domingo, 25 de julho de 2010

Sai uma Constituição

Bem ao contrário das pseudo pandemias que têm assolado o nosso País, verifico que existe uma variante - bem contagiosa por sinal - de uma estirpe de gripe que se manifesta, nomeadamente, por acessos de demagogia politica.

Uma vez em contacto com a "doença" alguns politicos revelam sinais preocupantes de revisionismo da Constituição Portuguesa.

O nosso documento fundamental é, não raras vezes, apresentado como um obstáculo ao desenvolvimento do país, o paradigma do imobilismo face aos desafios dos tempos modernos.

Devo dizer que não concordo com este entendimento. Por mais que leia de forma interessada e mesmo estudiosa a nossa Constituição, não consigo verificar onde é que na mesma se criam obstáculos à nossa progressão na escala dos países mais desenvolvidos.

Será por consagrar direitos fundamentais às pessoas, como a assistência na saúde, a educação, o direito ao trabalho, etc?

Ou será por operar de forma clara a separação de poderes, esse pilar fundamental de uma sociedade democrática?

Nem se diga que a Constituição resulta do contexto politico subsequente à revolução do 25 de Abril de 74. O actual texto foi sucessivamente revisto, retirando-lhe essa carga ideológica.

Será então por "ter demasiados artigos"? Não creio igualmente. A este respeito direi que se algo se pretende atacar por este lado deverá começar-se pela quantidade (e qualidade) da produção legislativa da nossa Assembleia da República. Estas leis (ordinárias) têm sim um impacto consideravel na qualidade do sistema democrático e da forma como nos organizamos.

Mas parece que finalmente alguém descobriu onde se encontram, de facto, os obstáculos à nossa capacidade de nos impor na élite europeia e, quiçá, mundial.

Esse alguém foi o Dr. Pedro Passos Coelho que sacou da cartola (passe a expressão) a solução para todos os nossos males, a saber:

  • O Presidente da República passa a poder demitir o governo e, sem dissolver a Assembleia da República, nomear para o cargo, por exemplo, o 2º partido mais votado. Poderia ser o 4º mais votado, mas presumo que para o Dr. Pedro Passos Coelho, seja melhor ficar pelo 2º;

  • Demitido o governo e logo substituido por outro sem qualquer legitimidade democrática e presumivelmente com uma minoria de representação no Parlamento, aumenta-se o mandato do Presidente da República e do próprio Governo, passando a co-habitar "ad eternum" uma vez que o 2º passa a depender em exclusivo do 1º que havia anteriormente nomeado esse mesmo Governo. Confuso?
Das duas uma, ou as pessoas já não querem saber ou andam terrivelmente distraidas, mas é por demais evidente que o Dr. Pedro Passos Coelho pretende lançar para ele próprio uma passadeira vermelha para o poder, agora que se vê como presuntivo futuro Primeiro-Ministro.

Se, para tal, o conseguir sem ir a votos e alterando o secular sistema de governo, tanto melhor. Assim vão as cousas.

domingo, 18 de julho de 2010

Os quartos da casa

Estive recentemente num clínica de Lisboa e dei por mim, enquanto esperava a minha vez, a contar o numero de divisões daquela casa agora transformada em espaço de assistência ambulatória.
Confesso que não fiquei a saber quantas seriam de facto as assoalhadas mas gerou-me uma noção do quão diferentes seriam as relações familiares em anos idos ao ponto de na mesma casa habitarem diversas gerações havendo, manifestamente, espaço para todos.
Não pretendendo efectuar qualquer exercicio saudosista não posso, contudo, deixar de reflectir que parte dos problemas educacionais e de geração actuais derivam certamente do desmembramento das familias, que outrora partilhavam espaços como este.
A familia constituia para as gerações mais novas o apoio que actualmente se pretende seja assegurado quase em exclusividade pelas escolas quando estas, por falta de vocação ou de meios, não o pode já fazer.

Por outro lado o encontro de gerações no mesmo espaço permitia a familiarização com diferentes experiências de vida, facto que hoje em dia é extremamente raro.
Actualmente as familias estão espartilhadas: os mais idosos estão nas suas proprias casas ou em lares, os pais estão absorvidos cada um por si nos respectivos empregos desde cedo até ao fim do dia, e os mais novos entram para os infantários cada vez mais precocemente e numa fase mais adulta passam parte do dia - quando não têm aulas - por sua conta, muitas das vezes absorvendo "ensinamentos" perfeitamente dispensáveis e que mais tarde se revelam verdadeiramente nefastos.
Os períodos de férias não são aproveitados para uma verdadadeira convivência familiar mas apenas como mais um motivo para pais e filhos se separarem, porquanto estes ultimos são "entregues", não raras vezes, à responsabilidade de colónias de férias ou de um ATL.
Não pertenci às gerações que habitavam casas de 12 assoalhadas por isso, repito, não me move qualquer sentimento de saudade, mas tenho bem presente que o individualismo está a tomar conta da sociedade e, assim, temo bem que no futuro a cada um de nós baste uma casa onde nós próprios possamos habitar. Assim vão as cousas.

domingo, 11 de julho de 2010

Bolo do caco

O nosso mundo está repleto de lideres, mais ou menos carismáticos, que sendo democráticamente eleitos para os cargos que ocupam, constituem eles próprios a subversão dos regimes democráticos.
Esta minha convicção - assente em demasiados casos concretos - prende-se com a nocção de que a democracia é, ela própria, um regime imperfeito.
Os lideres a que me refiro chegam, normalmente ao poder por via de uma eleição que lhes confere uma ampla maioria de apoiantes que serão, na prática, o suporte futuro da sua manutenção no poder.
Após a "tomada" do poder iniciam, passado pouco tempo, uma leitura da sociedade a partir do qual todos aqueles que não alinham pela vontade da maioria torna-se inimigos do desenvolvimento do país ou da região.
Tudo o resto acaba por se desenvolver de forma relativamente simples e célere.
O partido dominante passa a dominar parte dos orgãos de comunicação, subvencionando-os ao ponto de os tornar dependentes dos subsidios estatais. Não raras vezes o líder politico passa ele próprio a escrever uma coluna ou a ter "tempo de antena" a propósito de quase tudo mesmo que não seja sobre nada.
A aquisição de novos funcionários é feita de forma galopante criando numa legislatura um conjunto de dependentes do poder, seja na perspectiva da manutenção do seu posto de trabalho, seja na convicção de que de outra forma não poderão ganhar novos concursos.
Não raras vezes, contudo, estes locais pouco ou nada tem para oferecer, tão escassa são as suas riquezas naturais ou produtividade dos seus "nativos" e então tornam-se pedintes profissionais em função da natureza desfavorecida da sua região ou ainda dos custos da insularidade.
Não obstante tal dependência, é comum vê-los imbutidos de uma arrogância e sobranceria da "obra feita" (com o dinheiro dos outros) quais "filhos mal agradecidos", obrigando tudo e todos a assistir impávidos e serenos aos mais aberrantes dislates verbais, normalmente perante um silêncio que pouco ou nada tem de complacente mas que dificilmente se entendem.
As oposições, se existentes (ou resistentes) são relegados a um plano pouco mais do que decorativo, tal é o silêncio que se lhes é imposto por constituirem uma minoria.
E então, quem de nós se pode admirar que as reeleições se sucedam de forma natural e quase consensual?
Poderia lembrar nesta ocasião diversos nomes a quem a presente mensagem caberia integralmente, mas alguém dúvida que é exactamente isto que se passa na Madeira desde o 25 de Abril? Assim vão as cousas.