não faltaram, nessa ocasião, planos económicos - normalmente titulados pelo nome do seu "criador" - que, sucessivamente, haveriam de fracassar, determinando que a década de 80 tenha ficado conhecida como a "década perdida" ao nível económico, do crescimento e do desenvolvimento. 

A juntar a este "cenário" havia igualmente uma situação social absolutamente confrangedora onde, por exemplo, menos de 15% das crianças frequentavam a escola e onde a pobreza era, para muitos, a face visível de um país e as suas "famosas" favelas (e a violência que lhes é associada) a imagem-tipo de uma cidade brasileira. 

Com o fim da ditadura, precisamente no final da referida década, o país entrou num processo de estabilidade política que, simbolicamente, haveria de levar ao poder, num tempo mais recente, um dos principais rostos da luta popular no período da ditadura e do movimento dos "sem-terra", o presidente Lula da Silva. 

Voltando ao presente e mais consciente do "mundo que me rodeia", detenho-me a meditar sobre o motivo pelo qual o mesmo país descrito nas linhas anteriores e que se tornou em poucos anos na sétima maior potência mundial - com perspectivas de crescimento nesta "hierarquia" - atravessa actualmente uma profunda crise social, com sucessivas manifestações de protesto de rua, independentemente daquela que seja a perspectiva de cada um relativamente à natureza dos protestos por parte alguns dos manifestantes.

É este mesmo país que desenvolveu uma industria pujante nos principais sectores tecnológicos, incluindo a engenharia aeroespacial, que é líder na produção de biocombustível e que se pode orgulhar de ser praticamente auto-suficiente no domínio das suas necessidades petrolíferas sendo ainda um dos lideres mundiais na produção energética.

Mas então, somados estes vectores a muitos outros (por exemplo na agricultura e no turismo), como justificar a actual situação social?

A razão é, aparentemente, uma só, a mesma que propositadamente omiti na breve análise à situação do Brasil nos anos 80 como na actual situação e que se reconduz, antes como agora, a uma situação de generalizada corrupção, nomeadamente no sector político, essa "doença" invisível que, afectando tanto corruptor como corrompido, não aparenta ter "cura" pelo simples facto de que dela muitos beneficiam e, por isso mesmo, poucos dela se queixam .

Contudo, algo mais mudou na sociedade brasileira.

É que, neste último quarto de século, verificou-se igualmente uma redução substancial do índice de pobreza e de analfabetismo de grande parte dos seus cidadãos, ficando, dessa forma, claramente demonstrado que só uma sociedade consciente dos seus direitos se encontra em condições de exigir uma sociedade com menos desigualdade e sobretudo mais transparente. E esta é também uma lição para os restantes países, incluindo Portugal. Assim vão as cousas.

domingo, 15 de setembro de 2013

O caminho para Damasco

Na passada quinta-feira, os EUA recordaram, uma vez mais, as vitimas do atentado do 11 de Setembro, no qual perderam a vida cerca de 3000 pessoas, em nome de um ódio presumivelmente religioso, mas com raízes profundamente (des)humanas.

Este macabro aniversário ocorre precisamente numa semana em que os "tambores de guerra" voltaram a fazer-se ouvir com a ameaça de uma intervenção em território Sírio como resposta a uma ofensiva a todos os títulos cobarde sobre cidadãos inocentes com recurso a armas químicas, da qual resultaria uma provável reacção em cadeia por parte de grupos extremistas, para além da incerteza da reacção dos indefectíveis aliados do regime Sírio, nomeadamente a Rússia, a China e o Irão.

Creio, de acordo com a minha interpretação, que é possível extrair diversas conclusões - de certa forma ligadas entre si - sobre tudo aquilo que se tem vindo a "assistir" à volta de um foco de instabilidade sobre a paz mundial que parece não ter fim à vista.

A primeira grande conclusão é que, aparentemente, as mais de 100000 vitimas mortais que já tinham sido registadas anteriormente ao ataque com as armas químicas - que se estima tenham vitimado cerca de 1300 pessoas - e os quase 2000000 de refugiados não terão sido, por si só, motivo bastante para uma reacção internacional, como se houvesse uma espécie de "guerra ética" que distingue a forma "adequada" de morrer num conflito armado.

A segunda conclusão - e que resulta necessariamente da primeira - é a constatação da paralisia da comunidade internacional e, em particular, do Conselho de Segurança das Nações Unidas para agir em tempo e de forma concertada a qualquer novo conflito, situação que beneficia em grande medida os regimes beligerantes que se "aproveitam" da incapacidade dos presumíveis defensores da paz para manter vivo o seu esforço de guerra.

Seguindo o alinhamento de conclusões que é possível extrair do conflito na Síria - embora pudesse ser noutra qualquer geografia - é que parte desse mesmo conflito é precisamente "alimentado" pelos referidos "guardiões da paz" que - de um lado e de outro - vão financiando - uns e outros - com os meios necessários à sua tenebrosa subsistência.

Talvez por isso mesmo - e está é, também, uma conclusão possível - o mundo voltou a "assistir" a um reacender da "lógica" de diálogo de surdos entre as grandes potências mundiais, fazendo lembrar os tristemente célebres tempos da "guerra fria", como se tudo se reconduzisse a uma esgrima entre dois interesses permanentemente distintos, antagónicos e inconciliáveis.

Mas foi por aqui mesmo - nova conclusão - que aquilo que parecia inevitável, isto é, uma intervenção armada do "mundo ocidental" na Síria se tornou - pelo menos por agora - numa inevitabilidade adiada, sob o "manto" protector da diplomacia, com a conivência - pelo menos aparente - do próprio regime Sírio.

As eventuais incertezas sobre a verdadeira origem do ataque químico e as suspeitas de envolvimento dos terroristas da Al-Qaeda no terreno ao lado dos rebeldes terão "pairado" - é possível concluir - sobre a soma dos interesses em conflito.

No meio de tudo isto fica a certeza (também ela uma conclusão) que, como sempre acontece nestas circunstâncias, a mera probabilidade de conflito determina imediatamente o crescimento do preço do barril de petróleo, em beneficio daqueles que parecem sempre ser os verdadeiros vencedores de qualquer conflito sem, contudo, terem tido a necessidade de disparar um único tiro.

Para o final fica a conclusão que o mundo de hoje reage de forma perfeitamente distinta aos habituais "tiques" belicistas dos EUA e dos seus principais aliados, mas também que o "gigante russo" está novamente vivo, ao contrário de uma América  e de um Presidente Obama que (pelos visto) não perceberam os custos reais para o seu próprio país das intervenções recentes no Iraque e no Afeganistão.

No meio de tudo isto ficam necessariamente os milhares de inocentes que diariamente "alimentam" as estatísticas da guerra e que, a cada dia que passa, parecem ver as suas esperanças diminuir, seja pela força das armas, seja pela incapacidade da diplomacia. Assim vão as cousas.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Corrida Solidária para Todos

Provavelmente a corrida mais difícil desde o inicio da minha curta "carreira" com diversas 
subidas estilo "morte lenta". 




Para a história fica o melhor registo pessoal na distância (51:57) embora, pessoalmente, creia que a distancia do percurso era inferior aos 10kms. 


Na classificação geral um magnifico 110º lugar entre 188 participantes e em 50º entre 79 na categoria Veterano I.


Em Setembro há mais.


Corrida Jumbo - Circuito Estoril

O recomeço da "competição" com uma prova curiosa feita integralmente no Autódromo do Estoril. 






Algum calor que se fazia especialmente sentir na temperatura do piso mas sobretudo as inclinações acentuadas foram os principais obstáculos. 




Por isso mesmo o tempo oficial de 55:02 não é mau de todo e o lugar 743º entre 1426 atletas e um 157º lugar entre 247 atletas do escalão "Veterano 2". 


Para a semana há mais.







domingo, 8 de setembro de 2013

Cortina de fumo

Há uns meses atrás exerci - conscientemente, diga-se - sobre mim próprio uma espécie de auto-flagelação ao visionar, de forma integral, um filme (?) português intitulado "A Vida Privada de Salazar".

O enredo do referido filme (?) remetia para a biografia do ditador, desde fase prévia à ascensão ao poder e a fase posterior a esse mesmo momento, correndo de forma apressada as diversas etapas da vida do homem de liderou os destinos do país com mão de ferro, durante quase meio século, até chegar aquela espécie de apoteose final coincidente com a "célebre" queda da cadeira.

Mas afinal o que é torna, a meu ver, este inenarrável exercício de pretensa cinematografia biográfica tão absurdamente mau?

Será a minha predisposição para um certo desconforto perante qualquer assunto que aborde a temática do período da ditadura? Não creio, caso contrário não teria sequer visto o filme (?), pelo que não é em si o tema que me criou tamanha sensação de tempo perdido.

Será, porventura, o fraco argumento do filme (?) aliado a igualmente fracas interpretações dos actores escolhidos? Também sou forçado a declinar esta hipótese, até porque a actor principal surgiu mais recentemente a encarnar uma personagem claramente distinta - a de Jesus Cristo - porventura numa espécie de redenção do seu próprio pecado de ter participado anteriormente na supracitada película.

Resta-me então a convicção que a minha incapacidade para valorizar adequadamente este filme (?) se deve ao facto do mesmo suscitar uma visão distorcida da realidade, a qual resulta da errada interpretação histórica que, ao invés de transportar a vida de Salazar para o cinema deveria, antes de mais, permitir que essa biografia fosse apenas parte de uma Sociedade que era "comandada" por essa mesma vida.

É que o erro de análise que tem vindo a ser seguido por quem tenta ilustrar a "vida privada" de Salazar é pressupor que essa mesma "vida" tem, em si mesmo, algo que justifique um enredo suficientemente atractivo para poder ser considerado como filme.

Nada disso. O referido filme (?) limita-se a passar quase vertiginosamente pela tal "vida" sem qualquer espécie de coerência, nem tão-pouco criando no espectador a sensação de, dessa forma, conhecer algo mais sobre o ditador ou mesmo, conforme se impõe nestas circunstâncias, pela introdução de um qualquer elemento de controvérsia que, mesmo carecendo de total capacidade probatória, não deixaria de "lançar" uma centelha de "algo de novo".

Talvez por isso mesmo, alguns historiadores, escritores mas, sobretudo, alguns canais generalistas de televisão procurem frequentemente "olhar" para o ditador não pela sua vida em si mesmo - claramente isenta de interesse documental - mas perante aqueles que o rodeavam (ou rodearam) durante o respectivo "reinado".

Exemplo flagrante de tal convicção são as sucessivas entrevistas e/ou edições literárias (?) sobre as mulheres que acompanharam o ditador, nomeadamente as suas "criadas", normalmente alvo de uma atenção muito peculiar, porventura na procura de alguma imagem menos conhecida do próprio ditador , como se através delas se espreitasse por uma espécie de buraco da fechadura. 

No entanto, aquilo que se constata é que mesmo essas pessoas que lidaram com o ditador de forma mais próxima do que qualquer outra pessoa (pelo menos na perspectiva de um ambiente mais familiar) nada referem que altere substancialmente a visão de um total vazio de interesse naquilo que, se fosse possível, seria visível para lá da tal fechadura.

Contudo, a mais preocupante "mensagem" que acabam por transmitir é a imagem das suas próprias vidas, isoladas de um "mundo" opressor que, aparentemente, a elas nada diz ou eventualmente até preferem ignorar, criando uma imagem bucólica de uma "sociedade" que não tinha qualquer enquadramento real com a realidade social do resto do país.

É aqui que reside o "perigo" de filmes (?) como "A Vida Privada de Salazar", isto é, o de traçaram para as gerações nascidas após o 25 de Abril uma imagem distorcida da realidade que resulta da falsa presunção de que o ditador era, afinal, um cidadão como qualquer outro, líder dos destinos de uma Sociedade que seria, ela própria, igual a qualquer outra. 

Este efeito só poderá ser "contrariado" se, aqueles que agora se propõem descrever a vida privada de quem, afinal, pouco ou nada resta para conhecer, efectuem igual "exercício" relativamente a todos aqueles cujas vidas privadas foram subjugadas pela "vida pública" de Salazar, ou seja, aquela que se encontra sobejamente documentada e testemunhada, ou seja, aquela que há-de ser, para sempre, descrita como a de uma ditadura. Assim vão as cousas.

  




domingo, 1 de setembro de 2013

O novo contrato social


Entre as suas multifacetadas vertentes, Jean-Jacques Rousseau ficou igualmente definido para a posteridade como teórico politico, muito por “culpa” do seu intemporal tratado político denominado de “O Contrato Social”.

A natureza ou o fundamento de um tal contrato social resultaria de um acordo entre os indivíduos para a criação das bases de uma Sociedade, numa espécie de pacto de associação que, no essencial e num momento seguinte, daria origem à noção de Estado.

O que torna fascinante esta noção de Estado assim enquadrado é que o mesmo assenta num pressuposto de liberdade e igualdade, no qual os direitos naturais são irrenunciáveis, sendo protegidos pelo próprio Estado que, enquanto representante de uma vontade geral, se encontraria encarregado de preservar.

Não obstante a convicção, quase certeza, que esta visão da função do Estado não é isenta de reparos nem tão-pouco foi objecto ela própria de enquadramentos distintos daquele que Jean-Jaques Rousseau procurou transmitir a verdade é que, no essencial, revejo-me particularmente na dupla noção que é possível extrair do mesmo.

Por um lado, a noção de que o conceito de Estado não se encontra nem aquém nem além dos cidadãos que o integram na medida em que são eles o seu fundamento, ou seja, a sua razão de existir.

Por outro lado, consequência directa da primeira noção, a convicção que não podendo o Estado ser considerado coisa distinta dos cidadãos não pode, por definição, colocar-se em oposição a esses mesmos cidadãos perdendo, dessa forma, a sua razão de existir.

O poder do Estado é, dessa forma, outorgado pelos cidadãos e compete a esse mesmo Estado prover pelo cumprimento e defesa de princípios naturais e dos direitos (e das obrigações) que justificam a sua existência, na verdadeira acepção de um contrato. Um contrato social.

Ora, uma das funções do Estado é garantir a protecção dos cidadãos na doença, do desemprego e na reforma.

Para esse efeito os cidadãos contribuem durante as respectivas vidas, numa base mutualista e na proporção dos seus rendimentos para, precisamente, assegurar a protecção individual e colectiva desses mesmos cidadãos perante a circunstância de se verem confrontados com algum dos eventos de vida atrás referidos.

Para gerir essa contribuição e a sua justa e correcta repartição, os cidadãos de qualquer Estado nomeiam os seus representantes, eles próprios cidadãos desse mesmo Estado, aos quais se convencionou chamar de políticos.

Acontece que, vulgarmente, esses tais cidadãos com especiais privilégios, tendem a criar, em função das circunstâncias, novos conceitos de Estado, em que as regras passam a ser definidas não pela vontade colectiva dos cidadãos, mas em função de interesses próprios, não necessariamente obscuros, mas em clara violação dos fundamentos do contrato social.

O resultado de uma tal violação é a subsequente frustração de expectativas legítimas de protecção nas situações de maior fragilidade com que qualquer pessoa se pode confrontar ao longo da vida.

Por isso mesmo, nessa altura, caiem por terra os fundamentos do contrato-social nos termos com que julgo interpretar correctamente o famoso tratado político de Jean-Jacques Rousseau, e por isso mesmo desaparece igualmente a noção de Estado.

Assim sendo e por esta altura, serão já poucos aqueles que após a leitura destas breves linhas não terão já interiorizado que essas mesmas linhas remetem precisamente para a situação com que os portugueses se encontram confrontados ao perceberem que, reiteradamente, o seu próprio contrato social é violado por parte daqueles que haviam sido incumbidos precisamente para o proteger.

O resumo de tudo isto remete para as causas da destruição de qualquer Estado que, surgindo por vontade e determinação exclusiva dos cidadãos, tende para o seu desaparecimento pela incompetência de uma pequena parcela desses mesmos cidadãos mas, fundamentalmente, pelo abandono, por parte dos demais, da exigência do cumprimento dos pressupostos do contrato social que eles próprios celebraram. Assim vão as cousas.