De entre os temas que inicialmente entendi
colocarem-se à margem das crónicas que, semanalmente, tenho vindo a publicar,
figuram aqueles que se relacionam com a análise a determinados programas de
televisão cujo conteúdo sendo totalmente desconhecido por mim torna inviável
qualquer apreciação relativamente aos mesmos.
Tal omissão não se deve,
esclareça-se, a qualquer presunção de “superioridade” intelectual perante os
espectadores de tais programas ou, sequer, a intenção deliberada de menosprezar
quem dedica parte da sua atenção aos mesmos.
Contudo, o facto de não “acompanhar”
a sua narrativa, por manifesta indiferença, não significa que possa
considerar-me imune à sua existência, tal é o “marketing” à sua volta que,
queiramos ou não, nos "entra" pelos diversos sentidos, num apelo constante à
nossa curiosidade.
Ora essa curiosidade é
particularmente acentuada quando, relativamente a alguns desses programas, é
ela própria a natureza do programa, convidando o espectador a “olhar” para
dentro de uma casa, supostamente fechada para o mundo, onde se encontram homens
e mulheres a “viver” vidas em conjunto, apesar de – segundo nos informam – não
se conhecerem de lado algum.
O estímulo à curiosidade do cidadão
comum sobre as vidas de outros cidadãos supostamente comuns, incluindo apelos
descarados ao “vouyerismo”, é fomentado diariamente através de um acompanhamento
por diversos ângulos (literalmente) e com recurso a todos os meios audiovisuais
disponíveis.
O problema surge, de acordo com a
minha percepção, com a noção de cidadão comum que é “escolhido” para ser o
modelo de cada um de nós numa pseudo-representação de uma vida igualmente
comum.
É que o cidadão comum não é, de
facto, diferente da maioria de qualquer um de nós e, por isso mesmo, tornaria a
sua presença num espaço de “representação” como o que se pretende mostrar, numa
profunda monotonia mediática.
Assim sendo, a “escolha” dos intérpretes
do suposto cidadão comum acenta precisamente na antítese desse epíteto, não devido
a qualquer espécie de capacidade inata para uma determinada tarefa mas, pelo
contrário, por manifestarem precisamente o seu oposto, ou seja, uma total
abstração relativamente ao mundo que os rodeia.
A perspectiva parece ser
precisamente essa, ou seja, de levar o espectador a “conhecer” as “personagens”
de uma sociedade que, sendo a mesma, lhes era totalmente desconhecida, por não
ser admissível que fosse sequer possível.
Ora numa época em que a discussão
sobre o que é o serviço público de televisão ganhou uma nova “força” e em que
parece mais ou menos certo que o único canal que presta efectivamente tal
serviço (o segundo) parece condenado a desaparecer, podemos estar certos que o
que nos “espera” será sempre um pouco mais do mesmo.
Ou seja, ao mesmo tempo que se
encerra um canal que foi, ao longo dos anos, sendo apelidado de elitista por
manifestamente não se “mover” no mesmo plano de programação dos demais,
tenderemos, cada vez mais, a caminhar no sentido oposto, isto é, o da
estupidificação colectiva (assim mesmo, sem aspas), até ao momento em que,
confrontados com os programas que justificam esta dissertação, deixemos de nos
interessar pelas suas “personagens”, simplesmente porque passámos a ser
exactamente igual a elas. Assim vão as cousas.