segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O falso argumento - Parte II: O processo português

Portugal não fugiu à regra no que diz respeito à reacção do regime aos movimentos anti-colonialistas e por isso mesmo optou, como boa parte das potências coloniais dominantes de então, pelo recurso à lógica da guerra.

Se em relação às colónias portuguesas na Índia a guerra foi de curta duração tal era a supremacia dos exércitos indianos, já o mesmo não se verificou em relação às possessões africanas que Salazar pretendia manter, sem interiorizar - presume-se - os custos materiais e humanos de um tal esforço, facto que levou a partir do ano de 1961 ao inicio dos conflitos em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique (Cabo-Verde e São Tomé foram as excepções).

Rejeitando qualquer negociação pacífica, Salazar optou pela "célebre" máxima de que Portugal deveria enviar tropas para Angola "imediatamente e em força" ou ainda pela "política" do "orgulhosamente sós" que reflectia a falta de apoio internacional (incluindo por parte do Vaticano) à guerra que se iniciava.

O "resultado" de uma tal obstinação foi a mobilização de quase 1,5 milhões tropas portugueses, na sua maioria jovens, dos quais quase 10.000 não haveriam de regressar com vida ou ainda 30.000 feridos para além do número indeterminado de ex-combatentes sofrendo de um flagelo que só mais tarde havia de ser diagnosticado como "Distúrbio Pós-Traumático do Stress de Guerra" e, por fim, um número jamais contabilizado de vitimas civis.

Houve uma outra consequência, porventura menos mediática, que foi o desastroso resultado para as finanças públicas portuguesas em resultado da "necessidade" de manter o chamado "esforço de guerra".

A queda de Salazar e a ascensão ao poder de Marcello Caetano em 1971 não haveria de originar qualquer solução para o conflito 10 anos após o seu início, fruto de uma manifesta incapacidade política e diplomática para negociar uma solução pacífica do mesmo, algo que apenas viria a ocorrer em 1974.

A exaustão de um país inteiro com um conflito que se perpetuava e a erosão do próprio regime ou ainda as divisões dentro das forças armadas haveria de levar à sua queda e ao inicio do fim de Portugal como potencial colonial.

A consciência de que o "problema ultramarino" só poderia ser solucionado através do reconhecimento dos direitos dos povos à sua autodeterminação e independência seria necessariamente o primeiro passo para o fim do conflito e o inicio do processo de descolonização em Africa mas igualmente a legitimidade da ocupação da India Portuguesa ou ainda a situação particular do território de Timor.

Sucede porém que à guerra colonial se haveriam de seguir nesta altura diversas guerras civis com especial relevo para Angola e Moçambique que apenas haveriam de terminar na parte final do século XX.

No meio de tudo isto estavam, porém, centenas de milhares de portugueses (mas não só) que entre a não aceitação da ideia de criação de estados livres e de maioria negra, a desconfiança dos povos locais relativamente ao anterior país colonizador e uma guerra fratricida originou um movimento de regresso forçado a Portugal, aqueles mesmos que haveriam de ser "baptizados" para sempre de "retornados".

Em resumo e sem querer de forma alguma presumir que aquilo que é o meu entendimento sobre esta matéria possa encerrar a discussão sobre o tema é, antes de mais e conforme faço questão de sempre referir, um "convite" à reflexão individual, deixando de lado o recurso a chavões e frases feitas recorrentemente utilizadas que nada acrescentando ao tema vão disseminando uma convicção que não se encontra sustentada por qualquer enquadramento histórico.

Por isso mesmo preocupa-me que a data do 40º aniversário do 25 de Abril se possa tornar uma arma de arremesso da actual crise ao invés de um reavivar da memória colectiva. E se tal suceder, como transparece da falta de um verdadeiro conceito de celebração da data, esse será certamente um factor de preocupação futura que transcende os efeitos da própria crise. Assim vão as cousas. 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O falso argumento - Parte I: A situação global

Numa altura em que se "discute" o anedótico tema do eventual patrocínio das comemorações do 40º aniversário da "Revolução de Abril" que se aproxima, aparentemente "justificado" pelos tempos de crise, têm surgido - e bem - diversas reportagens nos principais órgãos noticiosos, nomeadamente na imprensa escrita, em jeito de folhetim, descrevendo os passos que haveriam de conduzir ao fim da ditadura em Portugal mas também aos não menos conturbados tempos do PREC.

Entre esses temas, como não podia deixar de ser, surge a referência à descolonização e é precisamente por aqui que entendo ter sido criada uma das maiores mistificações do pós-25 de Abril, fruto de uma análise histórica que - aparentemente - apenas é efectuada tendo por base as suas consequências ignorando, porém, as respectivas causas.

Ora, nenhum facto histórico pode em circunstância alguma ser avaliado em função do presente, mas apenas pelo estudo de eventos passados, sob pena da própria noção de história deixar de ter o alcance e significado que todos lhe reconhecemos.

Desta forma optarei por me debruçar não apenas sobre a situação concreta das ex-colónias portuguesas mas sim e num contexto mais vasto sobre a realidade afro-asiática no final da segunda grande guerra, fazendo votos que por essa via se compreenda o sentido da mistificação a que aludi inicialmente.

De facto, nesse período grande parte dos conflitos internacionais deslocou-se para o denominado "Terceiro Mundo" ou, dito de outra forma, transformou-se num conflito que passou a ser reconhecido como "Norte-Sul" entre as potências desenvolvidas e alguns dos mais pobres estados do Mundo, quase todos eles sob uma qualquer forma de domínio colonial.

Tais conflitos não eram sequer exclusivos do continente Africano pois alastrou igualmente a diversos países asiáticos, tomando como exemplo as guerras na Argélia, Indochina ou Coreia.

Contudo, se os locais de conflito eram suficientemente vastos para abranger mais do que um continente a verdade é que o motivo para esses mesmos conflitos não era de forma alguma substancialmente diferenciadora.

Enquanto a Europa recuperava economicamente dos efeitos da guerra nas colónias "vivia-se" precisamente o oposto fruto de uma sistemática politica de exploração e repressão em territórios cujas fronteiras naturais haviam sido substituídas por fronteiras artificiais, transformando em Estados aquilo que até então não era mais do que, em muitos casos, um ordenamento de natureza tribal.

Esta ausência de uma verdadeira política de investimento no ensino e na democratização deste povos haveria de propiciar as condições necessárias a diversas guerras civis após as respectivas independências, fruto da incapacidade para uma verdadeira coabitação cultural ou mesmo ideológica.
    
Ao mesmo tempo em que tal se verificava o continente Africano e Asiático passou a ser o terreno fértil para o desenvolvimento de uma espécie de "laboratório" por parte dos governos comunistas de então que viram nestes locais a local ideal para o combate ao "inimigo" capitalista representado pelos EUA sob o argumento da resistência dos povos locais contra a limitação da sua liberdade e dos seus direitos.

Este novo contexto agravaria ainda mais a situação destes territórios fruto da intervenção dos EUA em diversos países asiáticos, com o Vietname e a Coreia à cabeça, mas em que desta vez a ameaça nuclear era latente, embora provavelmente o receio de utilização das mesmas entre as super-potências tenha constituído um factor de maior equilíbrio entre as forças em conflito do que o seu contrário.

Por outro lado o surgimento de uma espécie de "consciência" africana em resultado da supracitada opressão colonial acabou por estar na base de diversos conflitos entre os povos africanos e as potências coloniais dominantes, havendo raros exemplos de esforços de transição pacífica.

(continua na próxima semana)

  

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Emoldurados

Por circunstâncias diversas (e felizes) que não vêm ao caso tive a oportunidade de, bastante cedo, começar a viajar "por esse mundo fora" e, dessa forma, tomar contacto de forma igualmente precoce com algumas das principais referências da denominada 3ª arte que, para quem não a conheça como tal, é nem mais nem menos a Pintura.

Sendo, porventura, exagerado afirmar que não haverá museu algum de referência representativo desta arte que não tenha ainda visitado é, contudo, totalmente correcta a convicção de já ter percorrido largos kilometros em alguns dos mais prestigiados museus do mundo.

Ora, essa "aventura" em que se transforma o passeio por um tal espaço sempre representou para mim um dos mais estimulantes exercícios de enriquecimento pessoal, consubstanciado numa espécie de "viagem no tempo" pela história da pintura ao longo de um quase labirinto de salas que nos "obrigam" a uma constante rotação de forma a que a passagem de sala em sala não implique deixar para trás algum quadro - grande ou pequeno - que justificasse alguns segundos ou minutos da nossa atenção. 

E, de facto, é precisamente essa a beleza que descubro ao visitar qualquer museu, isto é, a possibilidade de fixar os pequenos ou grandes detalhes de uma obra-prima ou, não sendo considerado como tal, uma qualquer pintura que prende a nossa atenção mais do que as outras por um motivo não necessariamente comum ao que as restantes pessoas possam ter sobre essa mesma pintura.

O que é igualmente fascinante, a meu ver, é a possibilidade de se conhecer também nestes mesmos espaços um pouco da história da própria humanidade, seja através das representações em cada quadro mas também porque estes espaços se encontram quase sempre organizados por épocas o que permite perceber o sentido da evolução da pintura e das referências estilísticas que a justificam em cada momento.

É também aqui que reside a riqueza destes espaços, ou seja, a convicção que nenhum dos seus visitantes tem a mesma percepção sobre cada quadro, pintor ou estilo, como se a história se tivesse encarregado de aleatoriamente a todos agradar sem jamais ser unânime.

Por isso mesmo, qualquer cidade que alberga um tal espaço fá-lo quase sempre com orgulho, consciente que dentro daquelas paredes se "escondem" as suas principais riquezas e uma parte representativa da sua cultura e da sua história, mesmo que os pintores representados não sejam necessariamente locais mas que, dessa forma, passaram a ser uma espécie de seus cidadãos honorários.

Nesta altura quem se tenha dedicado à leitura das linhas precedentes já terá percebido o contexto em que as mesmas são escritas e a meu ver as justificam.

Um país que tem na sua posse autênticos tesouros como aqueles que agora parecem fazer parte de um jogo político mesquinho e que pensa poder deles dispor como se de um qualquer bem móvel transaccionável se tratasse é um país que corre de forma acelerada para a sua própria perda de identidade que nenhum período de crise pode justificar.

Mas ainda que assim o fosse não é menos verdade que a cultura é um pólo fundamental de atractividade de um país, uma espécie de farol que movimenta milhões de pessoas e que justifica que essas mesmas pessoas se desloquem a um determinado país ou cidade para poderem desfrutar - pagando para tal - daquilo que melhor esses locais têm para "oferecer" do ponto de vista cultural.

Talvez por isso mesmo não hesite em afirmar que o prazer que tenho ao contemplar uma obra de arte não é tangível, porque nesse momento não deixa de ser relevante saber quanto paguei para dela poder desfrutar ou quanto terá custado para dela todos podermos usufruir. Assim vão as cousas.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Jovens "promessas"

É por demais evidente que, porventura mais do que em qualquer altura no passado mais ou menos recente da nossa democracia, têm ganho especial relevo uma espécie de nova geração de políticos que têm em comum uma passagem pelas respectivas estruturas das juventudes partidárias dos partidos dos quais são militantes.

Estas estruturas, vulgarmente designadas por "jotas", são uma espécie de berço político dentro dos partidos, no pressuposto de uma formação militante activa de base que há-de levar à renovação sucessiva desses mesmos partidos.

Essa militância revela-se numa primeira fase numa participação nas campanhas eleitorais, dando nota de uma certa irreverência própria da juventude por oposição ao maior formalismo - ou postura de Estado - das elites do partidos a quem dificilmente se perceberia (ou aceitaria) um qualquer excesso ou maior exuberância de quem, afinal de contas, se apresenta ao eleitorado com aspirações a desempenhar funções de liderança.

Sinal disso mesmo é o facto de tanto o actual Primeiro-Ministro de Portugal ter sido ele próprio líder da Juventude Social Democrática entre 1990 e 1995 e o seu principal "adversário" - o socialista António José Seguro - ter praticamente no mesmo período desempenhado essas mesmas funções na Juventude Socialista.

Esta evidência é também "visível" no quadro ministerial onde pelo menos 2 ministros desempenharam tais funções em tempos relativamente mais próximos, nomeadamente os ministros Jorge Moreira da Silva (Ambiente, Ordenamento do Território e Energia) e Pedro Mota Soares (Solidariedade e Segurança Social), ou ainda como titulares de uma Secretaria de Estado como o recém empossado João Pinho de Almeida.

A estes mais destacados juntam-se muitos outros na não menos nobre função de deputado da Nação, embora aqui seja menos notória a contribuição de cada um para a "causa pública".

Entre estes tem-se, contudo, "destacado" o actual líder das "jotas" sociais-democratas - Hugo Soares - que parece destinado a levar a referida irreverência a um ponto que provavelmente tenderá a causar mais danos que proveitos ao seu próprio partido, tão evidentes são as brechas que tem provocado fruto das suas mais recentes iniciativas e intervenções públicas.

Refiro-me à iniciativa legislativa de referendar a adopção e a co-adopção por parte de casais do mesmo sexo, quando esta mesma matéria se encontrava em discussão parlamentar e sem que tal estivesse sequer incluída no conteúdo do acordo de coligação com o CDS-PP, facto que originou uma forte reacção deste partido, para além de um evidente "mal-estar" entre os deputados do seu próprio partido "entalados" entre as suas próprias convicções e a ausência de liberdade de voto para expressar essa mesma convicção.

Não "satisfeito", o deputado Hugo Soares tem vindo a procurar "explicar" o motivo pelo qual os interesses de uma criança e os respectivos direitos a uma família são - aparentemente - referendáveis, mas também justificar o sentido de oportunidade de trazer para a "linha da frente" um tema que aparentemente não é entendido como prioritário pela generalidade dos portugueses.

Pois parece que, afinal de contas, o referendo se justifica porque até o próprio Hugo Soares será favorável à adopção "gay" se a "sociedade estiver preparada" e porque, no essencial, "todos os direitos das pessoas podem ser referendados".

Se assim é, poderemos então questionar-nos se o próprio direito de Hugo Soares a expressar um tal entendimento não deverá igualmente ser submetido a um referendo.

Creio, fundamentalmente, que o "problema" que se encontra por detrás desta nova "elite" politica é que a mesma surge em posições de destaque sem terem um percurso de vida e profissional que justifique uma tal relevância, a qual apenas é justificada por uma espécie de "promoção" dentro da própria estrutura partidária que representam, como um júnior de uma qualquer equipa de futebol que ascende à equipa sénior, a quem pode sobrar o talento mas faltará certamente a experiência.

A ausência de uma clara capacidade de avaliar os reais problemas da sociedade cujos destinos pretendem - presume-se - liderar é, portanto, fruto não de uma manifesta incompetência mas de falta de demonstração da respectiva competência.

Por isso mesmo não é de estranhar que uma vez "atirados" para a primeira linha do debate político seja tão manifesta a incapacidade para uma tal função e, não menos importante, a cada vez menor empatia entre os cidadãos e o discurso das lideranças partidárias dos auto-denominados partidos do "arco do poder" e das respectivas juventudes partidárias, vistas cada vez mais como o provável "meio mais fácil para ter emprego", vulgo "tacho".

Não sendo possível dissociar esta questão da própria "qualidade" da nossa democracia então será forçoso concluir que pouco ou nada será de esperar em termos futuros desta nova geração, excepção feita a uma progressiva e preocupante diminuição da qualidade dessa mesma democracia, a mesma em que aparentemente qualquer direito é passível de ser referendado. Assim vão as cousas.