17.12.1770 - 26.03.1827
Embora existam dúvidas sobre a autenticidade desta fotografia tendo em conta a data em que a mesma terá sido tirada e a "oficial" da invenção da fotografia, presto a minha homenagem ao grande compositor Ludwig Van Beethoven, passados 242 anos sobre o seu baptismo (desconhece-se a data de exacta de nascimento) que teve lugar na Cidade de Bonn.
O seu génio artístico e musical mas também todo o seu desespero sobre a sua crescente surdez e desejo de superar os seus problemas físicos e emocionais parecem inteiramente reflectidos nesta fotografia de um homem que caminha só, em reflexão consigo próprio.
Heiligenstadt Testament
“Aos meus
irmãos Karl e [Johann] Beethoven:
Vós, que me considerais ou me fazeis passar por melancólico,
obstinado e misantropo, que injustos sois para comigo! Não conheceis as
secretas razões do que se passa. O meu coração e o meu espírito eram
inclinados, desde criança, para o doce sentimento da bondade. Sempre estive
disposto para grandes trabalhos.
Mas
imaginai que, de há seis anos para cá, me vejo numa situação desesperada e esta
situação foi-se agravando por culpa de médicos incompetentes, enquanto me
iludiam com a esperança de uma melhoria para, finalmente, me ver apanhado na
perspectiva de um mal duradouro, cuja cura demorará anos e talvez seja
impossível.
Nascido
com um temperamento ardente e activo, sensível aos atractivos da sociedade,
depressa me vi obrigado a isolar-me e a deixar passar a minha vida na solidão.
Se bem que tivesse querido na altura superar tudo isto, ah!, que
impossibilitado me via ao aperceber-me do meu problema no ouvido! Não era
possível dizer às pessoas: “Falai mais alto, gritai, pois estou surdo!” Podia
revelar a debilidade de um sentido que devia possuir com mais perfeição que
qualquer outro, um sentido de que estive dotado num grau tal que certamente
poucas pessoas do meu ofício jamais possuíram? Não, não podia. Perdoai-me
portanto se me afastei, ainda que quisesse tanto estar convosco. A minha
desgraça é duplamente penosa, pois devido a ela vejo-me obrigado a ter de
passar por impopular; para mim acabaram-se para sempre os prazeres da
sociedade, as conversas interessantes e as relações com as pessoas. Absolutamente
sozinho, ou quase. Só na medida em que for absolutamente necessário poderei
voltar a ter contacto com a sociedade; devo viver como um maldito. Se me
aproximo das pessoas, sinto-me automaticamente atormentado por uma terrível
angústia: a de me sujeitar a que adivinhem o meu estado.
Assim
passei os últimos meses no campo, aconselhado pelo meu competente médico, para
cuidar dos meus ouvidos o melhor possível. Ele quase previu a minha situação,
se bem que às vezes, movido pelo desejo de companhia, me tenha afastado do
caminho que me está destinado.
Mas, que humilhação quando alguém ao meu lado ouvia o som de uma
flauta ao longe e eu não ouvia nada, ou quando alguém ouvia um pastor cantar e
eu não conseguia escutá-lo! Tais circunstâncias enchiam-me de desespero, e
faltou pouco para que pusesse fim á minha vida. A arte e só ela me salvou!
Parecia-me impossível deixar o mundo antes de ter transmitido todo o que sentia
nascer em mim, e assim, prolonguei esta vida miserável, com um corpo tão frágil
que qualquer mudança brusca basta para acabar com a sua saúde. Paciência! É
tudo o que devo fazer agora e assim o faço. Espero manter-me na determinação de
esperar até que a cruel morte faça acabar com tanta amargura. Talvez fosse o
melhor, ou talvez não, mas sou corajoso. Aos vinte e oito anos, ver-me obrigado
a tornar-me filósofo não é agradável e, para um artista, é mais duro do que
para outro homem. Meu Deus! Tu que do alto vês o mais fundo do meu ser, sabes
que dentro de mim se movem desejos de fazer o bem e de amar o próximo. Vós,
homens, se lerdes isto algum dia, pensai que tereis sido injustos comigo e que
quem é infeliz se consola procurando alguém semelhante a ele. Apesar de todos
os obstáculos da natureza, fiz, no entanto, todo o possível para ser admitido
na categoria dos artistas e dos homens de valor.
Ao mesmo tempo, declaro-vos aqui herdeiros da minha pequena
fortuna (se é que se pode chamar assim). Reparti-a com honestidade;
respeitai-vos e ajudai-vos mutuamente. O que fizestes contra mim, há tempo que
vos perdoei, bem o sabeis. A ti, irmão Karl, agradeço-te especialmente o afecto
de que me deste provas nos últimos tempos. O meu desejo é que a vossa vida seja
melhor e menos triste que a minha; recomendai aos vossos filhos a Virtude, que
é a única coisa que nos pode fazer felizes e não o dinheiro, sei-o por
experiência; é ela que me conforta na minha aflição; devo-lhe, assim como à
arte, o não me ter suicidado.
Mas assim aconteceu. Corro ao encontro da morte com alegria. Se
esta, no entanto, chegasse antes de não ter tido tempo de desenvolver todas as
minhas faculdades artísticas, fá-lo-ia demasiado depressa.
Apesar da
infelicidade do meu destino, queria que ainda demorasse. Mas mesmo assim havia
de me conformar: a morte não me livraria talvez de um interminável sofrimento?
Que venha quando quiser, irei ao seu encontro com alegria. Adeus, e não me
esqueçais após a minha morte.
Bem o mereço, pois pensei em vós muitas vezes e desejei que
fosseis felizes: sede-o.
Heiligenstadt, 6 de Outubro de 1802, Ludwig van Beethoven”.
Sem comentários:
Enviar um comentário